A boa fama, quando enraizada nos méritos de Cristo, não é mero prestígio humano. Trata-se de um reflexo espiritual: as pessoas passam a enxergar o caminho, a verdade e a vida através da vida daquele que se deixa plasmar por Cristo. Tal reconhecimento não decorre de autopromoção, mas da luz divina que transparece nas obras, nos gestos e nas palavras.
Esse fenômeno possui implicações espirituais e práticas. Quando alguém é visto como testemunha fiel do Evangelho, passa a tornar-se naturalmente um ponto de convergência de doações, presentes, favores e auxílios. A confiança gerada não se limita ao indivíduo, mas àquele que nele é refletido: Cristo. É por isso que muitos desejam entregar-lhe bens e ofertas, não apenas como forma de gratidão pessoal, mas como expressão de fé no Cristo presente na sua vida.
Dimensão espiritual do dom
Na Igreja primitiva, os fiéis depositavam seus bens aos pés dos apóstolos, confiando que seriam distribuídos segundo a justiça de Deus (At 4,34-35). Esse gesto não era um ato meramente econômico, mas um ato de fé: entregar algo a quem representa Cristo é reconhecer que tudo pertence, em última instância, ao Senhor.
Assim, a boa fama não gera apenas admiração, mas também uma responsabilidade espiritual. Quem recebe deve compreender que não é o destinatário final, mas um administrador dos dons de Deus, chamado a multiplicá-los e destiná-los segundo os princípios da justiça e da caridade.
Dimensão econômica e organizacional
Contudo, a realidade espiritual repercute também no campo temporal. O volume de doações e auxílios recebidos pode ultrapassar a esfera da vida privada e exigir uma organização objetiva. Nesse momento, já não se trata apenas de receber presentes, mas de estruturar uma atividade economicamente organizada, ainda que fundada no dom.
A boa fama, portanto, impõe ao beneficiário uma dupla tarefa:
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Evitar a apropriação indevida – lembrando que aquilo que chega não pertence em primeiro lugar a ele, mas a Cristo.
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Dar justa destinação – ordenando os bens recebidos segundo critérios claros de equidade, eficiência e responsabilidade.
Essa dinâmica aproxima-se do conceito de economia do dom, onde os recursos circulam não pela lógica do lucro, mas pela lógica da confiança e da gratuidade. Contudo, essa lógica não dispensa a ordem: a graça precisa de gestão para não se perder, tal como o maná que, se mal administrado, apodrecia (Ex 16,20).
O administrador como zelador de bens comunitários
Quem recebe dons pela sua boa fama em Cristo se torna, de fato, um zelador de bens comunitários. Sua função é semelhante à do mordomo fiel citado por Jesus: “Quem é, pois, o administrador fiel e prudente, a quem o Senhor confiará os seus servos, para lhes dar a ração devida no tempo certo?” (Lc 12,42).
Nesse sentido, surge uma vocação empreendedora particular: não um empreendedor movido pelo lucro, mas pela caridade ordenada. O zelo pela boa administração é parte da fidelidade ao próprio Cristo, que julgará a cada um segundo a maneira como multiplicou os talentos recebidos (Mt 25,14-30).
Conclusão
A boa fama em Cristo transforma a vida pessoal em um espaço de comunhão e confiança. Essa confiança atrai doações e auxílios, que não podem ser tratados como mera posse privada, mas como bens destinados a uma missão. A ordem espiritual exige, portanto, uma ordem econômica: organizar, administrar e distribuir justamente o que chega.
Assim, o testemunho cristão não apenas edifica espiritualmente, mas também engendra novas formas de vida comunitária e econômica, onde o dom e a organização se unem em benefício de muitos.
Bibliografia
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Bíblia Sagrada, especialmente:
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Atos dos Apóstolos 4,34-35 – partilha dos bens na comunidade cristã primitiva.
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Lucas 12,42 – o administrador fiel e prudente.
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Mateus 25,14-30 – a parábola dos talentos.
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Êxodo 16 – o maná no deserto e a necessidade de boa administração.
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Santo Agostinho, A Cidade de Deus – reflexão sobre a administração justa dos bens temporais à luz da ordem divina.
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São Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 66 – sobre a propriedade, uso dos bens e a destinação ao bem comum.
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Papa Leão XIII, Rerum Novarum (1891) – sobre o capital, o trabalho e a justa administração das riquezas.
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Papa Bento XVI, Caritas in Veritate (2009) – sobre a economia do dom e a necessidade de caridade na vida social e econômica.
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Jacques Godbout & Alain Caillé, L’Esprit du Don (1992) – estudo sociológico contemporâneo sobre a lógica da dádiva.
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Marcel Mauss, Ensaio sobre a Dádiva (1925) – clássico da antropologia que fundamenta a noção de economia do dom.