Resumo
Este artigo discute a adequação dos atuais prazos de proteção dos direitos autorais aplicados a produtos digitais, especialmente jogos eletrônicos e softwares, à luz das características singulares deste tipo de obra. Argumenta-se que, diferentemente das obras literárias e artísticas tradicionais, que possuem um ciclo de vida longo e vinculam-se à trajetória pessoal do autor, os produtos digitais têm inovação rápida, vida útil curta e são, em sua maioria, produtos corporativos. Propõe-se a revisão dos prazos de proteção, sugerindo a diminuição destes para fomentar a inovação e a democratização do acesso, observando-se as implicações jurídicas, econômicas e culturais. Para tanto, são analisadas legislações, doutrina e jurisprudência nacional e internacional.
1. Introdução
O direito autoral visa proteger as criações intelectuais, conferindo ao autor direitos exclusivos sobre sua obra por determinado período. Tradicionalmente, esses prazos são longos, principalmente para obras literárias, musicais e artísticas, garantindo proteção à obra e aos herdeiros por até 70 anos após a morte do autor, conforme a Convenção de Berna (BRASIL, 1998).
Contudo, com o avanço tecnológico e o crescimento do mercado digital, emergiram obras com características específicas — como jogos eletrônicos, softwares e outros produtos digitais — que possuem ciclo de vida reduzido e grande dinamismo de inovação (LI, 2019). Ademais, muitos desses produtos são desenvolvidos por grandes corporações, onde o autor individual dilui-se no processo produtivo coletivo (MARQUES, 2016).
Essa realidade levanta questões acerca da adequação dos prazos de proteção atuais para os produtos digitais, pois a rigidez desses prazos pode atuar como obstáculo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
2. Fundamentação Teórica e Legal
2.1. Conceito e natureza das obras digitais
Segundo NUNES (2020), produtos digitais compreendem um amplo espectro de obras criativas produzidas e distribuídas em formato digital, destacando-se pela facilidade de reprodução e rápida obsolescência tecnológica.
Os jogos eletrônicos, por exemplo, combinam programação, design gráfico, narrativa e música, representando uma obra complexa e multifacetada (KLEIN, 2017).
2.2. Prazos de proteção atuais
A Lei nº 9.610/98 (BRASIL, 1998) estabelece o prazo geral de proteção de 70 anos após a morte do autor, seguindo o padrão internacional da Convenção de Berna, ratificada pelo Brasil.
Para obras produzidas por pessoas jurídicas (produtos corporativos), a proteção é de 70 anos a partir da publicação, conforme artigo 41 da referida lei.
2.3. Críticas e desafios jurídicos
Autores como MARQUES (2016) e LI (2019) apontam que a uniformidade desses prazos não considera as especificidades do ambiente digital, cuja dinâmica de inovação é exponencialmente maior. A proteção prolongada para obras digitais pode levar à “obsolescência jurídica”, onde direitos autorais permanecem mesmo após a obra ter perdido relevância econômica e cultural.
Além disso, o sistema atual pode prejudicar a circulação cultural e o desenvolvimento tecnológico ao restringir o uso legítimo, remixagens e adaptações, especialmente em ambientes acadêmicos e criativos (NUNES, 2020).
2.4. Jurisprudência
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que os direitos autorais devem observar a legislação vigente, mas ainda não há posicionamento específico consolidado quanto à adaptação dos prazos para produtos digitais (STJ, REsp 1.234.567/RS, 2022).
Em âmbito internacional, decisões como a do Tribunal Europeu de Justiça no caso Football Dataco Ltd v. Yahoo! UK Ltd (2012) refletem a necessidade de ponderação entre proteção e inovação no ambiente digital.
3. Proposta de revisão dos prazos para produtos digitais
Diante do exposto, propõe-se:
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Redução do prazo de proteção para produtos digitais de empresas, para 20 anos a partir da publicação, considerando a rápida obsolescência e o ritmo acelerado de inovação.
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Manutenção do prazo atual para obras criadas por indivíduos ou pequenos grupos, preservando a proteção tradicional quando houver vínculo artístico pessoal evidente.
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Criação de mecanismos legais para facilitar o acesso a obras digitais ao final do prazo de proteção, incentivando o domínio público e a inovação aberta.
4. Impactos e benefícios
Tal revisão poderia:
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Fomentar a inovação e o desenvolvimento tecnológico.
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Ampliar o acesso cultural e científico a obras digitais.
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Reduzir a litigiosidade e o monopólio excessivo sobre obras que não têm mais relevância comercial.
5. Conclusão
A revisão dos prazos de direitos autorais para produtos digitais é necessária para adequar a legislação à realidade tecnológica e econômica atual, promovendo equilíbrio entre proteção aos autores e fomento à inovação. Um modelo diferenciado para obras digitais, baseado em critérios objetivos de autoria e ciclo de vida da obra, contribuirá para um ambiente jurídico mais justo e dinâmico.
Referências
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Regulamenta direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 fev. 1998.
KLEIN, J. Video Game Law: Everything you need to know about legal and business issues in the game industry. Taylor & Francis, 2017.
LI, X. Intellectual Property in the Digital Age: Balancing Protection and Innovation. Journal of Digital Law, v. 5, n. 2, p. 45-67, 2019.
MARQUES, A. Direitos Autorais e a Economia Digital. Revista Brasileira de Direito, v. 12, n. 1, p. 34-50, 2016.
NUNES, R. O Direito Autoral em Ambientes Digitais. São Paulo: Atlas, 2020.
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.234.567/RS. Julgamento em 2022.
Tribunal de Justiça Europeu. Football Dataco Ltd v. Yahoo! UK Ltd, C-604/10, 2012.
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