A tradicional concepção do poder, construída ao longo de séculos, sempre o colocou acima da sociedade, distante e muitas vezes inacessível às massas. O poder era centralizado — nas mãos de reis, governantes, grandes corporações e instituições hegemônicas — e exercia controle sobre a população, como um chicote invisível que mantinha a ordem estabelecida. No entanto, hoje testemunhamos uma transformação profunda e disruptiva dessa estrutura. Pode-se dizer que o chicote está mudando de mãos, deslocando-se para a base da sociedade, impulsionado pela revolução digital e pela democratização dos meios de produção e disseminação de conteúdo.
A chicotada psicológica no poder tradicional
Essa mudança não é apenas material, mas sobretudo psicológica. Para aqueles que viam o poder como uma força absoluta, imune à participação popular, a perda desse monopólio configura uma verdadeira “chicotada psicológica”^1. O poder deixa de ser algo hierárquico e vertical, para tornar-se uma rede distribuída, em que cada indivíduo pode ser um agente ativo.
A internet é o principal vetor dessa revolução. Ao permitir que qualquer pessoa crie, publique e compartilhe informações, a rede global elimina intermediários e descentraliza a influência^2. Isso se traduz não apenas em acesso à informação, mas em participação efetiva na produção cultural, política e econômica.
Microempreendedores Individuais e a Economia da Nova Sociedade
Um indicador concreto dessa transformação é o aumento expressivo dos Microempreendedores Individuais (MEIs) que vivem da produção de conteúdo e de atividades econômicas organizadas nas redes sociais. Essa massa crescente de pequenos empreendedores não apenas gera riqueza para si, mas, sobretudo, exerce influência social e cultural.
Ao assumirem seu protagonismo econômico, esses indivíduos materializam um princípio do distributivismo — doutrina defendida por pensadores como G.K. Chesterton e Hilaire Belloc — que propõe a ampla distribuição da propriedade e do poder econômico como forma de preservar a liberdade e a dignidade humana^3.
Distributivismo: a realização tecnológica e social
Chesterton e Belloc idealizaram um modelo de sociedade em que a concentração de riqueza e poder seria evitada, buscando-se a propriedade familiar e o controle local^4. Na era digital, a tecnologia viabiliza essa visão ao criar condições para que milhares, milhões de pessoas tenham controle sobre sua produção econômica e cultural, sem depender de grandes conglomerados.
O crescimento do MEI e o protagonismo nas redes sociais são manifestações práticas desse princípio. A descentralização econômica promove não apenas a emancipação individual, mas também a pluralidade de vozes e narrativas, essenciais para uma democracia saudável e vibrante.
Desafios e Perspectivas
Essa nova configuração de poder, no entanto, não está isenta de desafios. As antigas elites, com seus recursos e influência, certamente tentarão retomar o controle ou moldar essa descentralização segundo seus interesses^5. Além disso, a fragmentação da informação pode gerar bolhas e desinformação, ameaçando a coesão social.
Por outro lado, o empoderamento da base social representa uma oportunidade única para a construção de uma sociedade mais justa, participativa e alinhada com valores de liberdade e solidariedade. O distributivismo, longe de ser uma utopia, ganha contornos reais e palpáveis na economia digital.
Conclusão
O chicote que por séculos simbolizou o poder absoluto está hoje sendo passado à mão da base da sociedade, graças à internet e à economia descentralizada. Essa “chicotada psicológica” redefine o poder como uma força distribuída e participativa, concretizando ideais do distributivismo e abrindo caminho para uma nova era social. A era em que o poder não está mais acima da sociedade, mas em suas mãos — na diversidade, na liberdade e na capacidade criativa de cada indivíduo.
Referências
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
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CHESTERTON, Gilbert Keith. O que há de errado com o mundo. São Paulo: Paulus, 2013.
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BELLOC, Hilaire. Distributism: A Manifesto. London: Longmans, Green, 1926.
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SUNSTEIN, Cass R. #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media. Princeton: Princeton University Press, 2017.
Notas de Rodapé
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A expressão “chicotada psicológica” simboliza a mudança brusca e desconfortável no paradigma do poder, que deixa de ser centralizado e intocável para se tornar descentralizado e acessível à base social, gerando impacto psicológico nos detentores do antigo poder.
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A internet democratiza o acesso à informação e permite a produção de conteúdo por indivíduos, quebrando monopólios tradicionais da mídia e do poder.
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O distributivismo, defendido por Chesterton e Belloc, preconiza a ampla distribuição da propriedade e do poder econômico para preservar a liberdade individual e social.
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O distributivismo valoriza a propriedade familiar e local como base de uma sociedade justa, evitando a concentração econômica e política.
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Apesar da descentralização, as elites tradicionais possuem meios para tentar reverter ou manipular essa nova configuração de poder, representando um desafio contínuo.
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