1) O conceito de 'pessoa' no mundo ocidental é um grande pepino. Filósofos como Ortega y Gasset e Julián Marías tentaram resolver esse problema no século passado, mas, ao meu ver, não conseguiram, pois caíram na armadilha da dialética.
2) A famosa frase de Ortega y Gasset "eu sou eu mesmo e a minha circunstância" pode facilmente ser transformada numa equação: Eu Concreto (pessoa) = Eu Abstrato + Circunstância. Ou seja, a pessoa é algo que emerge de uma dialética, não algo que a antecede, que a deflagra. Ela não só emerge de uma dialética, como ela é uma fusão de atributos e funções.
4) Se os filósofos espanhóis tivessem lido com atenção os padres da Igreja, teriam descoberto um meio muito simples de sair dessa encrenca. Os padres faziam três perguntas simples:
A) Quem é esse que está operando?
Resposta: Roberto (Pessoa).
B) O que é essa coisa nesse "quem" que está operando?
Resposta: A humanidade (Natureza) do Roberto.
C) O que são essas operações da coisa desse "quem"?
Resposta: As funções e atributos (alma) do Roberto.
5) O método é tão simples que é difícil imaginar que filósofos tão cultos como os espanhóis não fossem capazes de o entender e aplicar.
6) Se a pessoa é algo que emerge de uma relação dialética entre atributos e funções (operações da natureza), então, segundo essa lógica, as pessoas divinas emergem da natureza divina, bem como a pessoa humana emerge da natureza humana.
7) Agora, raciocinemos com São Máximo Confessor. Se Cristo tem duas naturezas, uma humana e outra divina, então, seguindo essa mesma lógica, Cristo teria que ter DUAS pessoas, o que é manifestamente absurdo, desde que Ele é a segunda pessoa da Trindade, e portanto uma só.
8) Apenas com esse pequeno exemplo dado por São Máximo Confessor já podemos ter um vislumbre do quão absurda é a doutrina que extrai o conceito de pessoa de uma dialética.
Joathas Bello: O esquema das perguntas e respostas está correto. A crítica a Ortega y Gasset é razoável; a que foi feita a Julian Marías não procede. (ver Antropologia Filosófica de Juli
án Marías, páginas 40 a 45). Se Zubiri ou Laín Entralgo forem incluídos entre os filósofos espanhóis, então o teor generalizante desta crítica não procede mesmo.
Thaylan Granzotto: Ele coloca a referência bibliográfica de Julián Marías. As páginas a que ele alude – na fonte – demonstram.
Roberto Santos: Já li as referências que o Joathas citou e não me parece proceder a crítica.
Amélia Rodrigues: A circunstância já não inclui a humanidade e a alma?
Roberto Santos: A circunstância em Ortega é um elemento exterior que, dialetizado com o Eu Abstrato, daria nascimento ao Eu Concreto, que é a pessoa.
João Pedro Garcia: Roberto, mas por que chama de "armadilha dialética"? O homem não pode ser o resultado dessa síntese?
Roberto Santos: O que você quer dizer com "homem"? Eu estou falando da 'pessoa' do homem. Há também a pessoa angélica, para a qual também há uma natureza determinada.
João Pedro Garcia: Seria a personalidade?
Roberto Santos: O que eu chamo de "armadilha dialética" é a concepção de pessoa como algo que emerge de uma relação dialética. Os padres da Igreja eram enfáticos em afirmar que a pessoa precede a relação dialética. Ela não só precede como deflagra e acompanha o processo dialético, o qual não é nada mais que a natureza do ser; divina, se a pessoa for divina, e humana, se a pessoa for humana.
Asley Vieira: Essa manifestação da 'pessoa' em Ortega y Gasset - que é feita de maneira indissolúvel no espaço e no tempo, de maneira dialética - seria, de algum modo, análoga à colocação de Marx, ao dizer que não é a consciência dos homens que determina seu Ser, mas, pelo contrário, é o seu ser social que determina sua consciência, na forma de circunstâncias?
Roberto Santos: Analogia sempre há, nem que seja remota, pois eles são filósofos herdeiros do cristianismo ocidental.
Wladimir Caetano de Sousa: Não seria uma consequência inevitável da prática filosófica retalhar a idéia de 'pessoa' em várias funções e atributos pelo fato de ela não ser propriamente uma idéia a qual possa ser construída por meio do "uso natural" da razão?
Roberto Santos: Não, porque a pessoa é algo que transcende as funções e atributos.
Wladimir Caetano de Sousa: Não é próprio da filosofia a dialética, que trabalha com redução a funções e atributos?
Roberto Santos: Sim - é próprio da filosofia a dialética. No entanto, quando você a usa para explicar algo que transcende a natureza, você reduz esse algo transcendente à natureza. Quando você aplica a dialética para explicar um dogma, você o reduz ao natural. Por isso eu digo: a ordem teológica ocidental é menos uma teologia do que uma física.
Wladimie Caetano de Sousa: Foi isso mesmo que pensei - eis a razão de eu ter dito ser uma consequência inevitável da aplicação da dialética aos dogmas essa redução ao natural. A teologia ocidental tem de fato essa tara de dialetizar tudo. Daniel Fernandes e eu chegamos a conversar brevemente sobre isso.
Roberto Santos:
1) Quando você faz uso da dialética em um dogma, você já entra de cara no gnosticismo, pois você transforma um sistema aberto, fundado na conformidade com o Todo que vem de Deus, em um sistema fechado, fundado no homem como a medida de todas coisas.
2) Se você for ver a ciência da topologia, seja ela física ou matemática, o que ela faz é exatamente o que Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino fizeram com o dogma da Trindade. Só que a topologia é muito mais sofisticada - a teologia ocidental é, na verdade, uma física codificada, um embrião da topologia.
Wladimir Caetano de Sousa: Ainda não atinei para a conexão entre elas. Conheço superficialmente topologia matemática.
Roberto Santos: Estabeleça, então, uma conexão entre a ciência topológica e a teoria dos números qualitativos ou funcionais do Mário Ferreira dos Santos . Elas são exatamente a mesma coisa, pois é com essa teoria (dos números funcionais) que Santo Agostinho explica a Trindade. Não, evidentemente, como o Mário a expõe, mas tal como ele a entendeu do neoplatonismo plotiniano.
Wladimir Caetano de Sousa: Muito interessante. Vou meditar com calma.
Roberto Santos: Considere isto como um dado topológico:
1) O retângulo é um nada infinito.
2) O círculo é a primeira cisão nesse nada infinito.
3) Com a primeira cisão dada nesse topos, você já obtém todas as outras informações a partir de sua relação, reciprocidade, organização etc. É a mesma coisa coisa que a teoria dos números funcionais do Mário, mas aplicado à física.
4) O retângulo é o Um. O círculo é o Dois. A relação entre o retângulo e o círculo é o Três etc.
Wladimir Caetano de Sousa: Isso aí é uma forma elegantemente geométrica de expressar a aritmética funcional do Mário.
Roberto Santos: Por isso eu digo: a teologia agostiniana é menos uma teologia que uma física.
Wladimir Caetano de Sousa: Mas isso é terrível! Quantas operações não podem ser feitas com esse instrumental?
Roberto Santos: Por isso, eu também digo: Santo Agostinho reduziu as pessoas da Trindade à natureza, pois confundiu as pessoas divinas com a NATUREZA Divina. A natureza divina é esse nada infinito passível de cisão e multiplicação informacional. A natureza divina é, em outras palavras, o que se costuma chamar de "matéria-prima".
Wladimir Caetano de Sousa: Isso acaba virando física porque não há outra maneira de o número funcional se atualizar senão no próprio mundo físico.
Roberto Santos: Exatamente.
Romulo Atallah: Isso tem a ver com anjo ou corpo alma e espírito?
Roberto Santos: Não.
https://web.facebook.com/roberto.santos.3114/posts/10215850737604802
https://web.facebook.com/roberto.santos.3114/posts/10215851682908434