1. Introdução
Na história moderna, regimes tirânicos tentaram dividir os povos segundo critérios artificiais — como o apartheid sul-africano, que classificava seres humanos pela cor da pele. Essa divisão era uma ficção política, dissociada da verdade e sustentada somente pela conveniência de uma classe dominante.
Contudo, existe uma outra forma de divisão, muito mais profunda, que não é política, nem racial, nem sociológica, mas espiritual. Ela não nasce da vontade humana, mas da presença de Cristo no mundo.
A essa divisão, inevitável e não fabricada, chamamos aqui de apartvarna.
2. A natureza do apartvarna
O termo apartvarna designa uma separação moral que ocorre espontaneamente na sociedade, quando indivíduos respondem de modos diferentes ao encontro com a Verdade.
Ao contrário de divisões artificiais criadas por regimes opressores, essa divisão:
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não se funda em cor da pele;
-
não se funda em classe social;
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não se funda em ideologia política;
-
não depende de imposição estatal.
Ela emerge de algo mais radical: a reação do coração humano perante Cristo, a Verdade feita carne.
Quando Cristo é proclamado, a ordem do mundo se revela — e com ela, a separação entre os que aderem à verdade e os que permanecem na conveniência.
3. A metáfora tradicional da “cor da alma”
A tradição cristã — dos Padres à mística carmelita — recorre frequentemente à imagem da luz e das trevas como símbolos espirituais:
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a alma luminosa é aquela ordenada à verdade, purificada pelo amor e pela retidão;
-
a alma obscurecida é aquela prisioneira da mentira, das paixões desordenadas e da conveniência.
Na linguagem simbólica:
-
alma branca = iluminada pela verdade;
-
alma negra = obscurecida pelo erro e pelo vazio interior.
Essas expressões, obviamente, não têm qualquer relação com etnia ou biologia.
São categorias espirituais, não antropológicas.
O que se “embranquece” ou “escurece” não é o corpo, mas:
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o intelecto,
-
a vontade,
-
a disposição moral do sujeito.
4. Cristo como o divisor inevitável
Cristo afirmou explicitamente: “Não vim trazer a paz, mas a espada.”
(Mt 10,34)
Essa espada não é de violência, mas de verdade — e a verdade divide porque revela. Quando Cristo é anunciado, ocorre inevitavelmente uma separação que não é obra humana, mas consequência da própria realidade.
Simeão profetiza sobre Ele: “Ele será causa de queda e ascensão de muitos.” (Lc 2,34)
E São João sintetiza: “A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam.” (Jo 1,5)
Assim, o apartvarna não é invenção cultural: é a reação da humanidade diante da Luz.
5. As duas vias: verdade e conveniência
O apartvarna se manifesta como divisão entre dois modos de vida:
5.1. Os que contemplam a verdade (alma branca)
Esses se orientam por:
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responsabilidade,
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honestidade,
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trabalho,
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coerência,
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integridade,
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sacrifício,
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fidelidade ao real.
A verdade tem um custo — mas também ilumina. A alma se torna clara, ordenada, firme.
5.2. Os que seguem a conveniência (alma negra)
Esses priorizam:
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relativismo moral,
-
manipulação da linguagem,
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conveniências políticas,
-
poder a qualquer preço,
-
mentiras úteis,
-
autoengano,
-
vaidades públicas.
A alma se torna opaca, vazia, sem substância, sem luz.
Essa divisão não é odiada ou buscada pelo cristão; é simplesmente o resultado inevitável de se apoiar na verdade.
6. Como o apartvarna estrutura a política contemporânea
A polarização política atual não é apenas ideológica. Ela é moral e espiritual.
No Brasil — e no mundo ocidental inteiro — a disputa deixou de ser entre:
-
esquerda e direita,
-
liberalismo e conservadorismo,
-
progressismo e tradicionalismo.
A disputa passou a ser entre:
-
os que submetem seus interesses à verdade,
-
e os que submetem a verdade a seus interesses.
Ou seja: não é uma luta política. É a luta perene entre luz e trevas. Essa é a lógica mais profunda do apartvarna.
7. Apartvarna como diagnóstico da cultura brasileira
O Brasil vive precisamente essa separação:
-
de um lado, pessoas que buscam a ordem espiritual, moral e intelectual;
-
do outro, aqueles que relativizam tudo, dissolvem tudo e se orientam apenas pelo que lhes é conveniente.
Não é uma divisão criada por leis, partidos ou grupos de pressão. É espontânea, natural e inevitável.
Onde Cristo é proclamado, cada alma precisa escolher. E essa escolha reorganiza a sociedade inteira.
Conclusão: A verdade é o fundamento da divisão — e também da liberdade
O apartvarna não é um projeto político, nem uma ideologia, nem uma doutrina social. É um fato espiritual que emerge quando Cristo revela a verdade do mundo.
A verdade divide, mas essa divisão é o caminho para a verdadeira liberdade.
Onde a luz aparece, as trevas precisam decidir se se deixam iluminar
ou se fogem e se aprofundam na própria sombra.
Assim, o apartvarna é o fenômeno moral que explica:
-
a polarização contemporânea,
-
o vazio de uns,
-
a firmeza de outros,
-
e o choque inevitável entre bem e mal.
A divisão é inevitável porque a verdade é inevitável. E, no fim da história, a verdade sempre vence.
Bibliografia Comentada
1. Santo Agostinho — A Cidade de Deus
Por que é fundamental:
Agostinho descreve duas “cidades” formadas não por etnias, territórios ou classes sociais, mas por dois amores: o amor a Deus e o amor de si levado até o desprezo de Deus. Esta é a origem mais antiga e mais sólida da divisão espiritual da humanidade. É um precursor direto da ideia de apartvarna.
Como dialoga com o artigo:
A lógica agostiniana mostra que a verdadeira divisão não é política, mas moral e espiritual. Cada pessoa pertence a uma cidade pela orientação interior da alma — luminosa ou obscurecida.
2. São João — Evangelho segundo João e Cartas joaninas
Por que é fundamental:
O corpus joanino é a base teológica da oposição entre luz e trevas, “verdade” e “mentira”, “filhos de Deus” e “filhos do mundo”. Nenhum outro autor bíblico enfatiza tão claramente o caráter divisivo da verdade.
Como dialoga com o artigo:
O conceito de apartvarna está em completa consonância com frases como:
-
“A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam.”
-
“Quem faz a verdade vem para a luz.”
-
“O mundo jaz no maligno.”
A divisão espiritual nasce do encontro com Cristo — exatamente como o artigo expõe.
3. Tomás de Aquino — Suma Teológica (especialmente I-II, q. 109–114)
Por que é fundamental:
Tomás explica que a graça ilumina o intelecto e ordena as paixões, enquanto o pecado obscurece a alma. A “cor espiritual” da alma, embora metafórica, é compatível com a distinção entre estado de graça e estado de pecado.
Como dialoga com o artigo:
A “alma branca” é aquela cuja inteligência foi elevada pela graça; a “alma negra”, aquela obscurecida pelo vício e pela vontade desordenada.
4. Bento XVI (Joseph Ratzinger) — Introdução ao Cristianismo e Verdad e Tolerância
Por que é fundamental:
Ratzinger demonstra que a verdade tem um caráter intrinsecamente divisivo: ela separa o real do ilusório, o justo do injusto, o que é conforme a Deus do que é pura conveniência humana.
Como dialoga com o artigo:
O Papa denuncia a tirania do relativismo — que é uma das bases do “alma negra” descrita no texto. Além disso, ele afirma que Cristo é a “crise” da humanidade: o ponto onde o homem deve decidir-se pela luz ou pelas trevas.
5. São João da Cruz — Noite Escura, Subida do Monte Carmelo
Por que é fundamental:
O místico carmelita usa intensamente a metáfora da luz e da escuridão para descrever os estados da alma. A “noite” não é apenas ausência de luz, mas ausência da verdade.
Como dialoga com o artigo:
A imagem da alma iluminada ou obscurecida é, em João da Cruz, uma questão de aderir ou não a Deus. Exatamente o mecanismo moral que explica a lógica do apartvarna.
6. C. S. Lewis — A Abolição do Homem e Cristianismo Puro e Simples
Por que é fundamental:
Lewis alerta para o perigo de uma sociedade que abdica da verdade objetiva, substituindo-a por conveniências utilitaristas. Mostra como isso destrói o conceito de humanidade e gera polarizações insuperáveis.
Como dialoga com o artigo:
A “alma negra” é precisamente o homem moldado pela conveniência, incapaz de reconhecer a ordem moral objetiva. Lewis identifica essa corrupção como o grande mal das sociedades modernas.
7. Dostoiévski — Os Demônios e Os Irmãos Karamázov
Por que é fundamental:
Dostoiévski não fala de “cor espiritual”, mas mostra como o abandono de Deus gera um vazio interior explosivo, que se traduz em tirania política, mentiras públicas e culto ao poder — marcas típicas da alma obscurecida.
Como dialoga com o artigo:
As personagens de Dostoiévski são exemplos perfeitos do tipo humano descrito como “alma negra”: pessoas guiadas pelo vazio interior e pelo autoengano, que depois produzem caos político.
8. Eric Voegelin — A Nova Ciência da Política
Por que é fundamental:
Voegelin demonstra que movimentos políticos totalitários surgem quando a política tenta ocupar o lugar da verdade transcendente — um erro que ele chama de “gnosticismo político”.
Como dialoga com o artigo:
O apartvarna aparece no mundo contemporâneo porque parte da sociedade tenta substituir a verdade objetiva por narrativas convenientes e ideológicas. Isso gera a polarização entre luz e trevas.
9. Hilma af Klint — The Paintings for the Temple (documentação e estudos críticos)
Por que é fundamental:
Ainda que em contexto espiritual não cristão, Hilma af Klint usa fortemente a simbologia da luz, da cor e da revelação para representar estágios da alma. Sua arte é uma metáfora visual da iluminação e da escuridão interior.
Como dialoga com o artigo:
Sua estética fornece uma excelente analogia — não teológica, mas simbólica — para entender “alma branca” como presença de luz e “alma negra” como ausência de luz.
10. Roger Scruton — As Vantagens do Pessimismo e A Alma do Mundo
Por que é fundamental:
Scruton argumenta que as sociedades modernas vivem uma guerra entre aqueles que preservam a ordem moral e aqueles que dissolvem todos os vínculos objetivos. Ele descreve isso como “batalha espiritual disfarçada de política”.
Como dialoga com o artigo:
O diagnóstico de Scruton é praticamente uma análise filosófica do apartvarna, embora sem o nome: a sociedade é dividida entre os que amam a verdade e os que se refugiam na conveniência.
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