Resumo
A transposição da tese da fronteira de Frederick Jackson Turner, originalmente formulada para interpretar a História Americana, para a História do Brasil entre 1500 e 1822 produz um impacto profundo sobre as categorias tradicionais de interpretação. Se o Brasil fpr lido como fronteira civilizacional — e não como colônia de exploração —, rompe-se com a narrativa de dependência estrutural e confirma-se a tese de Tito Lívio Ferreira, que via o território americano como projeção orgânica da monarquia portuguesa, e não como apêndice subordinado. Este artigo demonstra que a lógica da fronteira ilumina o caráter criador, autônomo e institucionalmente robusto da sociedade luso-brasileira, minando a historiografia marxista da USP e revelando o Brasil como um espaço de expansão da Cristandade ibérica vinculada ao pacto de Ourique.
1. Introdução
A historiografia brasileira dominante ao longo do século XX interpretou o Brasil como colônia de exploração, submetida à lógica mercantilista de Portugal. Essa leitura, difundida sobretudo pela escola paulista (Caio Prado Júnior, Fernando Novais), apoia-se no paradigma centro–periferia e na ideia de que o Brasil teria surgido por necessidade econômica da metrópole.
No entanto, essa narrativa ignora:
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o profundo autogoverno municipal desde o século XVI;
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a expansão territorial realizada pela gente da terra, e não pelo Estado português;
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a estrutura político-religiosa do império português como monarquia pluricontinental, e não como império colonial clássico;
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o ethos civilizacional missionário herdado de Ourique, estruturante da expansão ultramarina.
A leitura alternativa proposta por Tito Lívio Ferreira vê o Brasil não como colônia, mas como prolongamento civilizacional de Portugal. Quando incorporamos a tese da fronteira de Turner, esse quadro se reorganiza radicalmente.
2. A tese da fronteira: a fronteira como criadora de civilização
Turner formulou em 1893 uma tese decisiva: a história dos Estados Unidos deve ser entendida como a história de uma fronteira em movimento, geradora de instituições, ethos político, economia e identidade.
Características centrais da fronteira turneriana:
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Zona de reinvenção social onde velhas instituições se enfraquecem e novas surgem.
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Protagonismo local: a sociedade civil precede o Estado formal.
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Construção institucional desde baixo (bottom-up).
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Expansão física = expansão espiritual, moral e política.
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Formação de um “homem novo” adaptado ao meio, criador de novas formas de vida.
Em suma, a fronteira não é periferia, mas vanguarda civilizacional.
3. O Brasil (1500–1822) como fronteira civilizacional da Cristandade ibérica
3.1. A lógica de povoamento, não de entreposto
A colonização portuguesa não seguiu o modelo inglês ou francês. Em vez de entrepostos fortificados ou colônias estritamente extrativas, o que se observa no Brasil é:
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criação contínua de vilas e câmaras municipais;
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concessão de sesmarias para povoar, não apenas produzir;
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miscigenação institucionalizada (casamentos, aldeamentos, missões);
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presença estruturante da Igreja como agente de conversão, aldeamento e educação;
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uma sociedade que, já no século XVI, cria elites locais, direito consuetudinário, milícias e economia própria.
Isso coincide ponto a ponto com o processo de fronteira de Turner.
3.2. A expansão territorial como obra dos brasileiros
Bandeiras, entradas, monções, conquista amazônica, fixação no Sul, contornos do Oeste — nada disso foi ordenado pela metrópole. Quem expandiu o território foi:
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o paulista bandeirante;
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o missionário jesuíta e franciscano;
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o sertanista luso-brasileiro;
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o fazendeiro criador de gado rumo ao sertão;
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a câmara municipal articulando poder local.
A coroa acompanhava; não liderava.
Assim, o Brasil se constrói como sociedade de fronteira, não como “quintal” de Lisboa.
3.3. Autonomia municipal e institucionalidade pré-estatal
A Câmara Municipal, desde 1530, exercia:
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poder judicial;
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poder fiscal;
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poder administrativo;
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poder militar (ordenanças, milícias).
Esse nível de autonomia é incompatível com o conceito clássico de colônia. E coincide integralmente com o que Turner observou na América: primeiro o município, depois o Estado; primeiro a comunidade, depois o reino.
3.4. A identidade brasileira se forma antes de 1822
Com a ótica frontier, 1822 não funda o Brasil; apenas formaliza uma realidade já consolidada:
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economia interna articulada;
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mercado doméstico estável;
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elite da terra estruturada;
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cultura religiosa unificada;
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idioma próprio;
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território integrado;
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consciência de pertença comum.
