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terça-feira, 2 de setembro de 2025

1922: O PCB, o Imposto de Renda e a concentração dos bens da vida em poucas mãos, sobretudo nas mãos do Estado

O ano de 1922 foi decisivo para a história política e econômica do Brasil. De um lado, em março, nascia em Niterói o Partido Comunista Brasileiro (PCB), inspirado pela Revolução Russa e pela orientação da Internacional Comunista. De outro, em dezembro, o governo federal instituía pela primeira vez o Imposto de Renda (Lei 4.625/1922), regulamentado dois anos depois. Embora aparentemente distintos, esses dois acontecimentos estão ligados por um mesmo eixo: a questão do poder sobre os bens da vida — quem os produz, quem os usufrui e quem os controla.

O PCB e a centralização política

O PCB foi criado como braço brasileiro da revolução mundial sonhada por Lênin. Sua meta era abolir a propriedade privada e instaurar um regime onde os meios de produção e os frutos do trabalho estivessem concentrados nas mãos do Estado, que se tornaria o administrador supremo da sociedade. Essa lógica partia da convicção de que a desigualdade só poderia ser eliminada pela supressão da iniciativa privada e pela imposição de uma autoridade central.

O imposto de renda e a centralização econômica

Paralelamente, o imposto de renda foi instituído no Brasil com um discurso semelhante ao que se havia utilizado no Reino Unido no século XIX: uma medida temporária e emergencial, voltada à arrecadação para enfrentar crises e modernizar o Estado. No entanto, aquilo que nasceu como exceção tornou-se regra. O novo tributo, longe de ser apenas um mecanismo técnico de arrecadação, representava uma mudança de paradigma: o Estado passava a ter direito legal de usar, gozar e dispor de parte dos bens dos cidadãos.

Com isso, criava-se uma assimetria de poder. O cidadão era forçado a abrir sua vida financeira ao escrutínio estatal, sob ameaça de multas ou criminalização, enquanto o Estado assumia um papel de superioridade absoluta — “tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”, como ecoaria décadas depois no fascismo italiano.

A crítica distributista

É nesse ponto que a crítica distributista se torna pertinente. Inspirado por pensadores como G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, o distributismo denunciava tanto o capitalismo monopolista, que concentrava os bens da vida em poucas mãos privadas (a oligarquia econômica), quanto o estatismo socialista, que entregava todos os bens ao Estado (a oligarquia política travestida de coletividade).

Chesterton observava:

“O problema do capitalismo não é que haja muitos capitalistas, mas sim poucos capitalistas.” (The Uses of Diversity, 1921)

E ainda:

“A escravidão não desapareceu. Apenas assumiu novas formas; hoje, um homem é escravo do Estado ou do patrão, quando deveria ser senhor de sua pequena propriedade.” (The Outline of Sanity, 1926)

Belloc, por sua vez, advertia em The Servile State (1912):

“Quando a propriedade está concentrada em poucas mãos, surge inevitavelmente uma classe servil, dependente de quem controla os bens da vida.”

Essas palavras revelam como tanto o imposto de renda quanto os sistemas socialistas — cada um a seu modo — colaboravam para reforçar essa condição de dependência. Em vez de promover liberdade, geravam oligarquia, isto é, o domínio de poucos sobre muitos, em oposição à verdadeira aristocracia, que deveria se pautar pelo serviço ao bem comum.

A Doutrina Social da Igreja

As preocupações distributistas encontravam eco na Doutrina Social da Igreja. Já em Rerum Novarum (1891), o Papa Leão XIII defendia a propriedade privada como direito natural, fundamento da liberdade e proteção da família contra a arbitrariedade do Estado e dos monopólios. Ele advertia:

“O Estado não deve absorver o indivíduo ou a família; deve deixá-los livres no gozo de seus direitos.” (RN, §35)

Décadas depois, Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno (1931), denunciaria tanto a concentração capitalista quanto a centralização socialista, afirmando:

“O poder econômico se tornou tremendamente concentrado em poucos, e muitas vezes em detrimento da liberdade individual e do bem comum.” (QA, §105)

E ao condenar tanto o liberalismo absoluto quanto o coletivismo socialista, Pio XI lembrava o princípio de subsidiariedade:

“Assim como não é lícito tirar aos indivíduos o que eles podem realizar por sua própria iniciativa e indústria, para confiá-lo à comunidade, também é injusto passar para uma associação maior e mais elevada o que pode ser feito por sociedades menores e inferiores.” (QA, §79)

Esses ensinamentos mostram que a concentração dos bens da vida — seja na mão de grandes oligopólios privados, seja no Leviatã estatal — é contrária à ordem natural e à justiça social.

