1. Introdução — Quando o trabalho volta ao seu lugar sobrenatural
A modernidade construiu uma relação perversa entre Estado, trabalho e pessoa. Muitas vezes, o fruto do trabalho humano é interceptado pelo Estado antes mesmo de alcançar:
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a família,
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a caridade,
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a poupança,
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a vocação pessoal,
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a obra de Deus.
O Imposto de Renda, nesse sentido, representa — historicamente — uma espécie de penetração do Estado na intimidade da vocação pessoal. Isto foi tolerado por necessidade histórica, mas nunca foi, sob a ótica da fé, uma estrutura ética ideal.
São Josemaría Escrivá — cujo ensinamento sobre a santificação do trabalho é o mais profundo do século XX — mostra que o trabalho é o altar onde cada pessoa encontra Deus, oferece sua vida e santifica o mundo. Se isso é verdade (e de fato é), então a relação entre trabalho, liberdade e Estado precisa ser examinada à luz de uma antropologia cristã firme e clara.
A extinção do Imposto de Renda, entendida no plano espiritual, não é somente uma medida econômica.Trata-se da restauração moral de uma hierarquia teológica: primeiro Deus e a vocação pessoal; e só depois o Estado.
2. A doutrina de São Josemaría: o trabalho como caminho ordinário de santificação
São Josemaría ensinou três pilares fundamentais:
A. Santificação através do trabalho
O trabalho não é mero esforço humano: é oração, é cruz, é missão. É o meio ordinário através do qual Deus purifica e exalta a alma.
B. Santificação pelo trabalho bem feito
Não basta trabalhar: é preciso trabalhar com excelência, com amor, com humildade, com ordem, com entrega.
“Fazer tudo por Amor. Assim não há coisas pequenas: tudo é grande.”
— São Josemaría
C. Santificação das realidades do mundo através do trabalho
Cada profissão é um campo de apostolado. Cada tarefa é oportunidade de virtude. O mundo é transformado de dentro, pelo trabalho daqueles que vivem em estado de graça. A espiritualidade da Opus Dei é, portanto, a espiritualidade da liberdade responsável.
3. Por que o Imposto de Renda colide com essa espiritualidade?
O IR interfere em três dimensões fundamentais:
A. A interferência na relação entre o trabalhador e seus talentos
O talento provém de Deus.
O fruto do talento provém da cooperação do homem com Deus.
Quando o Estado retém diretamente esse fruto, ele se coloca como intermediário indevido.
São Josemaría insistia que o cristão deve: viver a liberdade como dom recebido de Deus para servir.
Ora, não há liberdade verdadeira se:
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o Estado confisca o fruto da criatividade,
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invade a intimidade econômica,
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exige minúcia da vida privada do trabalhador,
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presume que administra melhor que a família.
Isso degrada o sentido religioso do trabalho.
B. A dificuldade da oferta interior
Quando o fruto do trabalho é limitado pela força externa, a oferta interior se empobrece.
O trabalhador não pode dizer: "Senhor, aqui está tudo o que produzi hoje".
Ele só pode dizer: “Senhor, aqui está o que sobrou depois da apropriação estatal.”
Isso obscurece — ainda que não anule — a pureza da oferta espiritual.
C. A limitação da caridade livre
São Josemaría ensinava: “A caridade é a alma da santidade.”
Se uma parte essencial da renda é absorvida pelo Estado,
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a caridade voluntária diminui,
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a responsabilidade solidária da pessoa se enfraquece,
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e o cristão se torna dependente da filantropia estatal, que é impessoal e fria.
A extinção do IR devolveria ao fiel:
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a liberdade de ser generoso,
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a criatividade da caridade,
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a iniciativa na vida social,
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e o protagonismo moral na construção da justiça.
4. A economia da graça: liberdade como ordem
Para São Josemaría, a liberdade não é capricho.
É missão.
“Deus nos quer livres, para que O amemos livremente.”
Uma sociedade sem Imposto de Renda é uma sociedade que devolve:
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ao trabalhador sua responsabilidade,
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ao pai de família sua autoridade,
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ao profissional sua vocação,
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ao cristão sua liberdade de santificar o mundo.
O Estado deixa de ser o “paternalista confiscador” e passa a ser o ordenamento mínimo, subsidiário e moral, que não suprime a liberdade interior.
5. A extinção do IR como restauração da subsidiariedade cristã
A subsidiariedade afirma que:
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aquilo que a pessoa pode fazer, o Estado não deve usurpar;
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aquilo que a família pode gerir, o Estado não deve absorver;
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aquilo que a comunidade pode sustentar, o Estado não deve monopolizar.
A extinção do IR:
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devolve poder à pessoa,
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devolve riqueza à família,
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devolve protagonismo às comunidades locais,
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devolve liberdade às obras sociais cristãs,
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devolve responsabilidade moral ao trabalhador.
É, portanto, uma ação perfeitamente compatível com:
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Rerum Novarum (Leão XIII),
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Quadragesimo Anno (Pio XI),
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Centesimus Annus (João Paulo II),
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e com toda a tradição do Opus Dei.
6. O trabalhador como co-criador com Deus: a visão de Josemaría
São Josemaría dizia:
“O trabalho é o enlace entre Deus e a alma.”
Se isso é verdade, então:
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o trabalhador não é súdito do Estado,
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o trabalhador é cooperador da Providência.
A extinção do IR eleva o trabalho à sua dignidade original:
✔ Dom (porque vem de Deus)
✔ Missão (porque santifica a alma)
✔ Serviço (porque transforma o mundo)
✔ Liberdade (porque é escolha)
✔ Oferta (porque é sacrifício)
A renda deixa de ser matéria de confisco e volta a ser matéria de amor sobrenatural.
7. A economia da santificação: o que nasce da abundância espiritual
Quando o fruto do trabalho é preservado:
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cresce a poupança,
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cresce a responsabilidade,
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cresce a liberdade,
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cresce a caridade espontânea,
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cresce a cultura do mérito,
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cresce a visão de longo prazo.
Tudo isso era parte essencial da pedagogia espiritual de São Josemaría.
A extinção do IR, nesse sentido, não é apenas política.
É uma pedagogia de santidade laical.
8. Conclusão — A extinção do IR como ato moral, espiritual e civilizatório
Um país que extingue o Imposto de Renda, se o faz dentro da ordem moral, não está criando paraíso fiscal.
Está criando:
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um ambiente de liberdade responsável,
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uma economia aberta à criatividade,
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uma sociedade fundada na subsidiariedade,
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uma cultura que valoriza a vocação pessoal,
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e um campo fértil para a santidade no cotidiano.
É a realização histórica daquilo que São Josemaría via como vocação universal:
“Santificar o trabalho, santificar-nos no trabalho e santificar o mundo pelo trabalho.”
Remover o confisco direto sobre o fruto desse trabalho é, portanto:
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um ato de justiça,
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um ato de verdade,
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um ato de liberdade,
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e — em última instância — um ato de amor ao projeto de Deus para cada alma.
Bibliografia Comentada
I. Obras de São Josemaría Escrivá (espiritualidade do trabalho)
1. Caminho
Pequenos pontos espirituais que formam a espinha dorsal da espiritualidade do Opus Dei. Há numerosas passagens sobre santificação do trabalho, liberdade e responsabilidade.
2. Sulco
Continuação espiritual de Caminho. Aprofunda a ideia de que o trabalho é oração e serviço.
3. Forja
A obra mais madura espiritualmente. Mostra como a vida ordinária é o campo onde a alma se une a Deus.
4. É Cristo que Passa
Sermões fundamentais sobre liberdade, vocação e santidade laical. Essencial para entender o sentido sobrenatural das tarefas cotidianas.
5. Amigos de Deus
Explora a relação entre graça, liberdade e responsabilidade cristã.
II. Magistério da Igreja — Doutrina Social e Subsidiariedade
1. Leão XIII — Rerum Novarum (1891)
Marco fundacional da doutrina social moderna.
Afirma a primazia da família, o valor do trabalho e o direito à propriedade.
2. Pio XI — Quadragesimo Anno (1931)
Texto mais completo sobre subsidiariedade.
Condena Estados excessivamente intervencionistas.
3. São João Paulo II — Laborem Exercens (1981)
A melhor obra teológica sobre o trabalho humano desde os Padres da Igreja.
4. São João Paulo II — Centesimus Annus (1991)
Reinterpreta a subsidiariedade para o mundo pós-moderno.
Defende uma economia fundada na pessoa, não no Estado.
5. Bento XVI — Caritas in Veritate (2009)
Explora a relação entre liberdade econômica, verdade e moralidade.
III. Filosofia política e antropologia cristã
1. Jacques Maritain — O Homem e o Estado
Base filosófica para entender por que o Estado não é fim em si, mas instrumento subsidiário.
2. Étienne Gilson — A Filosofia da Idade Média
Esclarece a ontologia do trabalho e da liberdade na tradição cristã.
3. Josef Pieper — O Ócio e a Vida Intelectual
Explica a dignidade das atividades humanas e a relação entre trabalho e contemplação.
4. G. K. Chesterton — O Que Há de Errado com o Mundo?
Crítica penetrante ao Estado que substitui as responsabilidades pessoais.
IV. Economia moral e sociedade livre
1. Wilhelm Röpke — A Economia Humana
Defende mercado livre dentro da ordem moral cristã. Mostra limites do Estado e centralidade da família.
2. Michael Novak — O Espírito do Capitalismo Democrático
Integra teologia moral, economia e liberdade pessoal.
3. Luigi Taparelli d’Azeglio — Saggio Teoretico di Diritto Naturale
Fundamento teórico da subsidiariedade moderna.
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