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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Rise of Venice como Patrician com narrativa: comércio, política e cultura entre o Báltico e o Mediterrâneo

Resumo

Este artigo compara os jogos Patrician e Rise of Venice, ambos simuladores econômicos históricos produzidos pela Gaming Minds Studios. Sustenta-se que Rise of Venice representa uma evolução do gênero ao introduzir elementos narrativos que contextualizam o comércio como instrumento de poder político. A análise investiga as diferenças culturais entre a Liga Hanseática e a República de Veneza, bem como o papel da narrativa como veículo de imersão histórica.

Palavras-chave: simuladores econômicos, história do comércio, narrativa em jogos, Renascimento, Liga Hanseática, República de Veneza.

1. De Lübeck a Veneza: duas culturas comerciais

A série Patrician, lançada originalmente pela Ascaron Entertainment em 1992 e posteriormente desenvolvida pela Gaming Minds Studios, oferece uma representação fiel do comércio marítimo promovido pela Liga Hanseática entre os séculos XIII e XV¹. Trata-se de uma confederação mercantil de cidades do norte da Europa, com destaque para Lübeck, Hamburgo, Rostock, entre outras. Já Rise of Venice, lançado em 2013 pela Kalypso Media, situa-se no universo renascentista da República de Veneza, projetando o jogador no papel de um jovem comerciante buscando ascensão na hierarquia política da cidade.

Essas escolhas não são apenas estéticas. A Liga Hanseática refletia uma ética corporativista, descentralizada e pragmática, em que a regulação do comércio visava à estabilidade regional. A Sereníssima República de Veneza, por sua vez, apresentava uma lógica centralizadora, aristocrática e diplomática, onde o comércio era parte de uma máquina política refinada, comandada pelo Doge e controlada por famílias patrícias².

2. A emergência da narrativa como força propulsora

Diferente de Patrician, que adota uma estrutura de sandbox voltada à gestão de recursos e influência, Rise of Venice apresenta uma campanha narrativa linear, com missões encadeadas que desenvolvem conflitos familiares, alianças políticas e intrigas comerciais. Esse elemento não apenas facilita a aprendizagem das mecânicas, mas fornece ao jogador motivações históricas que emulam o ethos do Renascimento italiano³.

A narrativa se ancora em fontes clássicas da história veneziana, mesmo que de forma ficcionalizada. O papel das famílias, das rivalidades internas e do clientelismo político remete à estrutura descrita por Guicciardini em Storia d’Italia e à lógica de poder apresentada por Maquiavel em O Príncipe⁴.

3. Comércio como poder: política e estratégia

Enquanto em Patrician o comércio é um fim em si, gerando prestígio e riqueza, Rise of Venice insere o comércio dentro de um ecossistema político: riqueza gera influência, influência gera cargos, e cargos produzem segurança para os negócios. Essa integração entre economia e política reflete a realidade veneziana, onde os patrícios controlavam simultaneamente os fluxos comerciais, as rotas navais e os conselhos legislativos⁵.

A política no jogo é dramatizada por meio de eventos, subornos e decisões estratégicas que espelham a delicada arte da diplomacia mercantil da época. O jogador não é apenas um mercador, mas um arquiteto de alianças e um manipulador de vontades — papel reservado, historicamente, à elite de Veneza.

4. Uma pedagogia implícita da história

Ambos os jogos operam como veículos de transmissão cultural e pedagógica, mas Rise of Venice o faz com maior ênfase na narrativa histórica. Ao colocar o jogador dentro de uma rede de decisões político-comerciais, o jogo promove um ensino indireto sobre o Renascimento mediterrâneo, seus valores, suas instituições e seus conflitos⁶.

Essa função educativa se aproxima da "história vivida" proposta por Johan Huizinga em O Outono da Idade Média, onde o jogo e o drama não apenas refletem a cultura, mas são parte constitutiva dela⁷.

5. Conclusão

Afirmar que Rise of Venice é “Patrician com narrativa” é reconhecer que ambos os jogos compartilham uma base comum — a simulação econômica histórica —, mas divergem quanto ao tratamento da dimensão humana e política do comércio. A narrativa não apenas complementa a jogabilidade, mas a estrutura e dá sentido ao progresso.

Mais do que simular o acúmulo de capital, Rise of Venice dramatiza o espírito de um tempo, fazendo do jogo não só um passatempo, mas uma experiência histórica interativa, em que o jogador vivencia a fusão entre comércio, poder e cultura.

Notas de rodapé

  1. Ver: DOLLINGER, Philippe. A Liga Hanseática: história e estrutura de uma potência comercial medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

  2. Sobre a cultura política veneziana, ver: LANE, Frederic C. A Maritime Republic: Venice, 1000–1600. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1973.

  3. Para uma leitura da narrativa em jogos como ferramenta de aprendizado histórico, ver: McCALL, Jeremiah. Gaming the Past: Using Video Games to Teach Secondary History. New York: Routledge, 2011.

  4. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1979. GUICCIARDINI, Francesco. História da Itália. São Paulo: Edusp, 2002.

  5. Sobre o sistema político de Veneza e sua interdependência com o comércio, ver: MARTINES, Lauro. Power and Imagination: City-States in Renaissance Italy. New York: Vintage Books, 1980.

  6. Ver: SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play: Game Design Fundamentals. Cambridge: MIT Press, 2004.

  7. HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

Referências

DOLLINGER, Philippe. A Liga Hanseática: história e estrutura de uma potência comercial medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

GUICCIARDINI, Francesco. História da Itália. São Paulo: Edusp, 2002.

HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

LANE, Frederic C. A Maritime Republic: Venice, 1000–1600. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1973.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

MARTINES, Lauro. Power and Imagination: City-States in Renaissance Italy. New York: Vintage Books, 1980.

McCALL, Jeremiah. Gaming the Past: Using Video Games to Teach Secondary History. New York: Routledge, 2011.

SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play: Game Design Fundamentals. Cambridge: MIT Press, 2004.

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