1. Introdução: o estatismo como horizonte deformado
O debate brasileiro sobre Estado, liberdade e ordem costuma ser travado no plano puramente institucional: tamanho do Estado, eficiência administrativa, modelo tributário, privatizações, direitos e deveres. Mas essa discussão, por mais necessária que seja, ignora o ponto mais profundo — e mais decisivo — da questão: o estatismo não é apenas um problema político. Ele é uma fronteira ontológica e civilizacional que limita nossa capacidade de reconhecer, viver e transformar o Brasil como um lar fundado em Cristo.
A reflexão aqui apresentada propõe uma ruptura: separar-se da querela do estatismo para penetrar na camada mais profunda do problema, onde se decide a relação entre o espírito, a cultura e a missão cristã que se estende para além das fronteiras nacionais. Essa separação é o ato inicial para recuperar a visão do Brasil como lugar de serviço e santificação, não como um ambiente tutelado por um Estado hipertrofiado que substitui a Providência, a família, a Igreja e a responsabilidade pessoal.
2. O estatismo como fronteira do conhecimento
Chamar o estatismo de fronteira do conhecimento significa reconhecer que ele funciona como um limite epistemológico e psíquico. Ele cria uma moldura — quase invisível — dentro da qual o brasileiro pensa, sente, julga e imagina. Essa moldura produz:
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dependência mental: o Estado como pai, tutor, árbitro moral;
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empobrecimento cultural: troca‐se a responsabilidade pela reivindicação;
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infantilização ontológica: o sujeito deixa de ser agente moral e torna-se usuário, cliente ou súdito administrativo;
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desorientação histórica: a nação é percebida como projeto burocrático, não como comunidade histórica ordenada por Deus.
O estatismo, enquanto horizonte, impede que o brasileiro veja o país como lar. Ele transforma a pátria em repartição, o povo em massa administrável e o indivíduo em sigla de cadastro.
Por isso é uma fronteira: impede o avanço da alma para aquilo que está além dela.
3. A fronteira ontológica: o ser humano reduzido à função estatal
Quando o estatismo se torna a linguagem dominante, ocorre uma redução ontológica:
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o ser humano deixa de ser filho de Deus e torna-se contribuinte ou dependente;
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a família deixa de ser célula básica e passa a ser destinatária de políticas públicas;
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a moral é substituída por regulamentação;
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o bem comum é confundido com gasto público.
Essa redução altera o imaginário nacional. Cada brasileiro se percebe menos como parte de um povo com missão espiritual e mais como membro de uma coletividade gerida por normas.
Assim, o estatismo funciona como negação silenciosa da vocação cristã do Brasil.
4. A fronteira civilizacional: a cultura presa ao Estado
Além do plano ontológico, o estatismo impõe uma fronteira civilizacional. Ele cria um tipo de cultura:
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avessa ao risco,
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incapaz de empreender,
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desconfiada da liberdade,
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orientada para benefícios, não para virtudes.
A circulação da riqueza, do conhecimento e da fé fica truncada. O brasileiro espera que o Estado entregue tudo: segurança, educação, saúde, moral, prosperidade, identidade.
Com isso, perde-se a dimensão transcendente da vida civilizacional. A nação fica presa ao território, mas fica incapaz de transformá-lo em terra viva, em terra consagrada, em terra de missão.
5. Ourique como ruptura e missão
A visão estatista é incompatível com o espírito de Ourique. Naquele evento fundante, a história portuguesa — e, por extensão, a história civilizacional que alcança o Brasil — recebe uma ordem interior:
servir a Cristo em qualquer terra;
transformar qualquer terra em lar;
alargar as fronteiras do conhecimento, da fé e da cultura;
submeter todo poder humano ao reinado de Cristo.
Ourique inaugura um modo cristão de compreender a expansão. Não se trata de imperialismo, mas de missão. Não se trata de conquista, mas de serviço. Não se trata de domínio administrativo, mas de ordenação espiritual do mundo.
É por isso que este pensamento integra com naturalidade:
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a crítica ao mito progressista da Fronteira americana;
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o nacionismo cristão, não ideológico, mas teológico;
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a ideia de que vários países podem ser um só lar em Cristo;
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e o chamado pessoal à santificação pelo trabalho e pela inteligência.
6. Por que superar a querela estatista é condição sine quan non de maturidade espiritual?
Quando o indivíduo ultrapassa a fronteira do estatismo, ele atinge uma maturidade interior: percebe que a referência última não é o Estado, mas Cristo.
Esse movimento tem três efeitos:
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Liberta a inteligência
O pensamento deixa de ser condicionado por dicotomias ideológicas e se ordena pela verdade. -
Liberta o pertencimento
O Brasil deixa de ser pátria administrativa e torna-se lar espiritual, lugar de missão e de formação do caráter. -
Liberta a vocação
O cristão pode servir a Cristo em terras distantes, levando consigo o lar interior e a memória de Ourique.
Sem essa separação, o Brasil permanece uma pátria incompleta, incapaz de gerar homens verdadeiramente responsáveis, santos e livres.
7. Tomar o Brasil como lar em Cristo, por Cristo e para Cristo
Essa é a síntese: o Brasil só pode ser tomado como lar quando Cristo é o referente. E Cristo só pode ser o referente quando o estatismo deixa de ocupar o centro da vida cultural e psicológica.
Lar não é lugar onde o Estado provê; lar é o lugar onde Cristo reina.
Por isso:
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tomar dois países como um mesmo lar em Cristo é possível;
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tomar o Brasil como lar é possível;
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servir a Cristo em terras distantes é natural — porque a fronteira espiritual se expande.
Quando Cristo é o centro, todo território é terra santa. Quando o Estado é o centro, nenhum território basta.
8. Conclusão: a verdadeira fronteira é espiritual
O estatismo é a falsa fronteira.
A missão de Ourique é a verdadeira.
A primeira aprisiona;
a segunda liberta.
A primeira infantiliza;
a segunda amadurece.
A primeira reduz o ser;
a segunda o eleva.
Com a superação da querela do estismo enquanto mito da fronteira,, o brasileiro abre a única fronteira que realmente importa: a fronteira espiritual do conhecimento ordenado a Cristo. E somente nessa abertura é possível tomar o Brasil — e qualquer terra — como lar em Cristo, por Cristo e para Cristo.
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