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terça-feira, 2 de setembro de 2025

O futebol como ponte geopolítica e geoeconômica cultural

O futebol é, talvez, o mais poderoso vetor cultural do Brasil no mundo contemporâneo. Desde o século XX, a exportação de jogadores brasileiros para os grandes centros europeus ultrapassou a dimensão esportiva e se converteu em um fenômeno de geopolítica cultural, pois ampliou a presença simbólica do Brasil em espaços estratégicos da Europa, e em um fenômeno de geoeconomia cultural, ao gerar fluxos econômicos e simbólicos que consolidaram o futebol como mercadoria global.

1. O jogador brasileiro como embaixador cultural

Na ausência de uma política cultural organizada pelo Estado brasileiro, foram os craques que assumiram a função de verdadeiros embaixadores informais do país. Pelé nos anos 1960, Zico e Falcão nos anos 1980, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká nos anos 1990–2000 foram não apenas atletas, mas símbolos nacionais transnacionais, transmitidos ao vivo pelas televisões da Europa e agora eternizados no YouTube.

Cada jogador projetava no gramado europeu uma imagem do Brasil: talento natural, improviso criativo, alegria no jogo. Essa estética do futebol brasileiro funcionou como soft power, tornando o país admirado e reconhecido globalmente sem a necessidade de aparato diplomático direto.

2. O futebol como geopolítica cultural

O movimento dos craques brasileiros para a Europa configurou uma cartografia cultural que coincide com os centros do poder mundial.

  • Na Itália, os brasileiros integraram o auge da Serie A (anos 1980–2000), conectando o público brasileiro ao imaginário renascentista e à política italiana contemporânea.

  • Na Espanha, com o Barcelona de Romário, Rivaldo, Ronaldinho e depois Neymar, o Brasil se projetou dentro de uma narrativa de vanguarda cultural e modernidade catalã.

  • Na Holanda, os brasileiros no Ajax e PSV criaram vínculos com um país pequeno em território, mas gigante em comércio internacional, história colonial e inovação.

  • Na Inglaterra, com a Premier League, o talento brasileiro se inseriu no epicentro do capitalismo financeiro e do globalismo esportivo.

Assim, o futebol serviu como uma forma de inserção cultural indireta do Brasil em polos estratégicos da Europa.

3. A geoeconomia cultural do futebol

O futebol brasileiro tornou-se também um ativo da geoeconomia cultural. Cada transferência de jogador gerava não apenas receita imediata, mas um capital simbólico para o Brasil. As imagens exportadas pela televisão, e hoje reproduzidas livremente no YouTube, criam memórias emocionais de gerações inteiras de europeus e brasileiros.

Essa memória emocional se converte em um valor econômico de longo prazo: brasileiros consomem as línguas e culturas da Itália, Espanha, Holanda e Inglaterra através do futebol, e, em contrapartida, esses países mantêm o Brasil como fornecedor de talentos, sustentando uma relação assimétrica, mas duradoura.

4. O futebol como ponte de idiomas e culturas

Na prática, o futebol permitiu que milhões de brasileiros tivessem contato com o italiano, o espanhol, o holandês e o inglês por meio das transmissões esportivas. O YouTube reforçou essa ponte ao reabrir o arquivo histórico, permitindo que memórias individuais se transformassem em instrumentos de aprendizado cultural e linguístico.

Dessa forma, o futebol criou um campo de circulação simbólica que não depende de governos, mas da memória coletiva construída pela paixão esportiva. O brasileiro que aprende italiano ouvindo as narrações do Calcio dos anos 1990 está, sem perceber, participando de uma rede de geoeconomia cultural, na qual o consumo do esporte gera circulação de capital simbólico, linguístico e identitário.

Conclusão

O futebol brasileiro é mais que um espetáculo: é um instrumento geopolítico de inserção cultural e um ativo geoeconômico de longo prazo. Pela exportação de jogadores e pela difusão das transmissões esportivas, o Brasil projetou sua identidade para além de suas fronteiras, conectando gerações às línguas, culturas e imaginários europeus.

Assim, o futebol se confirma como uma das mais eficazes formas de soft power brasileiro, uma ponte que liga gramados a culturas, gols a línguas, e que transforma memória esportiva em patrimônio cultural transnacional.

Bibliografia

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  • Poli, Raffaele; Ravenel, Loïc; Besson, Roger. Exporting Football Talent: The International Transfer Market. CIES Football Observatory Reports, 2016.

  • Lever, Janet. Soccer Madness: Brazil's Passion for the World’s Most Popular Sport. Waveland Press, 1983.

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