O Brasil de 1822 é o fechamento do ciclo de fronteira, como os EUA de 1890.
4. Tito Lívio Ferreira e a negação do paradigma colonial
Tito Lívio Ferreira argumentou que o Brasil nunca foi colônia, mas parte integrante da nação portuguesa ampliada, dentro da estrutura de um império espiritual e civilizacional, não mercantilista. Para ele:
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Portugal não separava metrópole e ultramar;
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a expansão era missionária antes de econômica;
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o Brasil desenvolveu instituições próprias desde o início;
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a sociedade brasileira não era “apêndice”, mas raiz de um novo ramo da mesma árvore civilizacional.
A leitura turneriana simplesmente dá fundamento sociológico e antropológico ao que Tito Lívio afirmava historicamente.
A fronteira é a categoria que:
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explica a autonomia;
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explica a expansão territorial;
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explica a originalidade institucional;
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explica a formação de identidade;
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explica o nascimento do Brasil como corpo político distinto bem antes da Independência.
Portanto, aplicar Turner ao Brasil é, de fato, dinamitar o paradigma colonial clássico e confirmar a tese de Tito Lívio Ferreira.
5. Ourique, missão e expansão civilizacional
Um aspecto especificamente português que Turner não tem como captar é o pacto de Ourique, segundo o qual a missão da monarquia portuguesa é expandir a Cristandade e instaurar a ordem de Cristo sobre novas terras.
Assim, a expansão portuguesa:
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não é comercial, mas espiritual;
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não é imperialista, mas evangelizadora;
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não busca submissão, mas integração;
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não cria colônias, mas províncias da Fé.
Nesse sentido, o Brasil é o espaço privilegiado do cumprimento histórico dessa missão. A fronteira brasileira é uma fronteira cristã, não secular. E isso reforça ainda mais a tese de Tito Lívio: o Brasil não é colônia — é chamado.
6. Conclusão
A aplicação da frontier thesis à História do Brasil gera três consequências:
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Demole o paradigma metrópole–colônia: o Brasil não se encaixa no modelo extrativo clássico.
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Revela uma sociedade de fronteira: criadora, autônoma, expansionista, missionária e institucionalmente vigorosa.
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Confirma Tito Lívio Ferreira: o Brasil é parte orgânica da expansão civilizacional portuguesa, não fruto de dependência econômica ou política.
Assim, do ponto de vista civilizacional, o Brasil (1500–1822) é não uma colônia, mas um novo ramo da Cristandade ibérica, resultado do dinamismo próprio da fronteira de transformar o sertão em sociedade, a mata em vila e a terra nova em Reino.
Bibliografia Comentada
Frederick Jackson Turner – The Frontier in American History
Obra fundadora da tese da fronteira. Turner analisa o impacto do avanço constante do leste ao oeste na formação do caráter americano, destacando a criação institucional desde baixo, o pragmatismo, a democracia local e o protagonismo social. Essencial para compreender o que significa fronteira como categoria civilizacional.
Tito Lívio Ferreira – História do Brasil e do Mundo Português
Uma das vozes mais sólidas contra a visão colonialista ortodoxa. Tito Lívio demonstra, a partir de arquivos e análises institucionais, que o Brasil fazia parte de uma estrutura estatal pluricontinental e tinha autonomia crescente desde cedo. Fundamenta a tese da integração orgânica.
Vitorino Magalhães Godinho – Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa
Analisa o império português não como sistema colonial clássico, mas como rede pluricontinental organizada por vínculos culturais, religiosos e institucionais. Reforça a noção de que o ultramar era extensão do próprio Reino, e não periferia.
Charles R. Boxer – O Império Marítimo Português
Boxer evidencia a especificidade da expansão portuguesa, marcada por alianças locais, miscigenação, autonomia municipal e integração orgânica. Embora não rejeite a palavra “colônia”, descreve um sistema muito diferente do colonialismo moderno francês e inglês.
Fernando Pessoa – Mensagem
Embora literária, esta obra expressa a mística de expansão espiritual portuguesa, derivada de Ourique. Ajuda a compreender a dimensão teleológica da expansão ultramarina como missão cristã e não meramente econômica.
Sérgio Buarque de Holanda – Monções
Mostra como o interior brasileiro foi conquistado e organizado por grupos locais independentes da metrópole, revelando claramente o Brasil como processo frontier.
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