1. Abertura: o moderador apresenta os debatedores
Moderador:
Recebemos hoje dois autores fundamentais para compreender as matrizes civilizacionais do Ocidente
:
• Martin Goodman, historiador britânico, autor de Roma and Jerusalem: The Clash of Ancient Civilizations (2007), que descreve como Roma e o Judaísmo colidiram cultural e politicamente, gerando consequências estruturais para o futuro do cristianismo, do judaísmo rabínico e do próprio Império Romano.
• Feliks Koneczny, historiador e filósofo polonês, autor de O Świętej Pluralności Cywilizacyjnej (Sobre a Pluralidade das Civilizações), que elaborou uma tipologia das civilizações conforme suas “normas de vida coletiva”.
Ambos lidam com “civilizações”, mas por métodos diferentes. Hoje eles discutirão como Roma e Judaísmo devem ser entendidos dentro da teoria civilizacional.
2. Tema 1 — O que é uma civilização? Choque ou diferença qualitativa?
Goodman:
“Professor Koneczny, eu partilho sua preocupação com o entrechoque de culturas. Mas em meu livro eu demonstro que Roma e Judaísmo não estavam predestinados a um choque civilizacional.
O que ocorreu foi resultado de contingências históricas:
– administração romana pesada;
– incompreensão recíproca;
– tensões políticas localizadas;
– expectativas teológicas de autonomia no Judaísmo;
– e, sobretudo, a destruição do Templo em 70 d.C.
Ou seja: não acho que Roma e Jerusalém eram civilizações inconciliáveis por princípio. Foram duas culturas fortes colocadas sob pressão.”
Koneczny:
“Professor Goodman, com todo o respeito pela erudição dos fatos, permita-me recordar: civilizações não se explicam apenas por circunstâncias; explicam as circunstâncias.
Roma e o Judaísmo pertencem a civilizações distintas:
– Roma opera segundo o princípio romano-latino, fundado na lex, na objetivação do direito e na primazia da ordem jurídica;
– O Judaísmo opera segundo o que denomino a civilização judaica, cuja essência é a lei como etnia, a fusão de religião e nacionalidade, onde a moral é seletiva — uma ética interna ao povo, não universal.
Portanto, mesmo que não houvesse um Tito, um Vespasiano ou um Herodes, as tensões surgiriam. Não por acaso Josephus registra que os judeus viam os romanos como intrusos impuros, e Roma via Jerusalém como excepcionalmente refratária à assimilação.”
Goodman responde:
“Mas isso é atribuir uma essência fixa às sociedades. Minha pesquisa mostra que muitos judeus aderiram a práticas romanas — desde a arquitetura herodiana até o uso da moeda e da língua grega. E Roma, por sua vez, tolerava religiões locais, desde que a ordem imperial não fosse ameaçada. A Guerra Judaica foi resultado de radicais que arrastaram a população.”
Koneczny retruca:
“A assimilação material não é assimilação de civilização. Adotar banhos romanos, moedas ou arquitetura não converte uma civilização na outra.
Roma permitia cultos locais desde que o culto não colidisse com sua ordem moral e jurídica. O Judaísmo, porém, não é um culto local entre outros. É totalizante. É uma lei de vida inteira, não apenas religiosa.
Roma não podia tolerar um povo cuja lei não reconhecia o princípio romano do ius gentium. E o Judaísmo não podia reconhecer Roma como autoridade moral sobre sua lei divina.
O choque era moral, não político.”
3. Tema 2 — O papel do Cristianismo entre Roma e Jerusalém
Goodman:
“O surgimento do Cristianismo deve ser visto como uma terceira força histórico-religiosa surgida dentro do Judaísmo, que posteriormente se helenizou e se romanizou. A destruição do Templo colocou o Judaísmo e o Cristianismo em rotas diferentes: um torna-se rabínico; o outro torna-se universal.”
