Pesquisar este blog

domingo, 16 de novembro de 2025

A extinção do Imposto de Renda como caminho de santificação através do trabalho: um ensaio à luz dos ensinamentos de São Josemaría Escrivá

1. Introdução — Quando o trabalho volta ao seu lugar sobrenatural

A modernidade construiu uma relação perversa entre Estado, trabalho e pessoa. Muitas vezes, o fruto do trabalho humano é interceptado pelo Estado antes mesmo de alcançar:

  • a família,

  • a caridade,

  • a poupança,

  • a vocação pessoal,

  • a obra de Deus.

O Imposto de Renda, nesse sentido, representa — historicamente — uma espécie de penetração do Estado na intimidade da vocação pessoal. Isto foi tolerado por necessidade histórica, mas nunca foi, sob a ótica da fé, uma estrutura ética ideal.

São Josemaría Escrivá — cujo ensinamento sobre a santificação do trabalho é o mais profundo do século XX — mostra que o trabalho é o altar onde cada pessoa encontra Deus, oferece sua vida e santifica o mundo. Se isso é verdade (e de fato é), então a relação entre trabalho, liberdade e Estado precisa ser examinada à luz de uma antropologia cristã firme e clara.

A extinção do Imposto de Renda, entendida no plano espiritual, não é somente uma medida econômica.Trata-se da restauração moral de uma hierarquia teológica: primeiro Deus e a vocação pessoal; e só depois o Estado.

2. A doutrina de São Josemaría: o trabalho como caminho ordinário de santificação

São Josemaría ensinou três pilares fundamentais:

A. Santificação através do trabalho

O trabalho não é mero esforço humano: é oração, é cruz, é missão. É o meio ordinário através do qual Deus purifica e exalta a alma.

B. Santificação pelo trabalho bem feito

Não basta trabalhar: é preciso trabalhar com excelência, com amor, com humildade, com ordem, com entrega.

“Fazer tudo por Amor. Assim não há coisas pequenas: tudo é grande.”
— São Josemaría

C. Santificação das realidades do mundo através do trabalho

Cada profissão é um campo de apostolado. Cada tarefa é oportunidade de virtude. O mundo é transformado de dentro, pelo trabalho daqueles que vivem em estado de graça. A espiritualidade da Opus Dei é, portanto, a espiritualidade da liberdade responsável.

 3. Por que o Imposto de Renda colide com essa espiritualidade?

O IR interfere em três dimensões fundamentais: 

A. A interferência na relação entre o trabalhador e seus talentos

O talento provém de Deus.
O fruto do talento provém da cooperação do homem com Deus.
Quando o Estado retém diretamente esse fruto, ele se coloca como intermediário indevido.

São Josemaría insistia que o cristão deve: viver a liberdade como dom recebido de Deus para servir.

Ora, não há liberdade verdadeira se:

  • o Estado confisca o fruto da criatividade,

  • invade a intimidade econômica,

  • exige minúcia da vida privada do trabalhador,

  • presume que administra melhor que a família.

Isso degrada o sentido religioso do trabalho.

B. A dificuldade da oferta interior

Quando o fruto do trabalho é limitado pela força externa, a oferta interior se empobrece.

O trabalhador não pode dizer: "Senhor, aqui está tudo o que produzi hoje".

Ele só pode dizer: “Senhor, aqui está o que sobrou depois da apropriação estatal.”

Isso obscurece — ainda que não anule — a pureza da oferta espiritual.

C. A limitação da caridade livre

São Josemaría ensinava: “A caridade é a alma da santidade.”

Se uma parte essencial da renda é absorvida pelo Estado,

  • a caridade voluntária diminui,

  • a responsabilidade solidária da pessoa se enfraquece,

  • e o cristão se torna dependente da filantropia estatal, que é impessoal e fria.

A extinção do IR devolveria ao fiel:

  • a liberdade de ser generoso,

  • a criatividade da caridade,

  • a iniciativa na vida social,

  • e o protagonismo moral na construção da justiça.

4. A economia da graça: liberdade como ordem

Para São Josemaría, a liberdade não é capricho.
É missão.

“Deus nos quer livres, para que O amemos livremente.”

Uma sociedade sem Imposto de Renda é uma sociedade que devolve:

  • ao trabalhador sua responsabilidade,

  • ao pai de família sua autoridade,

  • ao profissional sua vocação,

  • ao cristão sua liberdade de santificar o mundo.

O Estado deixa de ser o “paternalista confiscador” e passa a ser o ordenamento mínimo, subsidiário e moral, que não suprime a liberdade interior.

5. A extinção do IR como restauração da subsidiariedade cristã

A subsidiariedade afirma que:

  • aquilo que a pessoa pode fazer, o Estado não deve usurpar;

  • aquilo que a família pode gerir, o Estado não deve absorver;

  • aquilo que a comunidade pode sustentar, o Estado não deve monopolizar.

A extinção do IR:

  • devolve poder à pessoa,

  • devolve riqueza à família,

  • devolve protagonismo às comunidades locais,

  • devolve liberdade às obras sociais cristãs,

  • devolve responsabilidade moral ao trabalhador.

É, portanto, uma ação perfeitamente compatível com:

  • Rerum Novarum (Leão XIII),

  • Quadragesimo Anno (Pio XI),

  • Centesimus Annus (João Paulo II),

  • e com toda a tradição do Opus Dei.

6. O trabalhador como co-criador com Deus: a visão de Josemaría

São Josemaría dizia:

“O trabalho é o enlace entre Deus e a alma.”

Se isso é verdade, então:

  • o trabalhador não é súdito do Estado,

  • o trabalhador é cooperador da Providência.

A extinção do IR eleva o trabalho à sua dignidade original:

✔ Dom (porque vem de Deus)

✔ Missão (porque santifica a alma)

✔ Serviço (porque transforma o mundo)

✔ Liberdade (porque é escolha)

✔ Oferta (porque é sacrifício)

A renda deixa de ser matéria de confisco e volta a ser matéria de amor sobrenatural.

7. A economia da santificação: o que nasce da abundância espiritual

Quando o fruto do trabalho é preservado:

  • cresce a poupança,

  • cresce a responsabilidade,

  • cresce a liberdade,

  • cresce a caridade espontânea,

  • cresce a cultura do mérito,

  • cresce a visão de longo prazo.

Tudo isso era parte essencial da pedagogia espiritual de São Josemaría.

A extinção do IR, nesse sentido, não é apenas política.

É uma pedagogia de santidade laical.

8. Conclusão — A extinção do IR como ato moral, espiritual e civilizatório

Um país que extingue o Imposto de Renda, se o faz dentro da ordem moral, não está criando paraíso fiscal.

Está criando:

  • um ambiente de liberdade responsável,

  • uma economia aberta à criatividade,

  • uma sociedade fundada na subsidiariedade,

  • uma cultura que valoriza a vocação pessoal,

  • e um campo fértil para a santidade no cotidiano.

É a realização histórica daquilo que São Josemaría via como vocação universal:

“Santificar o trabalho, santificar-nos no trabalho e santificar o mundo pelo trabalho.”

Remover o confisco direto sobre o fruto desse trabalho é, portanto:

  • um ato de justiça,

  • um ato de verdade,

  • um ato de liberdade,

  • e — em última instância — um ato de amor ao projeto de Deus para cada alma.

 Bibliografia Comentada

I. Obras de São Josemaría Escrivá (espiritualidade do trabalho)

1. Caminho

Pequenos pontos espirituais que formam a espinha dorsal da espiritualidade do Opus Dei. Há numerosas passagens sobre santificação do trabalho, liberdade e responsabilidade.

2. Sulco

Continuação espiritual de Caminho. Aprofunda a ideia de que o trabalho é oração e serviço.

3. Forja

A obra mais madura espiritualmente. Mostra como a vida ordinária é o campo onde a alma se une a Deus.

4. É Cristo que Passa

Sermões fundamentais sobre liberdade, vocação e santidade laical. Essencial para entender o sentido sobrenatural das tarefas cotidianas.

5. Amigos de Deus

Explora a relação entre graça, liberdade e responsabilidade cristã.

II. Magistério da Igreja — Doutrina Social e Subsidiariedade

1. Leão XIII — Rerum Novarum (1891)

Marco fundacional da doutrina social moderna.
Afirma a primazia da família, o valor do trabalho e o direito à propriedade.

2. Pio XI — Quadragesimo Anno (1931)

Texto mais completo sobre subsidiariedade.
Condena Estados excessivamente intervencionistas.

3. São João Paulo II — Laborem Exercens (1981)

A melhor obra teológica sobre o trabalho humano desde os Padres da Igreja.

4. São João Paulo II — Centesimus Annus (1991)

Reinterpreta a subsidiariedade para o mundo pós-moderno.
Defende uma economia fundada na pessoa, não no Estado.

5. Bento XVI — Caritas in Veritate (2009)

Explora a relação entre liberdade econômica, verdade e moralidade.

III. Filosofia política e antropologia cristã

1. Jacques Maritain — O Homem e o Estado

Base filosófica para entender por que o Estado não é fim em si, mas instrumento subsidiário.

2. Étienne Gilson — A Filosofia da Idade Média

Esclarece a ontologia do trabalho e da liberdade na tradição cristã.

3. Josef Pieper — O Ócio e a Vida Intelectual

Explica a dignidade das atividades humanas e a relação entre trabalho e contemplação.

4. G. K. Chesterton — O Que Há de Errado com o Mundo?

Crítica penetrante ao Estado que substitui as responsabilidades pessoais.

IV. Economia moral e sociedade livre

1. Wilhelm Röpke — A Economia Humana

Defende mercado livre dentro da ordem moral cristã. Mostra limites do Estado e centralidade da família.

2. Michael Novak — O Espírito do Capitalismo Democrático

Integra teologia moral, economia e liberdade pessoal.

3. Luigi Taparelli d’Azeglio — Saggio Teoretico di Diritto Naturale

Fundamento teórico da subsidiariedade moderna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário