Resumo
Este artigo examina, à luz da teoria das civilizações de Feliks Koneczny, a cooperação do governo Bolsonaro com Israel no apoio simbólico e político ao Terceiro Templo de Jerusalém. Analisa-se a incompatibilidade entre a civilização latina-cristã e a civilização judaica, a distinção entre moral universal e moral particularista, o papel do sacrifício ritual na história bíblica e sua superação pelo Cristianismo. Conclui-se que a participação do Brasil nesse projeto constitui um erro civilizacional profundo, pois implica regressão simbólica à matriz que o Cristianismo superou, confusão epistemológica entre escatologia e geopolítica, e apropriação de uma agenda civilizacional estranha à natureza moral do Brasil.
1. Introdução: civilizações têm normas de vida, não apenas símbolos religiosos
Feliks Koneczny (1862–1949), historiador e filósofo polonês, formulou uma das mais avançadas teorias civilizacionais do século XX. Para ele:
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civilizações são sistemas de normas de vida coletiva,
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cada civilização possui uma moral estruturante,
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diferentes civilizações podem coexistir, mas não se fundem,
-
e certas civilizações possuem princípios mutuamente incompatíveis.
Dentro dessa tipologia, duas civilizações são particularmente relevantes para entender o problema do Terceiro Templo:
1. Civilização Latina (ou Romano-Cristã)
Baseada na síntese entre:
-
Direito romano
-
Filosofia grega
-
Moral universal cristã
É a civilização da dignidade humana universal, do direito natural e da separação orgânica entre esferas (religiosa, jurídica, política).
2. Civilização Judaica
Baseada na fusão entre:
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religião,
-
etnia,
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lei ritual,
-
e identidade nacional.
É uma civilização particularista, cujo centro é a relação exclusiva entre Deus e um povo específico.
Para Koneczny, o Cristianismo nasce do Judaísmo não como continuidade civilizacional, mas como ruptura:
O Cristianismo separa religião de etnicidade e universaliza a moral que antes era restrita.
Logo, toda tentativa de restaurar instituições rituais judaicas — sobretudo o Templo — não é apenas religiosa: é civilizacional.
2. O Terceiro Templo: símbolo máximo da civilização judaica
O Templo não é um edifício: é a instituição central da civilização judaica pré-cristã.
Sua reconstrução implica:
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Retomada do sistema sacerdotal (kohanim e levitas);
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Restauração dos sacrifícios rituais;
-
Reinstauração da lei ritual como centro da vida nacional;
-
Reorganização da identidade nacional sob critérios religiosos;
-
Renovação de uma moral particularista, centrada na eleição de Israel.
Segundo Koneczny, isso constitui:
-
uma reafirmação da civilização judaica como bloco moral independente;
-
uma inversão simbólica da superação cristã;
-
um retorno a formas pré-universais de vida religiosa.
Logo, para um Estado cristão-latino, apoiar isso é promover uma civilização que não é a sua.
3. O Cristianismo aboliu o Templo — e isso é civilizacional, não apenas teológico
Koneczny entende o Cristianismo como:
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a universalização da moral
-
a separação entre fé e etnicidade
-
o fim dos sacrifícios rituais
-
a abertura da comunidade humana para além do sangue e da tribo.
Nesse sentido, a destruição do Templo em 70 d.C. não é apenas um evento histórico; é o marco da transição civilizacional.
Para o Cristianismo, o sacrifício ritual do Templo é:
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desnecessário, porque Cristo é o sacrifício pleno;
-
superado, porque o véu do Templo se rasga;
-
absorvido, porque a nova Aliança abole a antiga forma legal.
Portanto:
A reconstrução do Templo é, simbolicamente, uma negação do Cristianismo.
Não como ataque, mas como retorno ao estágio anterior da revelação.
E qualquer Estado cristão que apoie esse retorno estaria negando sua própria matriz civilizacional.
4. Por que Bolsonaro errou civilizacionalmente, segundo Koneczny?
4.1. Erro 1 — Confusão de civilizações
Para Koneczny, o primeiro erro seria confundir civilizações distintas.
O Brasil pertence à civilização latina cristã. O Terceiro Templo pertence à civilização judaica.
Apoiar o Templo é como apoiar:
-
a restauração de práticas legais hinduístas;
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ou a reinstituição de imperadores confucianos;
-
ou a sharia islâmica.
Cada civilização possui sua lógica — mas apoiar uma civilização externa em seu ápice simbólico é violar a própria unidade moral.
4.2. Erro 2 — Confundir escatologia protestante com política nacional
Bolsonaro, influenciado por setores evangélicos dispensacionalistas, associou:
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o Terceiro Templo,
-
a volta de Cristo,
-
e alianças geopolíticas com Israel.
Para Koneczny, isso é:
-
bizantinismo religioso: política guiada por emoção escatológica;
-
turânico: culto a símbolos externos como justificativa para ações políticas;
-
anti-latino: abandono da distinção entre esferas racionalmente ordenadas.
A civilização latina exige que a fé informe a moral, não a geopolítica.
4.3. Erro 3 — Violação da moral universal cristã
A civilização judaica opera sob moral grupal (dirigida primordialmente ao povo de Israel). A civilização latina opera sob moral universal (para a humanidade inteira).
Apoiar o Templo significa, na prática, favorecer:
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o retorno da moral grupal;
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a validação de estruturas rituais pré-universais;
-
a primazia do particular sobre o universal.
Isso é, para Koneczny, uma regressão.
4.4. Erro 4 — Abandono da identidade civilizacional brasileira
O Brasil é:
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romano em direito;
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católico em moral;
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ibérico em estrutura histórica;
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latino-cristão em espírito.
Nenhuma dessas dimensões contém afinidade essencial com o Templo.
Portanto, apoiar o Terceiro Templo é:
-
abandonar a própria matriz brasileira;
-
alinhar-se a símbolos estranhos;
-
trocar a tradição de Ourique por uma agenda civilizacional estrangeira;
-
submeter a política nacional a uma teologia importada.
Para Koneczny, isso seria um ato de autonegação civilizacional.
5. O julgamento final de Koneczny
Se Feliks Koneczny vivesse hoje, ele diria algo próximo ao seguinte:
“A civilização latina não pode apoiar a restauração de instituições rituais da civilização judaica sem negar a si mesma. A Aliança Nova aboliu a necessidade do Templo. A reconstrução do Templo é um ato pertencente à lógica interna da civilização judaica; não da romana-cristã. Que um Estado latino colabore para isso é sinal de profunda confusão civilizacional e abandono de sua identidade moral.”
Portanto:
Bolsonaro não erra politicamente — erra civilizacionalmente.
Não erra contra Israel — erra contra o Brasil.
Não erra contra a direita — erra contra a tradição latina da qual ele próprio é herdeiro.
E esse erro não é pequeno: ele rebaixa a consciência civilizacional brasileira ao nível de uma geopolítica religiosa importada, alheia à nossa história.
6. Conclusão
O Terceiro Templo é um símbolo legítimo — mas não nosso.
Apoiar sua reconstrução é:
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confundir fé com geopolítica,
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confundir Cristianismo com Judaísmo,
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confundir civilização latina com civilização judaica,
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e romper com Ourique, com Roma, com a Igreja e com o próprio modelo civilizacional brasileiro.
À luz de Koneczny, trata-se de um erro civilizacional profundo, que só ocorre quando um povo perde consciência de sua própria forma moral de vida.
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