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sexta-feira, 22 de março de 2019

Da ilegalidade para o mainstream - notas sobre a história do file-sharing e do torrent, assim como do papel do Internet Archive para fomentar essa revolução cultural

1.1) Certa ocasião, foi aprovada uma legislação em um determinado país que permitia que o comprador de algum software contido em mídia física, como CD ou DVD, tivesse direito a um backup desse software de modo a proteger esse investimento. Ele não podia fazer cópias ilegais de modo a revender esse material enquanto perdurassem os direitos autorais dessas empresas, o que seria antiético, mas ele podia ter uma cópia para uso pessoal, preservando assim a mídia física.

1.2) Foi dentro dessa brecha legal, dessa sabedoria não intencional, que nasceu o Clone CD. Por meio dele eu podia fazer uma imagem do software protegido em mídia física de modo a rodá-lo num drive virtual. Eu copiei jogos que comprei em mídia física e muitos deles rodaram perfeitamente bem.

2.1) Alguns anos depois, expirados os direitos autorais desses softwares, os backups começaram a ser vendidos legalmente, a preço de banana. Eu encontrei muito software interessante dessa forma.

2.2) Para garantir que meus consumidores não fossem lesados, todas as cópias que fiz a partir de jogos que comprei legalmente foram depositadas no Internet Archive. Eu vou emular esses jogos para jogar, já que meu computador é moderno demais para rodar esses jogos que comprei há muito tempo.

3.1) Em 2011, quando fazia file-sharing remunerado das aulas que gravava do Curso Glioche, eu cheguei a fazer o seguinte experimento: eu enviei para mim mesmo um torrent no qual eu tinha o direito de baixar um arquivo de pelo menos 1 gigabyte. O torrent em si tinha alguns kilobytes e o arquivo escolhido naquela ocasião foi o GTA Vice City.

3.2) Embora achasse sensacional a idéia de enviar torrents para os meus pares, o único problema é que precisaria dos outros para seedarem o arquivo - e isso era complicado, pois muitos faziam hit and run. Mas, a partir do momento em que o Internet Archive passou a garantir o seed dos arquivos, este problema passou a ser resolvido. Hoje, eu posso mandar para os meus contatos jogos e equipamentos via torrent em troca de dinheiro. Isso facilitou e muito o comércio de arquivos virtuais, tal como costumo ver no Mercado Livre.

3.3.1) Se pararmos pra pensar, o torrent é como se fosse um título de crédito; nele, eu tenho o direito de baixar um arquivo pesado, cujo envio por e-mail seria impossível, dadas as limitações desse sistema de envio. O título de crédito tem cartularidade, literalidade e é portátil, feito para circular - e o torrent tem essas 3 características.

3.3.2) Quem garante o seed do torrent é como um avalista de crédito - é ele que garante o download do arquivo. A diferença é que não é uma instituição financeira que garante o crédito, mas um museu que preserva a memória da indústria digital - ou seja, esse museu não tem intuito lucrativo, mas garante que muitos tenham ganho sobre a incerteza quando preservam suas memórias de suas compras digitais no museu e compartilham essa propriedade pessoal com os demais, a ponto de terem ganho sobre a incerteza por força disso. E quanto mais essa propriedade privada é partilhada, mais ela é multiplicada, criando um espécie de distributivismo. O caráter exclusivo do registro dá lugar a um caráter inclusivo, pois todos podem usar, gozar e dispor dos benefícios dos produtos antes comprados legalmente. Isso matou de vez a pirataria - ninguém mais precisará usar cracks cheios de vírus de modo a conseguir rodar os programas, uma vez que o intuito dos cracks cheios de vírus é seqüestrar os dados da vítima e praticar extorsão por meio deles.

4.1) Da mesma forma como ocorre com os softwares, isso também ocorre com os livros. Certa ocasião, meu colega Sidney Silveira mostrou para os contatos dele uma foto de um livro que ele tinha em sua biblioteca, que estava todo detonado de tão usado para estudo.

4.2) Esta é uma das razões pelas quais eu prefiro comprar livros físicos a ebooks. Pretendo fazer cópias deles, a partir dos originais por mim digitalizados. Uma cópia física pode ser impressa a partir da cópia digital e aí ela pode ser lida, relida ou treslida sem complexo de culpa, preservando, assim, o investimento feito. É mais ou menos como ocorre com os softwares nos tempos atuais. Não se trata de pirataria, mas de preservação de cópia legalmente adquirida.

4.3) Da cópia digital você aprende o design do livro, a ortografia da época e até mesmo a diagramação das edições, Além de muitas outras coisas. Isso sem mencionar que você pode vender essa cópia feita a quem quiser.

5.1) Se tivéssemos um museu arqueológico cheio de artefatos feitos por povos do passado, uma boa forma de se ter renda para o museu, além da cobrança de entrada, seria vender réplicas dessas peças, de modo a esses bens valiosos do passado adornarem os jardins ou mesmo as cozinhas das casas das pessoas. Isso faria com que a cultura desses povos fizesse parte da cultura popular, fora que as casas ficariam ainda mais bonitas, eliminando assim a apeirokalia da modernidade.

5.2) No Brasil, além de não permitirem fazer réplicas dessas peças, eles ainda exterminam o passado, tal como houve no incêndio do Museu Nacional, que estava sob o comando de um partido comunista, o PSOL, que estava controlando a UFRJ. É por isso que prefiro ter meu próprio museu e ter réplicas do acervo da Biblioteca Nacional ou do Arquivo Nacional enquanto isso for possível. O problema, é claro, reside na falta de dinheiro - se tivesse dinheiro, eu faria microfilmes desses livros e digitalizaria a partir do microfilme.

5.3.1) E por falar em museu, seria interessante que eu tivesse um, de modo a preservar a memória de todos os que me antecederam, no caso a memória dos meus pais:

5.3.2) O fundo dos meus pais teria as seguintes peças:

A) Os livros do meu pai e os livros da minha mãe seriam digitalizados e colocados no Internet Archive.

B) As ferramentas de trabalho de meu pai teriam seu design copiado, a partir de fotografias. Réplicas dessas ferramentas seriam fabricadas a partir de metais de melhor qualidade, de modo a honrar a tradição ancestral. Da mesma forma, os talheres, as facas de cozinha, os copos e os pratos que minha mãe usou.

C) O DNA das plantas que meu pai plantou seriam preservados de modo que clones pudessem ser fabricados.

D) Pisos, os quadros e a planta arquitetônica do apartamento em que habitamos serão também preservados. Até a decoração será preservada na forma de fotografia. Até mesmo o design dos móveis será preservado.

5.3.3) Tudo isso será feito de modo que as futuras gerações dos membros da família Dettmann tenham uma idéia de como era a casa na época em que vivi. Embora minha casa seja uma bagunça, ao menos eu não tenho vergonha das minhas origens. Não fomos ricos, não tivemos do bom e do melhor, mas tivemos uma vida digna - e isso é o que realmente importa.

5.3.4) Assim como digitalizo meus livros, eu também fotografarei as minhas roupas favoritas, de modo que haja uma costureira dentre nós que reproduza essas roupas da melhor forma possível. Eu fotografei minha camisa laranja favorita. Eu refarei essa camisa sob medida, quando esta ficar puída, de tanto ser usada, tal como acontece com os livros do Sidney Silveira.

5.3.5) Se eu tiver uma filha que queira fazer roupas para sims, então eu posso enviar minhas roupas favoritas de modo que sejam reproduzidas no jogo.

José Octavio Dettmann

Rio de Janeiro, 22 de março de 2019.

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