Koneczny:
“E aqui eu concordo parcialmente com o senhor. O Cristianismo é o ponto de ruptura que converte o ethos judaico em uma civilização universal, ao separá-lo de sua etnicidade. Mas o Cristianismo só se torna uma civilização plena ao unir-se à forma jurídica romana. Roma dá ao Cristianismo sua institucionalidade e seu universalismo político; Jerusalém lhe dá sua metafísica.”
Goodman provoca:
“Mas isso não confirma minha tese? Que o conflito Roma–Judeus não era ontológico, porque justamente a fusão Roma–Cristianismo gerou uma síntese possível?”
Koneczny corta:
“Não. A síntese foi possível porque o Cristianismo abandonou os elementos da civilização judaica que tornavam essa civilização inconciliável com Roma. A civilização latina-cristã nasce por rejeição da etnicidade da lei judaica e por elevação da moral universal. Cristo unifica Roma e Jerusalém porque separa o que era inseparável no Judaísmo:
– religião
– e etnos.
Com isso, Roma cristianizada supera Jerusalém.”
4. Tema 3 — O conceito de moral: universal ou particular?
Goodman:
“O anticulturalismo romano diante dos judeus não foi moral, mas administrativo. Roma queria ordem; Jerusalém queria autonomia religiosa.”
Koneczny:
“Roma queria ordem fundada em uma ética jurídica universal. O Judaísmo queria ordem fundada em uma ética particularista. A diferença é qualitativa. Não é um conflito entre duas administrações: é um conflito entre duas concepções de moral.”
Goodman questiona:
“Mas então o senhor diria que o Judaísmo é inferior?”
Koneczny responde com franqueza polonesa:
“Civilizações não são superiores ou inferiores em termos absolutos, mas em termos de capacidade de universalização moral.
A civilização latina-cristã é superior porque universaliza:
– o direito,
– a moral,
– e a dignidade humana.
A civilização judaica não universaliza; ela segrega por eleição”.
5. Tema 4 — Roma como Terceira Via entre Oriente e Ocidente
Goodman:
“Roma era pragmática: absorvia o que funcionava. Isso explica sua longevidade.”
Koneczny:
“Roma só pôde absorver porque tinha um centro moral nítido:
– o direito;
– a ordem racional;
– a objetividade jurídica.
Sem isso, Roma seria apenas um império orientalizado. É a solidez de seu princípio que a permitiu receber o Cristianismo e, com ele, superar parcialmente a própria matriz romana. A Roma Cristã torna-se, então, a grande civilização latina, que eu considero a mais alta forma de civilização já criada.”
6. Tema 5 — O que permanece do choque Roma–Jerusalém hoje?
Goodman:
“O conflito permanece sobretudo no campo simbólico:
– na leitura cristã da Antiguidade;
– na memória judaica da destruição;
– na formação de identidades religiosas.”
Koneczny:
“E eu diria algo mais profundo: O conflito permanece na tensão entre moral universal e moral grupal, algo que vemos na política moderna, nas ideologias identitárias, nos nacionalismos étnicos e até no positivismo jurídico dissociado de fundamento moral. Roma e Jerusalém continuam vivas como formas arquetípicas.”
7. Encerramento — Síntese das divergências e convergências
Convergências:
✔ Ambos reconhecem que Roma e Judaísmo representaram universos sociais muito distintos.
✔ Ambos reconhecem o Cristianismo como elemento decisivo para a solução histórica do conflito.
✔ Ambos concordam que a destruição do Templo em 70 d.C. marca um ponto de ruptura.
Divergências:
• Goodman — Conflito contingencial, fruto de erros políticos e militares.
• Koneczny — Conflito civilizacional essencial, derivado de estruturas morais incompatíveis.
• Goodman — Culturas mutáveis, capazes de adaptação recíproca.
• Koneczny — Civilizações têm núcleos éticos rígidos; adaptações materiais não alteram essências morais.
• Goodman — Cristianismo como fruto do Judaísmo que se universalizou.
• Koneczny — Cristianismo como purificação do moral universal, rompendo com o particularismo judaico.
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