1. Introdução
Entre certos grupos universitários fortemente influenciados pela esquerda, não é incomum encontrar críticas contundentes aos Estados Unidos: condena-se o imperialismo, a hegemonia cultural, o capitalismo financeiro, a política externa agressiva e até a “sociedade do espetáculo” que, paradoxalmente, tem em Hollywood um de seus vetores centrais. Contudo, esses mesmos grupos frequentemente organizam atividades inspiradas em modos de vida americanos — como churrascos backyard style, festas temáticas, jogos, roupas e símbolos estéticos oriundos do imaginário americano.
É nesse ponto que a contradição se revela. E ela não é apenas anedótica: é sintomática de um fenômeno mais amplo, que envolve hegemonia cultural, identidade política e uma forma peculiar de hipocrisia socialmente aceita.
2. A dissociação entre prática cultural e discurso político
A contradição fundamental reside na crença, tácita ou explícita, de que é possível criticar o poder norte-americano no plano ideológico enquanto se consome alegremente sua produção cultural. Essa dissociação opera porque:
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A crítica costuma ser abstrata, teórica e distante, enquanto
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A cultura americana é concreta, acessível, divertida e sedutora.
É fácil denunciar o imperialismo; é difícil abandonar o hambúrguer, o hot dog e a estética jovial de um churrasco americano. Essa dicotomia revela que, para muitos, a oposição aos EUA é menos uma convicção profunda e mais um posicionamento identitário dentro da sociabilidade universitária.
3. O churrasco “à americana” como símbolo de hegemonia cultural
O churrasco americano não é apenas carne grelhada: é parte de um repertório simbólico associado ao american way of life. Ele expressa:
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informalidade suburbana;
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consumo abundante;
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individualismo festivo;
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cultura pop televisiva;
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um imaginário de prosperidade e descontração.
Adotar esse símbolo implica incorporar elementos do mesmo poder cultural que, em teoria, esses grupos rejeitam. Ou seja, mesmo enquanto criticam a hegemonia norte-americana, eles a reproduzem.
Nesse sentido, o conceito gramsciano de hegemonia cultural é iluminador: o verdadeiro domínio de um império não está apenas nas armas ou no dólar, mas na capacidade de definir o que é normal, desejável e divertido.
4. A incoerência como sintoma da hegemonia
A incoerência dos grupos universitários antiamericanos não é apenas um sinal de falta de coerência pessoal; é, paradoxalmente, uma prova do sucesso dos Estados Unidos na esfera simbólica. A cultura americana tornou-se tão universal que é consumida mesmo por aqueles que a criticam.
É por isso que o antifascista universitário usa hoodies adotados da Ivy League, bebe Coca-Cola, maratona séries da Netflix e prepara um churrasco para comemorar a última assembleia estudantil.
Não há consciência de incoerência porque, de certo modo, a hegemonia americana se tornou invisível. Ela é o ar cultural que se respira.
5. Onde termina a incoerência e começa a hipocrisia
Ainda assim, há uma diferença entre:
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incoerência inocente, quando a pessoa simplesmente não percebe a contradição, e
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hipocrisia performativa, quando a crítica é usada como sinal de virtude, mas sem impactar a própria vida concreta.
Nos ambientes acadêmicos, em que a identidade política se constrói também por meio de símbolos discursivos, o antiamericanismo muitas vezes funciona como distintivo de grupo. Repudia-se a política externa dos EUA, mas não se abre mão das comodidades culturais que o próprio império propagou.
O discurso, nesse caso, serve mais à autopromoção moral do que à verdade ou à coerência.
6. Crítica, simulacro e performatividade
Jean Baudrillard, ao analisar os simulacros, mostra como vivemos em uma sociedade onde o símbolo vale mais que a realidade. O antifascista que critica o “capitalismo imperialista” enquanto participa de um churrasco à americana é um exemplo dessa lógica: ele não vive o que diz, mas sim o que o seu grupo espera que ele diga.
A crítica ao poder americano torna-se um simulacro: não transforma a vida, não exige renúncia, não confronta hábitos. É apenas gesto, linguagem, performance.
7. Conclusão
A incoerência observada nos grupos universitários antiamericanos — criticando os EUA enquanto reproduzem alegremente seus símbolos culturais — revela um fenômeno complexo:
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o poder da hegemonia cultural americana;
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a superficialidade do discurso político identitário;
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a ausência de reflexão sobre a relação entre cultura e ideologia;
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e, em muitos casos, uma hipocrisia funcional à vida acadêmica.
No fundo, o churrasco americano em meio ao antiamericanismo não é apenas uma festa: é um índice da capacidade dos símbolos de um império sobreviverem até mesmo àqueles que pretendem derrubá-lo.
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