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domingo, 16 de novembro de 2025

O Terceiro Templo de Jerusalém e o erro civilizacional fundado nisso: Feliks Koneczny e a crítica à cooperação brasileira com Israel nesse projeto, durante o Governo Bolsonaro

Resumo

Este artigo examina, à luz da teoria das civilizações de Feliks Koneczny, a cooperação do governo Bolsonaro com Israel no apoio simbólico e político ao Terceiro Templo de Jerusalém. Analisa-se a incompatibilidade entre a civilização latina-cristã e a civilização judaica, a distinção entre moral universal e moral particularista, o papel do sacrifício ritual na história bíblica e sua superação pelo Cristianismo. Conclui-se que a participação do Brasil nesse projeto constitui um erro civilizacional profundo, pois implica regressão simbólica à matriz que o Cristianismo superou, confusão epistemológica entre escatologia e geopolítica, e apropriação de uma agenda civilizacional estranha à natureza moral do Brasil.

1. Introdução: civilizações têm normas de vida, não apenas símbolos religiosos

Feliks Koneczny (1862–1949), historiador e filósofo polonês, formulou uma das mais avançadas teorias civilizacionais do século XX. Para ele:

  • civilizações são sistemas de normas de vida coletiva,

  • cada civilização possui uma moral estruturante,

  • diferentes civilizações podem coexistir, mas não se fundem,

  • e certas civilizações possuem princípios mutuamente incompatíveis.

Dentro dessa tipologia, duas civilizações são particularmente relevantes para entender o problema do Terceiro Templo:

1. Civilização Latina (ou Romano-Cristã)

Baseada na síntese entre:

  • Direito romano

  • Filosofia grega

  • Moral universal cristã

É a civilização da dignidade humana universal, do direito natural e da separação orgânica entre esferas (religiosa, jurídica, política).

2. Civilização Judaica

Baseada na fusão entre:

  • religião,

  • etnia,

  • lei ritual,

  • e identidade nacional.

É uma civilização particularista, cujo centro é a relação exclusiva entre Deus e um povo específico.

Para Koneczny, o Cristianismo nasce do Judaísmo não como continuidade civilizacional, mas como ruptura:

O Cristianismo separa religião de etnicidade e universaliza a moral que antes era restrita.

Logo, toda tentativa de restaurar instituições rituais judaicas — sobretudo o Templo — não é apenas religiosa: é civilizacional.

2. O Terceiro Templo: símbolo máximo da civilização judaica

O Templo não é um edifício: é a instituição central da civilização judaica pré-cristã.

Sua reconstrução implica:

  1. Retomada do sistema sacerdotal (kohanim e levitas);

  2. Restauração dos sacrifícios rituais;

  3. Reinstauração da lei ritual como centro da vida nacional;

  4. Reorganização da identidade nacional sob critérios religiosos;

  5. Renovação de uma moral particularista, centrada na eleição de Israel.

Segundo Koneczny, isso constitui:

  • uma reafirmação da civilização judaica como bloco moral independente;

  • uma inversão simbólica da superação cristã;

  • um retorno a formas pré-universais de vida religiosa.

Logo, para um Estado cristão-latino, apoiar isso é promover uma civilização que não é a sua.

3. O Cristianismo aboliu o Templo — e isso é civilizacional, não apenas teológico

Koneczny entende o Cristianismo como:

  • a universalização da moral

  • a separação entre fé e etnicidade

  • o fim dos sacrifícios rituais

  • a abertura da comunidade humana para além do sangue e da tribo.

Nesse sentido, a destruição do Templo em 70 d.C. não é apenas um evento histórico; é o marco da transição civilizacional.

Para o Cristianismo, o sacrifício ritual do Templo é:

  • desnecessário, porque Cristo é o sacrifício pleno;

  • superado, porque o véu do Templo se rasga;

  • absorvido, porque a nova Aliança abole a antiga forma legal.

Portanto:

A reconstrução do Templo é, simbolicamente, uma negação do Cristianismo.

Não como ataque, mas como retorno ao estágio anterior da revelação.

E qualquer Estado cristão que apoie esse retorno estaria negando sua própria matriz civilizacional.

4. Por que Bolsonaro errou civilizacionalmente, segundo Koneczny?

4.1. Erro 1 — Confusão de civilizações

Para Koneczny, o primeiro erro seria confundir civilizações distintas.

O Brasil pertence à civilização latina cristã. O Terceiro Templo pertence à civilização judaica.

Apoiar o Templo é como apoiar:

  • a restauração de práticas legais hinduístas;

  • ou a reinstituição de imperadores confucianos;

  • ou a sharia islâmica.

Cada civilização possui sua lógica — mas apoiar uma civilização externa em seu ápice simbólico é violar a própria unidade moral.

4.2. Erro 2 — Confundir escatologia protestante com política nacional

Bolsonaro, influenciado por setores evangélicos dispensacionalistas, associou:

  • o Terceiro Templo,

  • a volta de Cristo,

  • e alianças geopolíticas com Israel.

Para Koneczny, isso é:

  • bizantinismo religioso: política guiada por emoção escatológica;

  • turânico: culto a símbolos externos como justificativa para ações políticas;

  • anti-latino: abandono da distinção entre esferas racionalmente ordenadas.

A civilização latina exige que a fé informe a moral, não a geopolítica.

4.3. Erro 3 — Violação da moral universal cristã

A civilização judaica opera sob moral grupal (dirigida primordialmente ao povo de Israel). A civilização latina opera sob moral universal (para a humanidade inteira).

Apoiar o Templo significa, na prática, favorecer:

  • o retorno da moral grupal;

  • a validação de estruturas rituais pré-universais;

  • a primazia do particular sobre o universal.

Isso é, para Koneczny, uma regressão.

4.4. Erro 4 — Abandono da identidade civilizacional brasileira

O Brasil é:

  • romano em direito;

  • católico em moral;

  • ibérico em estrutura histórica;

  • latino-cristão em espírito.

Nenhuma dessas dimensões contém afinidade essencial com o Templo.

Portanto, apoiar o Terceiro Templo é:

  • abandonar a própria matriz brasileira;

  • alinhar-se a símbolos estranhos;

  • trocar a tradição de Ourique por uma agenda civilizacional estrangeira;

  • submeter a política nacional a uma teologia importada.

Para Koneczny, isso seria um ato de autonegação civilizacional.

5. O julgamento final de Koneczny

Se Feliks Koneczny vivesse hoje, ele diria algo próximo ao seguinte:

“A civilização latina não pode apoiar a restauração de instituições rituais da civilização judaica sem negar a si mesma. A Aliança Nova aboliu a necessidade do Templo. A reconstrução do Templo é um ato pertencente à lógica interna da civilização judaica; não da romana-cristã. Que um Estado latino colabore para isso é sinal de profunda confusão civilizacional e abandono de sua identidade moral.”

Portanto:

Bolsonaro não erra politicamente — erra civilizacionalmente.

Não erra contra Israel — erra contra o Brasil.

Não erra contra a direita — erra contra a tradição latina da qual ele próprio é herdeiro.

E esse erro não é pequeno: ele rebaixa a consciência civilizacional brasileira ao nível de uma geopolítica religiosa importada, alheia à nossa história.

6. Conclusão

O Terceiro Templo é um símbolo legítimo — mas não nosso.

Apoiar sua reconstrução é:

  • confundir fé com geopolítica,

  • confundir Cristianismo com Judaísmo,

  • confundir civilização latina com civilização judaica,

  • e romper com Ourique, com Roma, com a Igreja e com o próprio modelo civilizacional brasileiro.

À luz de Koneczny, trata-se de um erro civilizacional profundo, que só ocorre quando um povo perde consciência de sua própria forma moral de vida.

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