Pesquisar este blog

sábado, 29 de novembro de 2025

Integração Pessoal Jurídica nas Fronteiras: uma perspectiva filosófico-jurídica à luz de Mário Ferreira dos Santos

Introdução

A vida transfronteiriça contemporânea desafia as categorias tradicionais do Direito e da cidadania. Indivíduos que operam em mais de um Estado — seja em razão de nacionalidade, residência, regimes fiscais ou de fronteira — experimentam uma forma de existência binacional ou plurijurídica, que combina direitos, deveres e oportunidades de maneira inédita.

Este artigo propõe analisar a integração pessoal jurídica, inspirando-se na filosofia de Mário Ferreira dos Santos, aplicada ao Direito. O objetivo é mostrar como a combinação de RUC paraguaio, nacionalidade colombiana e nacionalidade brasileira pode ser pensada como uma estratégia de integração prática e legal, estruturando a mobilidade, a circulação de bens e a cidadania transfronteiriça.

1. Mário Ferreira dos Santos e a filosofia do ser integral

Mário Ferreira dos Santos (1907–1968) desenvolveu uma filosofia sistemática da integração do ser humano, considerando-o um ser total, com dimensões física, moral, intelectual e espiritual. Segundo ele, a verdadeira realização exige que o indivíduo integre todas as esferas da vida em coerência com a Verdade.

Transposto para o Direito, esse princípio sugere que a cidadania, o domicílio e os direitos jurídicos não devem ser tratados como categorias isoladas. A integração pessoal jurídica implica:

  1. Harmonizar direitos formais (nacionalidade, documentos, residência legal).

  2. Coordenar circunstâncias práticas (regimes de fronteira, RUC, limites de importação).

  3. Garantir coerência existencial e operacional, de modo que o sujeito possa exercer plenamente seus direitos sem contradição entre leis, regimes e prática cotidiana.

2. Binacionalidade de circunstância e pluralidade de domicílio

A binacionalidade de circunstância é uma forma concreta de aplicar a filosofia de Mário Ferreira dos Santos ao Direito:

  • No Brasil–Colômbia (Tabatinga–Letícia), o indivíduo usufrui de direitos de fronteira, circulação facilitada e regimes fiscais específicos.

  • No Brasil–Paraguai (Foz do Iguaçu–Ciudad del Este), a posse de RUC paraguaio permite importar mercadorias com limites vantajosos e operar comercialmente de forma legal e organizada.

Se essas circunstâncias se combinam, surge a necessidade de pluralidade de domicílio prática: residir e ter vínculos jurídicos em múltiplos territórios para gerir interesses, cumprir obrigações e exercer direitos. Isso não apenas é permitido, mas representa uma harmonização prática de direitos e deveres, consistente com a noção de integração total do ser proposta por Mário Ferreira dos Santos.

3. Nacionalidade brasileira como vetor de livre trânsito

A nacionalidade brasileira atua como direito pessoal fundamental, assegurando:

  • Livre circulação em todo o território nacional.

  • Residência em quaisquer pontos estratégicos da fronteira.

  • Integração operacional com ambos os regimes fronteiriços (Colômbia e Paraguai).

Ela funciona como o eixo de unidade que permite que a integração pessoal jurídica não se fragmente, oferecendo continuidade legal e física entre as duas circunstâncias de fronteira.

4. Integração prática: RUC paraguaio e nacionalidade colombiana

A integração jurídica e prática entre RUC paraguaio e nacionalidade colombiana permite:

  1. Aproveitar limites de importação e comércio de ambos os países.

  2. Planejar a circulação de mercadorias e investimentos de forma legal e coordenada.

  3. Garantir respeito às legislações locais, mantendo coerência documental e jurídica.

Do ponto de vista filosófico, esta integração não é apenas legal, mas existencial: o sujeito cria uma plataforma de direitos e deveres harmonizados, permitindo que sua vida transfronteiriça seja coerente com seus objetivos, valores e missão.

5. Estranheza social e legalidade

A raridade dessa configuração pode gerar estranheza social, mas não caracteriza ilegalidade.

  • A estranheza surge da natureza pitoresca da integração, pouco praticada e estudada.

  • O indivíduo atua dentro da legalidade: possui documentação válida, cumpre obrigações fiscais e respeita limites de fronteira.

  • Em termos de Mário Ferreira dos Santos, o sujeito vive a integração total do ser jurídico, mesmo que isso seja incomum socialmente.

6. Conclusão

A integração pessoal jurídica nas fronteiras — unindo RUC paraguaio, nacionalidade colombiana e nacionalidade brasileira — representa uma aplicação prática da filosofia de Mário Ferreira dos Santos ao Direito.

Ela:

  • Harmoniza direitos formais e circunstâncias práticas.

