Cena:
À beira do Rio Capibaribe, em um entardecer seco, três homens se encontram. Um poeta magro de olhar cortante; dois historiadores de olhos atentos e espírito enciclopédico. Ao fundo, uma ponte antiga feita por engenheiros portugueses.
João Cabral de Melo Neto:
Não gosto da palavra “inspiração”.
Prefiro o barro. A cal. O suor.
A poesia nasce da pedra
que sangra quando a mão insiste.
O engenheiro e o poeta: irmãos.
Felipe Fernández-Armesto:
Concordo, Cabral. A civilização nasce
quando o homem ousa domar a natureza —
não submeter-se, mas transformar.
A cultura é um gesto de ambição:
dar à terra o que ela não quer dar.
Manuel Lucena Giraldo:
Exatamente.
Na Espanha imperial, isso se chamou “engenharia”.
Era construir onde não havia nada:
pontes, cidades, impérios de pedra,
redes de conhecimento e controle.
O engenheiro não sonha: executa.
João Cabral:
O sertanejo também.
Não sonha: executa.
A seca é uma engenharia ao contrário:
ela esculpe a ausência.
E o homem do Nordeste,
com sua enxada, é poeta de chão.
Fernández-Armesto:
Essa luta é o próprio motor da civilização.
No meu livro, chamo isso de “ambição”:
não apenas viver, mas moldar o mundo.
A civilização não se mede por monumentos,
mas pela persistência em tornar o impossível — possível.
Lucena Giraldo:
E o engenheiro ibérico foi isso:
um artífice da teologia terrestre.
O império era evangelho em pedra,
fé em forma de estrada.
Espanha e Portugal plantaram Deus
com régua, esquadro e pólvora.
João Cabral:
Mas eu digo:
no Nordeste, o engenheiro falha.
Ali, o rio não obedece
e o sol castiga o cálculo.
Por isso, o poeta é mais útil:
com palavras, se rega um pouco
o que o concreto não alcança.
Fernández-Armesto:
Por isso estudo culturas —
não como estéticas, mas como engenharias de sobrevivência.
Tua poesia constrói uma civilização no avesso:
uma arte que não consola, mas denuncia
e, ao denunciar, também constrói.
Lucena Giraldo:
Em Un Imperio de Ingenieros, dizemos isso:
os impérios não foram apenas espada —
foram papel, água, madeira, cálculo.
E tu, Cabral, és engenheiro do verbo.
Não desenhas pontes: desenhas silêncios.
João Cabral:
Porque o silêncio também é engenharia.
Entre duas palavras, o vazio
pode sustentar um mundo.
Comentário final
Este diálogo evoca um encontro entre o espírito técnico dos engenheiros imperiais e o espírito árido e preciso da poesia cabralina. Enquanto Civilizations e Un Imperio de Ingenieros abordam a civilização como esforço técnico de moldar a natureza, João Cabral vê esse esforço sob o ângulo da terra ressecada e da vida difícil — onde a poesia se torna uma técnica de sobrevivência e a civilização não é luxo, mas resistência. Assim, o que une os três autores é a ideia de que a cultura, longe de ser mero ornamento, é sempre trabalho — árduo, calculado, implacável.
Se quiser, posso expandir isso como ensaio, aula, peça teatral, poema coral ou artigo acadêmico com citações em ABNT. Deseja que prossigamos nesse caminho?
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