O uso histórico do imposto de renda no Brasil

  • Era Vargas (1930–1945): Getúlio Vargas ampliou a estrutura tributária e usou o imposto de renda como instrumento de fortalecimento do Estado Novo. O governo centralizou recursos para financiar a industrialização e, ao mesmo tempo, para manter uma máquina política de controle sobre sindicatos e trabalhadores.

  • Regime Militar (1964–1985): Os militares expandiram a carga tributária, elevando alíquotas e ampliando a base de contribuintes. O imposto de renda foi peça fundamental para financiar grandes obras de infraestrutura e o “milagre econômico”, mas também sustentou um Estado hipertrofiado, que restringia liberdades civis e políticas.

  • Nova República e Constituição de 1988: Embora o regime democrático tenha prometido descentralização, o imposto de renda continuou sendo a principal fonte de arrecadação federal. O pacto federativo deixou estados e municípios dependentes das transferências da União, perpetuando a lógica de concentração: os recursos sobem para Brasília e descem condicionados a interesses políticos e burocráticos.

Esses três exemplos mostram que, em contextos diferentes — ditadura de Vargas, regime militar e democracia recente — o imposto de renda foi invariavelmente um instrumento de centralização estatal.

O paradoxo de 1922

Assim, o Brasil testemunhava em 1922 duas iniciativas convergentes, ainda que vindas de matrizes ideológicas distintas:

  • O PCB, pregando a centralização política e econômica nas mãos do Estado;

  • O Imposto de Renda, instaurando na prática essa centralização tributária e financeira.

Ambos contribuíram para a consolidação de um modelo em que a liberdade individual e a propriedade privada ficavam subordinadas a uma lógica de controle superior.

Atualidade: o PL 4329/2025

Mais de um século depois, surge o Projeto de Lei 4329/2025, da deputada Júlia Zanatta (PL/SC), propondo a extinção do imposto de renda no Brasil. Sua justificativa ecoa, ainda que em linguagem política contemporânea, os mesmos princípios distributistas e da Doutrina Social da Igreja: a defesa da liberdade econômica, a crítica à espoliação do trabalhador e a busca de um modelo tributário menos invasivo, que não concentre poder nas mãos do Estado.

Ainda que seja um projeto de tramitação difícil, pois o imposto de renda é uma das maiores fontes de arrecadação da União, sua proposta recoloca em debate a mesma questão de 1922: quem deve deter o poder sobre os frutos do trabalho humano — o Estado, os monopólios ou a própria pessoa que trabalha?

Conclusão

O distributismo, em sintonia com a Doutrina Social da Igreja, propunha uma via de desconcentração dos bens da vida, estimulando a pequena propriedade, a autonomia das famílias e a solidariedade comunitária. Sua crítica permanece atual: quando os frutos do trabalho são sugados por oligarquias — sejam elas privadas ou estatais — a dignidade humana é ferida e a liberdade, comprometida.

O marco de 1922 nos lembra que a luta contra a concentração de poder, seja pela via revolucionária ou pela via tributária, é parte essencial da busca por uma sociedade mais justa, onde os bens da vida estejam de fato distribuídos de maneira ampla e ordenada ao bem comum.

Bibliografia

  • BELLOC, Hilaire. The Servile State. London: T.N. Foulis, 1912.

  • CHESTERTON, G.K. The Uses of Diversity. London: Methuen, 1921.

  • CHESTERTON, G.K. The Outline of Sanity. London: Methuen, 1926.

  • LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum. Roma, 1891.

  • PIO XI, Papa. Quadragesimo Anno. Roma, 1931.

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2019.

  • CARONE, Edgar. O PCB (1922–1943): o nascimento de um partido. São Paulo: Difel, 1982.

  • IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

  • ZANATTA, Júlia. Projeto de Lei nº 4329/2025. Câmara dos Deputados, Brasília, 2025.

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