Nos últimos anos, o sistema de Lockers dos Correios — armários inteligentes instalados em locais públicos ou privados para retirada de encomendas — tem sido apresentado como uma solução prática e segura para o comércio eletrônico no Brasil. O serviço elimina a necessidade de o cliente aguardar o carteiro em casa, oferecendo flexibilidade e autonomia na retirada.
No entanto, apesar de todo o apelo tecnológico, a cobertura do serviço continua restrita a entregas nacionais. Encomendas vindas do exterior não podem ser direcionadas para um Locker, mesmo que o remetente esteja em um país do Mercosul e que o produto, portanto, se enquadre em acordos de integração econômica e redução tarifária.
O contraste com a experiência europeia
A limitação brasileira chama ainda mais atenção quando comparada ao modelo espanhol. Na Espanha, o serviço equivalente — operado pela Correos — permite que pacotes provenientes de qualquer país da União Europeia sejam entregues nos seus lockers sem custo adicional de importação. Isso acontece porque, dentro do bloco europeu, vigora o mercado único, que garante a livre circulação de mercadorias sem cobrança de tarifas alfandegárias ou exigência de despacho aduaneiro tradicional.
Assim, um cliente espanhol pode comprar um livro em Portugal, uma peça de roupa na França ou um acessório eletrônico na Alemanha e recebê-los em um locker, com o mesmo tratamento logístico dado a um produto comprado em território nacional.
O paradoxo do Mercosul
O Brasil é membro fundador do Mercosul — bloco que, em teoria, visa promover a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países membros. No entanto, no plano prático, o comércio eletrônico ainda está preso a procedimentos alfandegários e tributários que anulam o espírito de integração.
Mesmo que um consumidor brasileiro compre um produto na Argentina, no Uruguai ou no Paraguai, a encomenda será tratada como importação, sujeita a taxas, inspeção e despacho aduaneiro. Esse trâmite impede que o pacote vá diretamente para um Locker dos Correios, que só processa remessas internas.
Consequências para o consumidor e para a integração regional
Essa restrição tem impacto direto no bolso e na conveniência do consumidor:
-
Custos adicionais – além do valor do produto, há cobrança de impostos e taxas administrativas.
-
Prazos maiores – a passagem pela alfândega adiciona dias ou até semanas ao tempo de entrega.
-
Menor competitividade – produtos de países vizinhos não concorrem em igualdade com produtos nacionais, reduzindo as vantagens do Mercosul para o cidadão comum.
No âmbito regional, a limitação mina o fortalecimento da integração comercial. O Mercosul perde oportunidades de criar uma malha logística tão eficiente quanto a europeia, que transformou o comércio transfronteiriço em algo quase invisível para o consumidor final.
O que poderia ser feito
Para que o Brasil aproveite plenamente as vantagens de um bloco econômico como o Mercosul, seria necessário:
-
Criar procedimentos alfandegários simplificados para remessas dentro do bloco, com isenção de taxas para produtos de baixo valor.
-
Permitir que os Lockers recebam diretamente encomendas desses países, como se fossem nacionais.
-
Integrar sistemas de rastreamento e logística entre os correios dos países-membros, garantindo segurança e agilidade.
Conclusão
O Locker dos Correios é uma ferramenta moderna e útil, mas sua limitação a entregas nacionais reflete um problema maior: a distância entre o discurso de integração regional e a realidade burocrática do comércio eletrônico no Mercosul. Enquanto a União Europeia avança para que seus cidadãos comprem e recebam produtos de qualquer país-membro com a mesma facilidade que fariam em sua cidade, o Brasil ainda mantém barreiras que restringem o acesso a bens e travam a competitividade.
Se quisermos um Mercosul vivo e funcional para o consumidor, será preciso repensar não apenas as tarifas, mas também a infraestrutura logística e as regras de entrega — e isso inclui levar o Locker além das fronteiras nacionais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário