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quinta-feira, 13 de novembro de 2025

A ciência concreta: entre a verdade, a experiência e o animal que mente

1. Introdução

Vivemos uma época em que a palavra ciência foi divorciada de sua natureza originária. Ciência passou a significar estatística, modelo matemático, relatório técnico, opinião de especialista — tudo frequentemente dissociado da experiência humana real, da vida concreta e, sobretudo, da verdade.

Mas se existe uma filosofia concreta, fundada na experiência direta e na prudência prática, também deve existir aquilo que podemos chamar de ciência concreta: um modo de conhecer que não é refém de abstrações úteis, mas que se ancora no real, na verdade e na integridade do espírito humano.

A distinção entre ciência concreta e ciência abstrata não é um detalhe técnico: é a diferença entre o conhecimento que conduz ao Caminho, à Verdade e à Vida, e o conhecimento que degenera no animal que mente — o homem que sacrifica a verdade em nome da conveniência imediata, e cuja mente se torna serva da ideologia.

2. A experiência direta como fundamento do conhecimento

Olavo de Carvalho expressou isso com clareza:

“A experiência humana direta sempre será o juiz da ciência, e nunca o contrário.”

Antes de qualquer teoria científica, havia a vida humana: milhões de pessoas vivendo, trabalhando, sofrendo, amando, educando filhos, enterrando seus mortos, buscando sentido.

Essa experiência direta — concreta, encarnada, irrepetível — é o verdadeiro solo sobre o qual qualquer saber legítimo deve crescer.

Sem ela, não existe ciência. Com ela, a ciência encontra seus limites naturais.

A ciência concreta nasce quando:

  • o conhecimento toca a vida real;

  • o que se afirma pode ser provado pelo sabor das coisas;

  • o critério de verdade é o contato com a realidade, e não o prestígio social do discurso.

3. O sabor das coisas: o teste último da realidade

Nenhuma teoria substitui a prova mais simples:

  • o pão é bom?

  • o vinho é autêntico?

  • este caminho é seguro?

  • este homem é confiável?

  • esta ação conduz ao bem?

  • esta experiência faz sentido?

O sabor das coisas — metáfora e realidade — é o tribunal incorruptível do conhecimento.

Ele nos impede de cair na arrogância de acreditar que um modelo estatístico sabe mais do que a experiência vivida por uma geração inteira.

É por isso que a ciência concreta é prudente, humana e verdadeira: ela se submete ao real, não o contrário.

4. O confronto entre o conveniente e sensato, e o conveniente e dissociado da verdade

Aqui está o ponto decisivo. Há duas formas de conveniência:

(1) o conveniente e sensato

— aquilo que é útil porque é verdadeiro
— aquilo que promove o bem
— aquilo que se alinha ao real
— aquilo que é prudente
— aquilo que se conforma ao Logos

(2) o conveniente e dissociado da verdade

— aquilo que é útil porque engana
— aquilo que é politicamente conveniente
— aquilo que serve ao poder, não à realidade
— aquilo que se afunda na ideologia
— aquilo que transforma o homem no “animal que mente”

A ciência concreta pertence ao primeiro tipo. A ciência abstrata-ideológica pertence ao segundo.

A primeira eleva o homem. A segunda o degrada.

5. A ciência concreta aponta para o Logos — e o Logos é Cristo

Toda verdade parcial aponta para a Verdade plena.

Toda ciência verdadeira — porque é humilde e fiel ao real — conduz o homem:

  • ao reconhecimento da ordem do universo,

  • ao respeito aos limites da consciência,

  • à reverência diante do mistério,

  • à percepção de que o real não é invenção humana,

  • ao encontro com o Logos.

E o Logos não é uma abstração filosófica. É uma Pessoa.

A ciência concreta, purificada pelo juízo da experiência, aponta para Cristo — o Caminho, a Verdade e a Vida.

A ciência ideológica aponta para o animal que mente — o homem que acredita poder reinventar a realidade.

6. A ciência abstrata e o nascimento da ideologia

Quando a ciência se afasta da realidade:

  • torna-se instrumento de poder;

  • serve interesses momentâneos;

  • troca a prudência pela utilidade;

  • produz certezas artificiais;

  • fabrica estatísticas que justificam políticas desumanas;

  • transforma-se em dogma sem Deus;

  • sufoca a liberdade em nome da técnica;

  • impõe modelos irreais para moldar pessoas reais.

Essa ciência não é conhecimento — é ideologia com verniz acadêmico.

É a ciência do animal que mente: aquele que prefere o útil ao verdadeiro.

7. A ciência concreta como reconciliação entre vida e conhecimento

A ciência concreta é a única capaz de reconciliar:

  • experiência e teoria;

  • prática e contemplação;

  • prudência e técnica;

  • verdade e utilidade;

  • liberdade e ordem;

  • razão e fé.

Ela nasce da vida, retorna à vida e se verifica na vida.

É o conhecimento que se deixa moldar pelo real — e não o contrário.

É a ciência que o homem vive, antes de medir.

8. Conclusão: a ciência que salva e a ciência que perde

A ciência concreta nos salva da ilusão moderna porque:

  • é honesta,

  • é humana,

  • é enraizada,

  • é humilde,

  • é responsável,

  • é verdadeira.

A ciência abstrata nos perde porque:

  • é mentirosa,

  • é descolada do real,

  • é seduzida pelo poder,

  • é útil demais para ser moral,

  • é perfeita demais para ser verdadeira.

Entre uma e outra, há um abismo.

Um lado nos conduz ao Logos. O outro nos conduz ao animal que mente.

A escolha é epistemológica — mas também espiritual. 

Bibliografia

1. Filosofia da Experiência Direta

  • Olavo de Carvalho — A Consciência da Imortalidade

  • Olavo de Carvalho — O Jardim das Aflições

  • Eric Voegelin — Science, Politics and Gnosticism

  • Michael Polanyi — Personal Knowledge

  • Gabriel Marcel — Homo Viator

  • Josef Pieper — Leisure: The Basis of Culture

  • Karol Wojtyła (João Paulo II) — A Pessoa e o Ato

  • Edith Stein — Ser Finito e Ser Eterno

2. Filosofia da Verdade e do Real

  • Aristóteles — Ética a Nicômaco

  • Aristóteles — Metafísica

  • Santo Tomás de Aquino — Suma Teológica

  • Romano Guardini — The End of the Modern World

  • Étienne Gilson — O Realismo Metafísico

  • Joseph Ratzinger — Introdução ao Cristianismo

3. Crítica ao Cientificismo e à Ciência Abstrata

  • Mary Midgley — Science as Salvation

  • Paul Feyerabend — Against Method

  • Thomas Kuhn — A Estrutura das Revoluções Científicas

  • Hans-Georg Gadamer — Verdade e Método

  • Marshall McLuhan — Understanding Media (sobre como tecnologia distorce percepções de verdade)

4. Ideologia, Mentira e Dissociação da Realidade

  • Hannah Arendt — Origens do Totalitarismo

  • Karl Popper — The Open Society and Its Enemies

  • Richard Weaver — Ideas Have Consequences

  • Aleksandr Solzhenitsyn — O Arquipélago Gulag

  • Feliks Koneczny — O Sistema de Civilizações (em várias traduções e edições)

5. Filosofia Cristã da Ciência e do Conhecimento

  • Stanley Jaki — The Savior of Science

  • Pierre Duhem — The Aim and Structure of Physical Theory

  • John Polkinghorne — Science and Providence

  • C. S. Lewis — Milagres

  • Blaise Pascal — Pensées

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