1. Introdução — Quando a Ordem nasce da Pessoa e não do Estado
A Doutrina Social da Igreja — de Leão XIII até Bento XVI — afirma que a sociedade é construída de baixo para cima, e não o contrário.
O ser humano é:
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imagem de Deus,
-
dotado de razão,
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dotado de liberdade real,
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responsável pela administração dos talentos recebidos.
A sociedade justa não é aquela que “dá tudo”, mas aquela que não impede a pessoa de florescer.
O princípio que governa essa dinâmica é a subsidiariedade:
“Não se deve retirar dos indivíduos e dos grupos menores aquilo que estes podem realizar por si mesmos.”
— Pio XI, Quadragesimo Anno
Se isso vale para escolas, associações e comunidades, vale ainda mais para a realidade mais íntima da pessoa: a administração de seu trabalho, de sua renda e do fruto de seus talentos.
O Imposto de Renda, na perspectiva filosófica e teológica da liberdade cristã, sempre foi uma espécie de contradição moral tolerada — um poder estatal sobre a interioridade do trabalhador. Eliminá-lo não é apenas uma decisão econômica, mas um reordenamento espiritual das relações entre pessoa e Estado.
2. A antropologia cristã da liberdade: a renda pertence ao trabalhador porque o talento vem de Deus
Cristo não fala de “impostos sobre rendimentos”, mas fala diretamente:
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“A cada um conforme sua capacidade.”
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“Multiplica os talentos recebidos.”
-
“O trabalhador é digno de seu salário.”
A renda é o resultado direto do trabalho humano em cooperação com a graça. O Estado não tem direito teológico sobre o talento, e por extensão, não tem direito primário sobre os frutos desse talento.
O Estado só tem direito secundário e derivado, limitado pela ordem moral e pela subsidiariedade.
Daqui decorre:
O Imposto de Renda, moralmente, sempre foi uma exceção justificada por circunstâncias históricas — nunca um princípio.
O IR supõe:
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acesso à vida privada,
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violação da intimidade econômica,
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poder discricionário sobre aquilo que pertence à pessoa,
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e uma presunção de que o Estado administra melhor do que o indivíduo.
A subsidiariedade afirma o contrário.
3. Subsidiariedade e a esfera econômica: o que pertence ao indivíduo não deve ser absorvido pelo Estado
Segundo a doutrina social:
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a família é anterior ao Estado;
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o trabalho é anterior ao Estado;
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o patrimônio é anterior ao Estado;
-
a cultura é anterior ao Estado.
Quando o Imposto de Renda retira uma parte essencial da atividade criadora do indivíduo, ele introduz uma inversão ontológica:
O que é originariamente privado torna-se originariamente estatal.
Isso é contrário ao que a Igreja sempre ensinou.
Francisco de Vitória, Bellarmino, Suárez e Leão XIII sustentam:
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o Estado existe por delegação, não por origem;
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a autoridade civil administra o que sobra, não o que pertence ao trabalhador;
-
o Estado deve apoiar, não substituir.
Extinguir o IR devolve ao trabalhador o que é dele por natureza. E devolve à subsidiariedade o que o estatismo extirpou.
4. A virtude cristã do trabalho e o problema moral do confisco
A tradição cristã vê o trabalho não como punição, mas como:
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participação na criação,
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via de santificação,
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exercício de liberdade,
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disciplina do espírito.
O mérito do trabalho — e seu fruto material — é parte da dignidade humana.
Quando o Estado cobra imposto diretamente sobre a renda:
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ele cobra antes da família,
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cobra antes do sustento,
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cobra antes da poupança,
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cobra antes da caridade voluntária.
Isso cria o equivalente moderno ao que a doutrina chama de usurpação moral:
o Estado se coloca entre o indivíduo e os frutos de sua cooperação com Deus.
A eliminação do IR é, nesse sentido, uma restauração moral: é o retorno da prioridade da pessoa sobre o Estado.
5. Liberdade cristã não é libertinagem fiscal — é responsabilidade subsidiária
Cristo não prega anarquia. Ele prega responsabilidade.
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“A quem muito foi dado, muito será cobrado.”
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“Dai a César o que é de César.”
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“Sede perfeitos.”
Isso implica:
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organização,
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justiça distributiva,
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solidariedade,
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responsabilidade recíproca.
Mas nenhuma dessas virtudes exige a manutenção do IR. Elas exigem ordem fiscal proporcional, territorial, limitada e subsidiária.
Um Estado sem IR não é um Estado sem financiamentos. É um Estado que:
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cobra pelo consumo, não pela alma;
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cobra pelo uso, não pela pessoa;
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cobra pela externalidade, não pelo talento.
Isso é exatamente o que a subsidiariedade exige.
6. A extinção do IR como ato de purificação política
Se o Estado deixa de tributar a renda:
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ele deixa de espioná-la;
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deixa de invadir contas, escritórios, recibos e intimidade;
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deixa de usar a máquina fiscal como instrumento de perseguição;
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e se obriga a funcionar como administrador, não como mestre.
Extinguir o IR obriga o Estado a:
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viver dentro de seus limites,
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não confundir poder com providência,
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não substituir a moralidade familiar pela moralidade estatal,
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não infantilizar o cidadão,
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não usar a máquina tributária como mecanismo de chantagem política.
Em termos teológicos: eliminar o IR é retirar do Estado uma tentação constante de onipotência. E é recolocá-lo no seu devido lugar: um servidor da ordem, não um senhor do trabalho humano.
7. A dimensão espiritual: liberdade como via para a verdade
A libertação fiscal — quando feita dentro da moral cristã — não é apenas econômica.
É espiritual.
É a libertação:
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da servidão interior,
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da mentalidade de súdito,
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da tentação de delegar ao Estado aquilo que Deus nos confiou,
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da passividade diante da própria vida.
A extinção do IR devolve a cada ser humano a pergunta radical:
O que farei com os talentos que Deus me deu?
E recoloca no centro a tríade que você trabalha constantemente:
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verdade (discernimento),
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liberdade (ação responsável),
-
ordem (estrutura moral).
A subsidiariedade é simplesmente o nome político dessa tríade. A extinção do IR é a sua expressão econômica. E a liberdade é a sua expressão espiritual.
8. Conclusão — O Estado Subsidiário como Ordem Cristã da Liberdade
Um país que:
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elimina o IR,
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fortalece a subsidiariedade,
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promove a liberdade responsável,
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reconhece a precedência da pessoa sobre o Estado,
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trata o trabalho como dom e vocação,
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protege a poupança e a propriedade,
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disciplina o poder civil dentro das fronteiras morais da tradição,
não está apenas fazendo reforma tributária.
Está restaurando a ordem criada, onde:
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a pessoa é livre,
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a família é célula primária,
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a sociedade civil é ativa,
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e o Estado é servidor — não senhor.
É a política elevada ao plano da teologia moral.
É a economia ordenada à dignidade humana.
É a subsidiariedade como coluna vertebral da liberdade.
É a extinção do IR como devolução da obra humana ao próprio homem.
Em última análise: a liberdade fiscal é um ato de fidelidade à verdade sobre a pessoa humana,
e essa verdade funda toda ordem civil justa.
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