Resumo
Este artigo investiga a genealogia da engenharia social moderna a partir das críticas de Karl Popper a Platão em A sociedade aberta e seus inimigos. Argumenta-se que Popper, sob o pretexto de defender a liberdade e combater o totalitarismo, absorve a técnica política de Maquiavel, esvaziando a política de seus fundamentos éticos e transcendentes. Essa transição prepara o terreno para a aplicação global de práticas de controle social, tal como promovido por George Soros, configurando uma engenharia social tecnocrática, secularizante e funcional à dissolução da ordem cristã.
Palavras-chave: Platão; Maquiavel; Popper; engenharia social; sociedade aberta; George Soros; Nova Ordem Mundial.
1. Introdução
Karl Popper, em sua obra seminal A sociedade aberta e seus inimigos, acusa Platão de ser o fundador do totalitarismo por propor uma organização social rígida e hierarquizada, subordinada ao ideal metafísico do Bem1. No entanto, essa crítica encobre um projeto alternativo de engenharia social gradualista, profundamente influenciado pela racionalidade instrumental de Maquiavel. Neste artigo, propõe-se que Popper substitui o ideal platônico por uma tecnocracia liberal secularizada, cujo efeito histórico pode ser rastreado nas práticas contemporâneas de reorganização social promovidas por atores como George Soros.
2. Platão e a engenharia social filosófica
Em A República, Platão propõe uma estrutura social tripartida — governantes, guardiões e produtores — que reflete a harmonia da alma humana quando submetida à ideia do Bem2. Essa engenharia social parte de um princípio metafísico: a justiça consiste na ordenação correta das partes da alma e da pólis, guiada por aqueles que contemplam o inteligível.
A proposta platônica é normativamente fechada, mas ontologicamente fundada: busca modelar a cidade à imagem da alma justa, submetendo a política à filosofia e esta à verdade. Popper interpreta esse projeto como antidemocrático e imobilista3, ignorando que a estabilidade visada por Platão repousa na conformidade com um princípio transcendente — algo que falta tanto à modernidade maquiavélica quanto ao liberalismo popperiano.
3. Maquiavel e a técnica do possível
Maquiavel, ao contrário de Platão, separa a política da moral tradicional e propõe uma nova racionalidade do poder, baseada na virtù, na fortuna e na arte de governar pelas aparências4. A verdade deixa de ser critério; o êxito político passa a justificar os meios.
Em O Príncipe, o governante deve “saber bem usar a besta e o homem”5; em Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, a república deve estruturar-se em torno da luta entre nobres e povo. Maquiavel é o pai da engenharia social pragmática, que instrumentaliza a religião, o medo e o conflito em nome da estabilidade e da eficácia.
4. Popper: entre a crítica ao totalitarismo e o tecnocratismo liberal
Embora Popper se posicione como crítico do historicismo e do totalitarismo, sua defesa da “engenharia social fragmentária” traduz-se em um modelo de racionalidade tecnocrática, que substitui princípios éticos por procedimentos experimentais6.
“A única política racional é a de pequenas reformas graduais, testáveis e reversíveis.” — Popper7
Essa racionalidade — oriunda da virada maquiavélica — transforma a política em administração científica de erros, promovendo a substituição do Bem comum por critérios técnicos de eficiência e controle. Assim, sob a aparência da modéstia epistemológica, Popper perpetua o mesmo impulso de dominação social que critica em Platão — mas sem o lastro metafísico da justiça.
5. George Soros e a aplicação prática da sociedade aberta
George Soros, discípulo confesso de Karl Popper, assume a missão de realizar concretamente os princípios da sociedade aberta. Sua fundação (Open Society Foundations) atua em centenas de países promovendo mudanças legislativas, sociais e culturais sob a bandeira dos “direitos humanos” e da “democracia global”.
“A sociedade aberta é aquela onde ninguém detém a verdade definitiva.” — Soros8
Essa negação da verdade absoluta é o solo fértil para uma engenharia social que reprograma os comportamentos humanos por meio de ONGs, mídia, tribunais internacionais e campanhas educativas, dissolvendo os vínculos naturais da cultura, da religião e da soberania. A sociedade aberta torna-se, assim, o nome liberal para uma nova forma de tirania técnica, onde tudo é permitido exceto a verdade.
6. Crítica católica: verdade como fundamento da liberdade
A tradição católica sempre sustentou que a liberdade só é verdadeira quando orientada pela verdade9. Ao recusar todo fundamento absoluto, Popper e Soros inauguram uma “liberdade sem forma”, vulnerável à manipulação dos meios técnicos.
A doutrina social da Igreja insiste na dignidade da pessoa humana fundada na lei natural e na soberania de Deus sobre os povos10. Qualquer engenharia social que ignore esse fundamento prepara o terreno para uma nova forma de escravidão — agora, não mais econômica ou política, mas espiritual e cultural.
7. Conclusão
A crítica de Popper a Platão revela-se, no fim, uma manobra para legitimar uma nova forma de engenharia social — não filosófica, mas técnica. Se Platão busca organizar a cidade à imagem do Bem, Popper — como Maquiavel — prefere moldá-la segundo os interesses de uma razão instrumental e fluida. George Soros herda e aplica esse projeto como um grande engenheiro social global, realizando, sob a máscara da tolerância e da democracia, uma verdadeira reorganização da ordem mundial.
A alternativa cristã, por sua vez, propõe uma liberdade fundada na verdade e no Bem, única capaz de proteger o homem da manipulação e da servidão moderna.
Notas de Rodapé
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POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. Milton Amado. São Paulo: Itatiaia/EdUSP, 1980. v. 1. ↩
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PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. ↩
-
POPPER, Karl. Op. cit., p. 141-165. ↩
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MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ↩
-
Idem, p. 92-93. ↩
-
POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos, v. 2, p. 189-203. ↩
-
Idem, v. 1, p. 147. ↩
-
SOROS, George. The Age of Fallibility: Consequences of the War on Terror. New York: PublicAffairs, 2006. ↩
-
RATZINGER, Joseph. Verdade e Tolerância. São Paulo: Loyola, 2005. ↩
-
BENTO XVI. Caritas in Veritate. Vaticano, 2009. Ver também: LEÃO XIII. Rerum Novarum, 1891. ↩
Bibliografia
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BENTO XVI. Caritas in Veritate. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2009.
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LEÃO XIII. Rerum Novarum. Vaticano, 1891.
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MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
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PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.
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POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. Milton Amado. São Paulo: Itatiaia/EdUSP, 1980. 2 vols.
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RATZINGER, Joseph. Verdade e Tolerância. São Paulo: Loyola, 2005.
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SOROS, George. The Age of Fallibility: Consequences of the War on Terror. New York: PublicAffairs, 2006.
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