Introdução
Em um cenário sul-americano cada vez mais interdependente, a integração econômica entre os países do Mercosul e do entorno imediato (como Chile e Bolívia) demanda mais do que acordos de livre comércio: exige convergência nos regimes fiscais e aduaneiros. Um exemplo concreto dessa possibilidade é a criação de um corredor franco terrestre entre o Brasil e a Zona Franca de Iquique (ZOFRI), no Chile, passando pela Argentina, e viabilizado pelo uso de lockers logísticos fronteiriços e pela uniformização do regime de drawback argentino ao modelo brasileiro.
A proposta é clara: transformar a Argentina em elo funcional entre a ZOFRI e o Brasil, utilizando sua infraestrutura rodoviária e sua posição geográfica privilegiada, por meio de um regime aduaneiro moderno que permita a reexportação sem tributação.
1. O regime de drawback: diferenças entre Brasil e Argentina
O regime de drawback é um instrumento consagrado de estímulo às exportações. No Brasil, ele pode assumir as formas de suspensão, isenção e restituição de tributos sobre insumos importados ou adquiridos no mercado interno, desde que empregados na fabricação de bens a serem exportados. Já na Argentina, a situação é diferente: o país opera apenas com o modelo de restituição posterior, que devolve tributos pagos apenas após o processo de exportação estar concluído.
Essa diferença de abordagem representa um gargalo logístico para qualquer tentativa de integração regional mais profunda, pois impede que a Argentina atue como hub de reexportação em trânsito aduaneiro, tal como ocorre no Brasil. O modelo argentino é excessivamente restritivo, burocrático e desalinhado com as tendências modernas de comércio internacional.
2. O acordo de livre comércio Brasil–Chile: uma oportunidade desperdiçada
Desde a entrada em vigor do Acordo de Livre Comércio entre Brasil e Chile, em 2022, há base jurídica robusta para o trânsito facilitado de mercadorias entre ambos os países. No entanto, a ausência de fronteira direta entre os dois países limita a eficácia plena desse acordo. É aí que a Argentina surge como peça-chave: ao servir de corredor terrestre, pode conectar a produção chilena (incluindo a Zona Franca de Iquique) ao consumidor final brasileiro.
Porém, a viabilidade dessa rota depende diretamente da adoção, pela Argentina, de regras similares às brasileiras, especialmente no que se refere ao regime de drawback com suspensão ou isenção de tributos. Caso contrário, qualquer produto em trânsito pela Argentina corre o risco de ser onerado tributariamente, perdendo a competitividade e inviabilizando o modelo logístico.
3. A proposta: um Corredor Franco Zofri–Brasil via Argentina
A proposta aqui apresentada é a criação de um Corredor Franco Trinacional, com trânsito terrestre entre Chile e Brasil via Argentina, ancorado nas seguintes premissas:
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Entrada temporária de mercadorias oriundas da ZOFRI no território argentino, em regime suspensivo;
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Armazenagem em lockers ou entrepostos logísticos nas províncias de Jujuy, Salta ou Tucumán;
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Reexportação ao Brasil sem nacionalização na Argentina, nos moldes do entreposto aduaneiro brasileiro;
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Uso de lockers dos Correios ou estruturas similares como pontos de conexão logística;
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Enquadramento sob um regime de drawback uniforme no Mercosul, tal como estabelecido pela Decisão CMC 10/21, já incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto 11.896/2024.
4. O papel dos lockers no corredor franco
A utilização de lockers logísticos como pontos de entrega ou armazenagem aduaneira (EADI-light) pode transformar as fronteiras em portais francos operacionais, especialmente em regiões com alto fluxo de e-commerce e logística reversa.
Esses lockers seriam operados por agentes logísticos certificados, com autorização para operar sob regime suspensivo, viabilizando:
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A triagem, consolidação e reexportação de mercadorias;
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A integração digital com sistemas aduaneiros (via DUE no Brasil e AFIP na Argentina);
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O atendimento a pequenas e médias empresas exportadoras.
A aplicação desse modelo em cidades como Foz do Iguaçu, Uruguaiana ou até mesmo Tabatinga representaria um avanço logístico sem precedentes.
5. Estratégia de lobby para mudança legislativa na Argentina
Para viabilizar essa transformação, é necessária uma articulação técnica e política, envolvendo:
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Governo argentino, especialmente a AFIP e os ministérios da Produção e das Relações Exteriores;
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Federações industriais brasileiras e argentinas, como FIESP, CNI, UIA;
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Câmaras binacionais de comércio;
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Governos provinciais de Jujuy, Salta e Tucumán, interessados em reativar suas economias pela via da reexportação;
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Organismos multilaterais, como o SELA, ALADI e CAF.
O objetivo central desse lobby seria convencer a Argentina a regulamentar internamente as modalidades de suspensão e isenção de tributos no regime de drawback, tal como já adotado pelo Brasil.
6. Benefícios esperados
A uniformização dos regimes aduaneiros permitiria:
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Maior integração logística no Cone Sul;
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Redução de custos operacionais para exportadores;
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Estímulo à formalização de micro e pequenas empresas fronteiriças;
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Fortalecimento do comércio eletrônico regional;
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Consolidação de um eixo comercial bioceânico (Pacífico–Atlântico), com valor estratégico para o continente.
Conclusão
A criação de um Corredor Franco Zofri–Brasil por via terrestre, passando pela Argentina, é uma proposta realista, legalmente embasada e economicamente vantajosa. No entanto, para que ela se concretize, é fundamental que a Argentina reforme seu regime de drawback, alinhando-se aos padrões do Brasil e do Mercosul.
O momento é propício. Há acordos vigentes, há rotas viáveis e há tecnologia logística suficiente para transformar lockers em instrumentos de transformação econômica. Falta apenas vontade política e articulação técnica. É hora de agir.
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