  • Permite circulação, comércio e residência legal em múltiplos territórios.

  • Exprime a coerência existencial e operacional do indivíduo transfronteiriço.

Essa estratégia demonstra que o direito de fronteira e a mobilidade transnacional podem ser pensados como instrumentos de integração total do ser, permitindo que o indivíduo transcenda limites tradicionais de nacionalidade e domicílio, vivendo em coerência com seus objetivos e valores.

📚 Bibliografia Comentada

Transnational Citizenship Across the Americas — (orgs. Ulla Berg & Robyn Rodriguez, 2014)

Comentário: Este livro coletivo discute como a cidadania na América Latina já foi pensada e reinventada ao longo do século XX e início do XXI — não apenas como um status legal, mas como um imaginário social, cultural e político. Oferece uma perspectiva histórica e sociológica de como diferentes comunidades, migrações e dinâmicas regionais transformam o conceito de cidadania. 

Relevância para o argumento: útil para fundamentar a ideia de que a “cidadania” não é algo fixo ou puramente estatal, mas um campo fluido — o que abre brechas para pensar em “binacionalidade de circunstância” e “pluralidade de domicílio” como formas legítimas de pertencimento. Routledge+1

Transnational Citizenship and Migration — (Rainer Bauböck, 2017)

Comentário: Esta coletânea de ensaios analisa como a mobilidade internacional, o pluralismo de nacionalidades e os novos fluxos migratórios colocam em xeque as concepções tradicionais de cidadania. Discute-se se e como formas de “cidadania transnacional” podem coexistir com o princípio da igualdade entre cidadãos, e como os estados reagem a essas transformações. 

Relevância: Dá suporte teórico para a análise da binacionalidade de circunstância que você articula — mostrando que múltiplas nacionalidades e vínculos simultâneos já são objeto de debate acadêmico como fenômeno legítimo em sociedades contemporâneas. Routledge

Territories of Citizenship — (Ludvig Beckman & Eva Erman, 2012)

Comentário: Examina a cidadania sob a ótica das transformações globais e da territorialidade — ou seja, como os conceitos de Estado, território, domicílio e comunidade política se modificam em contextos de globalização e mobilidade. Oferece uma análise crítica de como regimes de cidadania e domicílio podem ser repensados fora da ideia clássica de Estado‑nação fixo. 

Relevância: Apoia a noção de que domicílio e pertencimento político podem ser plurais, distribuídos em múltiplos territórios — o que se alinha à sua hipótese de pluralidade de domicílios práticos em diferentes fronteiras. SpringerLink

Para além das fronteiras: cidadania transnacional — (Elaine Dupas; Leonardo Chaves de Carvalho; Luciani Coimbra de Carvalho, 2019)

Comentário: Estudo acadêmico brasileiro que argumenta que a cidadania transnacional já é uma realidade nas Américas — resultado da intensificação dos deslocamentos humanos, migrações e multiplicidade de vínculos sociais, econômicos e culturais. Questiona a rigidez da cidadania tradicional como pertencimento a um único Estado. 

Relevância: Esta pesquisa dialoga diretamente com seus conceitos de binacionalidade de circunstância e pluralidade de domicílio, mostrando que há respaldo empírico e acadêmico para imaginar formas híbridas ou múltiplas de pertencimento jurídico-social. ojs.ufgd.edu.br+1

Borderlands/La Frontera: The New Mestiza — (Gloria Anzaldúa, 1987)

Comentário: Obra clássica da teoria de fronteira e identidade transnacional. Trata a fronteira não apenas como uma linha geográfica, mas como espaço simbólico, existencial e identitário de “mestizagem cultural” — de múltiplas pertenças e identidades híbridas. A autora examina a vivência de quem está “entre mundos”, não totalmente de um nem de outro. Wikipedia+2periodicosonline.uems.br+2  

Relevância: Um marco para pensar a fronteira não como limitação, mas como oportunidade de nova forma de pertencimento — espelhando sua proposta de “integração pessoal‑jurídica” que ultrapassa o Estado‑nação convencional.

Citizenship and its Others — (Bridget Anderson & Vanessa Hughes, 2015)

Comentário: Volume que problematiza a cidadania entendida de forma tradicional, apontando seus limites para abarcar “outros” — migrantes, pessoas com status misto, habitantes de zonas fronteiriças ou de jurisdições híbridas. Questiona a universalidade da cidadania estatal e propõe a expansão dos critérios de pertencimento político e social. SpringerLink 

Relevância: Ajuda a sustentar criticamente a sua proposta de multiplicidade de vínculos: demonstra que a cidadania tradicional muitas vezes falha em reconhecer as complexidades da vida transnacional, e que é possível reivindicar formas alternativas de pertencimento e domicílio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário