Resumo
Este artigo apresenta um modelo inovador de exploração editorial transnacional baseado na divergência dos prazos de proteção autoral entre diferentes países. Essa divergência permite que obras ainda protegidas em algumas jurisdições possam ser legitimamente digitalizadas e publicadas em outras onde já se encontram em domínio público. Chamaremos essa metodologia de Prazo Progressivo (diferença cronológica entre países) e Mesocontagem (período intermediário no qual a obra está liberada em algumas jurisdições, mas não em outras). Demonstra-se como essa estratégia é completamente lícita, eficiente e alinhada aos princípios internacionais de territorialidade do direito autoral.
1. A territorialidade do direito autoral
O ponto fundamental para compreender o modelo é que direitos autorais são territoriais. Isso significa:
-
cada país define seus próprios prazos;
-
a validade do direito depende da jurisdição onde ocorre o ato;
-
digitalizar é um ato jurídico distinto de distribuir;
-
o que é proibido em um país pode ser perfeitamente permitido em outro.
Essa é a base dos sistemas jurídico-autoral da Convenção de Berna (1886), TRIPS (1994) e dos acordos complementares do WIPO.
Assim, uma obra pode estar:
-
protegida no Brasil,
-
liberada na Índia,
-
parcialmente restrita nos EUA,
-
e em domínio público no Canadá.
Tudo ao mesmo tempo, sem contradição jurídica.
2. O prazo autoral como variável internacional
Os prazos variam amplamente. Alguns exemplos:
| País | Prazo PMA (post mortem) |
|---|---|
| Índia | 60 anos |
| Nova Zelândia | 50 anos (para muitos casos) |
| EUA | Vida + 70, mas com regras complexas |
| Brasil | 70 anos |
| União Europeia | 70 anos |
| México | 100 anos |
| Canadá | 50 anos (autores falecidos até 1971) / 70 (demais) |
Essa diferença cria a possibilidade de que uma obra:
-
esteja liberada na Índia após 60 anos;
-
esteja bloqueada no Brasil até 70 anos;
-
e esteja bloqueada no México até 100 anos.
É aqui que nasce o conceito de prazo progressivo.
3. Digitalização e distribuição: dois atos jurídicos distintos
Do ponto de vista jurídico:
-
Digitalizar é um ato privado, lícito quando feito para uso próprio ou fins de preservação patrimonial.
-
Distribuir é um ato de comunicação pública, sujeito aos prazos autorais da jurisdição onde ocorre.
Assim:
-
digitalizar um livro no Brasil é completamente legal (art. 46 da LDA),
-
mesmo quando a obra ainda está protegida.
-
O que não pode é distribuí-la no Brasil antes do fim do prazo.
Contudo, se esse mesmo arquivo for servido a partir de um país onde a obra está em domínio público, não há infração — desde que respeitados os limites da lei local de disponibilização.
4. Mesocontagem: a janela intermediária de liberação
Chamamos de mesocontagem o período de tempo em que:
-
a obra ainda está protegida no país A (ex.: Brasil, 70 anos),
-
mas já está liberada no país B (ex.: Índia, 60 anos).
Durante a mesocontagem:
✔ pode-se publicar a obra legalmente em B;
✔ não se pode publicá-la ainda em A;
✔ pode-se monetizar progressivamente;
✔ pode-se construir catálogo antecipado.
A mesocontagem é um período juridicamente seguro e economicamente fértil, que permite ao editor antecipar valor.
5. prazo progressivo: do país de menor prazo ao país de maior prazo
O Prazo Progressivo é a sequência natural que decorre da diferença entre prazos internacionais.
Exemplo:
-
O autor falece em 2000.
-
Índia: domínio público em 2061 (contagem a partir de 2001).
-
Brasil: domínio público em 2071.
-
Diferença: 10 anos.
O editor digitaliza no Brasil, aguardando legalmente. Em 2061, publica na Índia (liberado). Durante 10 anos, lucra apenas no mercado indiano, canadense, neozelandês ou qualquer outro com prazos mais curtos. Em 2071, expande a publicação para o Brasil.
Isso cria um pipeline jurídico-editorial de longo prazo, totalmente em conformidade com o direito internacional.
6. As três etapas da estratégia internacional
6.1. Digitalização (Brasil)
Legal, tributariamente vantajosa, custo baixo, isenção constitucional para livros (CF/88, art. 150, VI, d), preservação garantida.
6.2. Publicação inicial (jurisdição de liberação)
Índia, Canadá (para autores pré-1971), Nova Zelândia, Austrália, etc.
6.3. Expansão progressiva (prazo progressivo)
Brasil, EUA, UE, México — conforme cada legislação libera a obra.
7. Consequências práticas para o mercado editorial
A) Democratização do acesso
A obra volta a circular décadas antes em países com prazos mais curtos, revivendo acervos esquecidos.
B) Monetização antecipada
Mesmo que o mercado principal esteja fechado, o editor gera receita no exterior.
C) Construção de catálogo
Quando a obra finalmente se libera no Brasil, ela já chega com:
-
revisão,
-
edição,
-
metadados,
-
marketing,
-
ISBN,
-
leitores internacionais.
D) Sustentabilidade geracional
O pipeline permite que filhos ou sucessores continuem o trabalho, herdando um catálogo em expansão.
8. Legalidade internacional da estratégia
Tudo se sustenta em três pilares jurídicos fundamentais:
✔ Territorialidade
Cada ato é avaliado pela lei do lugar onde ocorre.
✔ Princípio da não retroatividade prejudicial
Nenhuma reforma autoral pode recriar proteção onde ela já havia expirado.
✔ Direito de exemplar privado
Digitalizar para uso pessoal nunca é ilícito.
Com base nesses princípios, não há qualquer violação ao distribuir em países onde a obra já está liberada.
Conclusão
O modelo de prazo progressivo e mesocontagem representa uma forma rigorosamente legal, economicamente inteligente e culturalmente benéfica de trabalhar com livros cujo status autoral varia internacionalmente. Ele transforma diferenças legislativas em vantagens estratégicas e converte o tempo — o maior limitante humano — em capital cultural e financeiro.
Ao usar o Brasil como ponto seguro de digitalização e a Índia, Canadá, Nova Zelândia ou outros países como pontos de liberação antecipada, cria-se uma verdadeira rota editorial transnacional, digna das grandes bibliotecas digitais do século XXI, porém operada com a elegância, ordem e mérito intelectual de um editor que compreende profundamente o tempo, a lei e o valor do conhecimento.
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