1. Introdução: o ponto de vista externo
Se internamente a empresa funciona como uma microcidade regida por um prefeito corporativo, externamente ela funciona como uma cidade-serva, isto é, uma comunidade subordinada, integrada e servidora da municipalidade na qual se insere.
A relação entre empresa e município não é apenas fiscal ou regulatória: é uma relação orgânica de servidão política, no sentido aristotélico-tomista do termo, onde “servir” significa integrar-se a uma ordem maior, cooperar com ela e participar do bem comum da polis maior.
2. A municipalidade vista como metapólis
O município é a metapólis, a cidade maior que ordena e integra várias “microcidades” corporativas. Assim como:
-
a cidade integra bairros,
-
o bairro integra ruas,
-
as ruas integram residências,
também:
-
a municipalidade integra distritos econômicos,
-
os distritos integram empresas-ecossistemas,
-
as empresas integram equipes,
-
as equipes integram indivíduos.
Essa visão é coerente com a sociologia clássica (Tönnies, Durkheim) e com a filosofia política (Aristóteles), que sempre viram a comunidade humana como um corpo de corpos, um todo composto de partes vivas e ordenadas.
3. A empresa como cidade-serva
Do ponto de vista externo, a empresa:
3.1. é serva da municipalidade porque:
-
depende das vias públicas;
-
depende da infraestrutura urbana (energia, transporte, saneamento, segurança);
-
precisa de trabalhadores formados pelo sistema educacional do município;
-
precisa do ordenamento jurídico municipal;
-
contribui com impostos e taxas;
-
deve cumprir normas de urbanismo, meio ambiente, ruído, tráfego e zoneamento.
A “servidão” aqui não é servidão feudal, mas servidão aristotélica: participar de uma ordem superior para poder realizar seu próprio bem.
A empresa, sozinha, não se sustenta como comunidade plena. Ela precisa da polis maior. É um ecossistema depedente.
3.2. é cidade-serva porque constitui uma comunidade viva
Ela não é apenas espaço físico e jurídico. É:
-
centro de convivência;
-
núcleo de cooperação social;
-
espaço de produção de riqueza;
-
comunidade moral (com valores próprios);
-
comunidade simbólica (com cultura própria).
Assim como bairros, vilas e cidades-satélite servem e complementam a metrópole, também as empresas servem e complementam a municipalidade.
4. A formação natural de distritos
A partir do momento em que várias empresas-ecossistema — isto é, cidades corporativas — se concentram numa mesma área geográfica e todas se relacionam com a municipalidade num regime de servidão cooperativa, forma-se naturalmente um distrito.
4.1. O distrito é, assim, uma comunidade de microcidades
Ele emerge quando:
-
empresas do mesmo setor se agrupam;
-
empresas complementares se interligam;
-
trabalhadores circulam entre elas;
-
infraestruturas são compartilhadas;
-
uma identidade produtiva territorial se forma (têxtil, tecnológico, naval, metalúrgico, cultural etc.).
Exemplos clássicos desse fenômeno (embora descritos com outras palavras):
-
Vale do Silício;
-
Distritos industriais italianos (Marshall);
-
Ruhr alemã;
-
Shenzhen na China;
-
Camaçari e Cubatão no Brasil (petroquímica);
-
Blumenau (têxtil).
Essas regiões não são apenas agrupamentos industriais: são territórios de microcidades corporativas integradas a uma macroestrutura municipal.
5. A servidão como condição de reciprocidade
É preciso destacar que servidão não é submissão, mas ordem e reciprocidade:
5.1. A municipalidade serve as empresas
-
infraestrutura,
-
serviços públicos,
-
regulação,
-
segurança,
-
transporte.
5.2. As empresas servem a municipalidade
-
geração de emprego,
-
inovação,
-
arrecadação,
-
dinamismo econômico,
-
identidade territorial.
A melhor palavra aristotélica para essa relação é symploké: entrelaçamento ordenado, mútuo e necessário.
6. Consequências políticas da teoria
6.1. A empresa como “bairro político”
Ela tem voz na discussão municipal (condomínios, associações empresariais, conselhos).
6.2. O distrito como órgão da polis
Um distrito econômico é tão essencial quanto um distrito residencial.
6.3. O CEO como agente político municipal
Não formalmente político, mas politicamente relevante.
6.4. A necessidade de pactos territoriais
A política territorial deve tratar empresas como comunidades e não apenas como CNPJs.
7. Conclusão
Do ponto de vista externo:
-
A empresa é uma cidade.
-
O CEO é seu prefeito.
-
O município é a metacidade que organiza e integra essas microcidades.
-
A relação entre ambos é de servidão cooperativa.
-
A concentração geográfica dessas microcidades forma distritos.
Essa é uma nova teoria da territorialidade econômica: a economia como geografia política das empresas-cidades.
Bibliografia Comentada
1. Fernand Braudel — Civilização Material, Economia e Capitalismo
Braudel apresenta a economia como uma ecologia histórica. Sua noção de “economia-mundo” inspira aqui a visão das empresas como microcosmos sociais interligados por regulações e estruturas territoriais.
2. Max Weber — Economia e Sociedade
Weber descreve a empresa moderna como um sistema racional-burocrático. Sua análise da dominação legal-racional explica o aspecto de “servidão administrativa”: a empresa submete-se ao Estado como parte da ordem legítima.
3. Henri Lefebvre — A Produção do Espaço
Lefebvre mostra como o espaço urbano é produzido socialmente. O conceito de distrito como unidade emergente de interações socioeconômicas deriva diretamente de sua teoria do espaço enquanto produto coletivo.
4. Jane Jacobs — The Economy of Cities
Jacobs defende que as cidades produzem economia por meio da concentração de diversidade. Seu raciocínio ilumina como distritos surgem organicamente e como empresas comportam-se como células urbanas vivas.
5. Douglass North — Institutions, Institutional Change and Economic Performance
North enfatiza que instituições moldam o desempenho econômico. A relação municipalidade-empresa, vista como servidão administrativa, é uma manifestação de instituições formais moldando comportamentos econômicos regionais.
6. Elinor Ostrom — Governing the Commons
Embora focada em bens comuns, a teoria de Ostrom ajuda a compreender como empresas de um distrito podem formar governanças coletivas emergentes quando compartilham recursos territoriais (infraestrutura, externalidades, mão de obra).
7. Saskia Sassen — Territory, Authority, Rights
Sassen aborda a fragmentação e recomposição da autoridade territorial no capitalismo contemporâneo. Sua obra fundamenta a ideia de que empresas são espaços de autoridade interna integrados em ordens territoriais maiores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário