Pesquisar este blog

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Pix: de ferramenta bancária a ativo geopolítico soberano

Resumo

O presente artigo analisa a ascensão do Pix, sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central do Brasil, à condição de modelo global de inovação soberana. A partir das observações feitas por economistas como Paul Krugman e diante da recente reação das autoridades norte-americanas, o Pix se revela não apenas uma ferramenta bancária eficiente, mas um ativo estratégico com implicações geopolíticas. Este trabalho também contrasta o avanço brasileiro com os desafios do sistema FedNow nos Estados Unidos, apontando a importância de proteger o Pix como expressão da inteligência nacional aplicada ao setor financeiro.

Palavras-chave: Pix; soberania digital; geopolítica financeira; inovação regulatória; FedNow.

1. Introdução

Em um cenário global marcado pela instabilidade bancária, pelo ceticismo diante das criptomoedas e por tensões geopolíticas crescentes no domínio tecnológico, o Brasil destaca-se com uma solução funcional, eficiente e amplamente aceita: o Pix. O sistema, desenvolvido pelo Banco Central do Brasil e lançado oficialmente em novembro de 2020, é uma resposta de caráter técnico, regulatório e soberano à necessidade de modernização dos meios de pagamento no país.

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, afirmou recentemente que o Brasil "pode ter inventado o futuro do dinheiro", referindo-se ao Pix como um exemplo de inovação pública que supera propostas privadas e instáveis como as criptomoedas e soluções estrangeiras emergentes (KRUGMAN, 2024).

2. O Pix e sua gênese institucional

Criado em 2018, ainda no governo Michel Temer, e lançado no governo Jair Bolsonaro, o Pix foi resultado de uma coordenação técnica entre o Banco Central, o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e mais de 130 instituições financeiras, que passaram a integrar gradualmente a infraestrutura do novo modelo.

Seu propósito era oferecer transações instantâneas, gratuitas para pessoas físicas, com funcionamento ininterrupto, interoperável e altamente seguro — metas que, em poucos anos, foram não apenas atingidas, mas superadas.

Segundo dados do Banco Central, o Pix movimentou mais de R$ 17 trilhões em 2023, com mais de 150 milhões de chaves cadastradas e alcançando praticamente toda a população bancarizada brasileira (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2024).

3. Do sucesso regulatório à tensão internacional

Com a consolidação do Pix no Brasil, surgem os efeitos colaterais de sua eficácia: o incômodo das big techs e a vigilância das potências estrangeiras. Desde 2022, documentos da United States Trade Representative (USTR) já indicavam a preocupação dos Estados Unidos com o impacto do Pix no comércio digital, especialmente no que se refere à concorrência com plataformas como o WhatsApp Pay, da Meta.

Em 2025, os EUA abriram uma investigação comercial contra o Brasil, alegando possíveis "irregularidades" na governança do Pix. O pano de fundo, no entanto, é a tentativa de defesa da hegemonia de empresas norte-americanas que, até então, dominavam o setor de pagamentos digitais em países periféricos.

Como observam autores como Zuboff (2019), o capitalismo de vigilância promovido por big techs como Google, Meta e Amazon tem por base o domínio sobre dados, comportamentos e, cada vez mais, sobre as transações econômicas globais. O avanço do Pix representa uma fissura nessa lógica.

4. O FedNow e as limitações do modelo americano

Em resposta ao avanço de modelos como o Pix, o Federal Reserve lançou, em julho de 2023, o sistema FedNow, voltado para pagamentos instantâneos. No entanto, o FedNow carece de várias das qualidades do Pix: não opera 24/7 para todos os usuários, tem alcance limitado e ainda enfrenta baixa adesão das instituições financeiras americanas, além de carecer de um modelo gratuito para o consumidor final.

Diferente do Brasil, os EUA mantêm a maior parte da infraestrutura de pagamentos sob controle privado — e isso dificulta a universalização de qualquer solução (FEDERAL RESERVE, 2023).

5. Soberania financeira e o papel estratégico do Pix

O sucesso do Pix vai além da conveniência para o usuário. Ele é uma afirmação de soberania financeira e digital em um cenário global onde o controle dos fluxos de informação e de capital tornou-se central.

Segundo Mazzucato (2019), a inovação estratégica estatal é fundamental para o avanço tecnológico autônomo, especialmente em países em desenvolvimento. O Pix é exemplo vivo disso: inovação regulatória com impacto inclusivo e geopolítico, construída fora do eixo dos oligopólios tradicionais.

A reação americana, portanto, deve ser lida como parte de uma disputa entre modelos. O Brasil, ao oferecer uma solução pública funcional, desafia diretamente o modelo de dependência tecnológica baseado em soluções estrangeiras que lucram sobre a fragilidade regulatória de outras nações.

6. Considerações finais

O Pix é, sim, uma plataforma transacional, mas é também símbolo de capacidade estatal, de engenharia pública e de inteligência institucional aplicada à realidade brasileira. Sua consolidação, reconhecimento internacional e exportabilidade fazem dele um ativo nacional estratégico.

Diante da crescente pressão geopolítica e da vigilância de grandes potências, proteger o Pix não é apenas uma necessidade técnica — é um imperativo de soberania.

Referências

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório Anual do Pix – 2024. Brasília: BCB, 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br. Acesso em: 01 ago. 2025.

FEDERAL RESERVE. FedNow Service: Overview and Implementation Guide. Washington, D.C.: Federal Reserve Board, 2023.

KRUGMAN, Paul. How Brazil May Have Invented the Future of Money. The New York Times, New York, 15 jul. 2024.

MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.

USTR – UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE. National Trade Estimate Report on Foreign Trade Barriers – Brazil Section. Washington, D.C.: USTR, 2023.

Nenhum comentário:

Postar um comentário