No século XIX, a ideia de liberdade ganhou contornos complexos na América Latina e no Brasil. No Império brasileiro, por exemplo, a Lei do Ventre Livre de 1871 representou um passo gradual contra a escravidão, garantindo a liberdade aos filhos de mulheres escravizadas nascidos após sua promulgação. No entanto, essa liberdade era restrita: os vínculos de dependência social e econômica permaneciam, tornando a emancipação uma promessa mais formal do que concreta. O gesto legislativo, embora simbólico, revela que a liberdade, muitas vezes, vem acompanhada de limitações invisíveis, como se a própria história insistisse em reter seus frutos.
Enquanto isso, no processo de independência e balcanização das colônias espanholas, os chamados libertadores atuavam em nome da liberdade abstrata, mas construíam estruturas de poder ideológico que restringiam, de fato, o exercício dessa liberdade. Ao criar instituições, decretos e discursos que moldavam regiões inteiras, muitas dessas lideranças estabeleceram o que podem ser chamadas de “prisões ideológicas”, ou comunidades imaginadas – para usar o conceito de Benedict Anderson. Essas comunidades não eram apenas uma construção simbólica da identidade nacional, mas também uma prisão da mente, regulada por normas, tradições e convenções importadas de ordens secretas e redes de influência, como a maçonaria, que tiveram papel significativo na formação das elites libertadoras.
O efeito, portanto, foi paradoxal: em nome da liberdade, regiões inteiras foram mantidas em uma prisão de ventre sistemática. Metaforicamente, a sociedade ficou retida por ideais abstratos e discursos de emancipação que, na prática, pouco libertavam. O “laxante da História”, inevitavelmente, virá. Quando vier, revelará os podres acumulados, a hipocrisia e as contradições dos falsos libertadores. A sujeira histórica, antes contida, se espalhará, expondo que nem toda liberdade proclamada é liberdade realizada.
Essa metáfora não é apenas humorística. Ela denuncia a diferença entre liberdade formal e liberdade efetiva, e a dificuldade de enxergar os efeitos da ideologia quando ela se apresenta sob a capa de virtude. Assim como a Lei do Ventre Livre foi um passo limitado dentro de um sistema escravocrata, os discursos de liberdade das Américas Espanholas foram passos imperfeitos, carregados de contradições e armadilhas ideológicas.
No final das contas, a história nos lembra que a liberdade não é apenas proclamada; ela precisa ser experimentada, sentida e vivida. Até lá, a prisão de ventre permanece – silenciosa, invisível, mas persistente –, e o laxante histórico será implacável na revelação de sua verdadeira extensão.
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