Introdução
Entre as distorções características da política moderna, nenhuma talvez seja tão emblemática quanto a instrumentalização da raça como fundamento de políticas públicas. À primeira vista, iniciativas como as cotas raciais podem parecer gestos de reparação social; no entanto, quando analisadas à luz de uma crítica espiritual, filosófica e institucional mais profunda, revelam algo muito mais inquietante: a tentativa de fixar no corpo aquilo que, em sua origem, pertence ao plano moral das instituições.
A república moderna, cujo funcionamento depende de narrativas, de conveniências e de uma elite dirigente frequentemente afastada da verdade, encontra na raça um instrumento simbólico ideal — não porque haja qualquer fundamento moral nela, mas justamente porque não há. A cor da pele torna-se, então, o suporte material de uma construção ideológica que desvia a atenção do verdadeiro centro do problema: a escuridão moral das elites que governam.
Este artigo examina como essa transposição ocorre e de que maneira ela expressa um colapso mais profundo da política moderna — um colapso de luz, não de pigmento.
I. A Simbologia da Luz: Entre Hilma af Klint e a Filosofia Moral
Na física, como na metafísica da arte espiritual, a cor branca simboliza a presença total da luz, a revelação, a inteligibilidade. A cor negra, por sua vez, representa a ausência de luz — não como negatividade racial, mas como condição ontológica de opacidade.
Hilma af Klint, Kandinsky, Mondrian e tantos outros que colocaram a espiritualidade no centro de suas obras sabiam que a dualidade entre o claro e o escuro é, antes de tudo, uma dualidade entre verdade e ocultamento. Da mesma forma, a tradição cristã e neoplatônica, de Dionísio Areopagita a Mestre Eckhart, reconhece a luz como símbolo da elevação do espírito e da verdade, enquanto a escuridão marca a tirania da ignorância e da mentira.
É nesse terreno — e somente nele — que a crítica se desenvolve: a ausência de luz é ausência de verdade, e não atributo de qualquer grupo humano. Trata-se de uma caracterização moral e espiritual, não biológica.
II. A modernidade e a inversão simbólica: A política como máquina de sombras
A república moderna, fundada na retórica da igualdade, mas sustentada pela circulação de elites, como analisou Vilfredo Pareto, depende incessantemente de narrativas que legitimem seu poder. Quando a elite dirigente perde a luz moral — a capacidade de governar pela verdade — substitui o verdadeiro fundamento da autoridade por artifícios simbólicos.
É aqui que a raça reaparece como instrumento funcional. A cor da pele, um dado empírico e acidental, converte-se em metáfora política conveniente. A elite, incapaz de confessar os próprios vícios, projeta-os em categorias externas. Assim, problemas estruturais e morais são disfarçados como problemas de pigmento, como se a decadência institucional fosse uma questão epidérmica e não espiritual.
A escuridão na alma das instituições é deslocada para o corpo dos indivíduos. Surge, então, a política identitária como solução aparente — e como ocultamento real.
III. A cota racial como fixação da mentira no corpo
A política de cotas raciais, quando vista sob essa luz, não é problemática por incluir pessoas — mas por reduzir pessoas a marcadores visuais. Ela opera uma inversão profunda:
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Aquilo que é moral (a injustiça das instituições)
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torna-se biológico (uma suposta dívida inscrita na pele).
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Aquilo que é espiritual (a corrupção das elites)
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torna-se social (a divisão artificial entre grupos humanos).
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Aquilo que é institucional (a mentira sistematizada do regime)
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torna-se individual (um rótulo racial imposto pelo Estado).
Assim, a cota racial é o ápice do processo pelo qual o regime transfere para o corpo aquilo que pertence à alma de suas instituições. A elite dirigente — obscurecida, sem luz, incapaz de ver a verdade — utiliza a raça como cortina de fumaça. O discurso racial não ilumina; obscurece. Ele não une; fragmenta. Não revela; oculta.
O uso político da raça é, portanto, o ponto máximo da conveniência dissociada da verdade, pois transforma uma crise moral em um problema cromático. A mentira torna-se política de Estado, e o corpo humano torna-se o receptáculo dessa mentira.
IV. A crítica que permanece: não às pessoas, mas à estrutura
Importa insistir: a crítica aqui apresentada não se dirige a nenhum grupo racial. Ao contrário, afirma a igualdade essencial de todos, justamente porque reconhece que o caráter não tem cor. O alvo da crítica é a instrumentalização da raça pela elite moderna — uma elite que, carecendo de luz, necessita manipular símbolos para continuar governando.
As cotas são apenas um exemplo. O cerne do problema é mais profundo: é a lógica mesma da república moderna, que tende a substituir verdade por narrativa, justiça por interesse, luz por conveniência.
Aqueles que sinceramente buscam ascensão social por meio das cotas não são os agentes da mentira institucional; são, antes, suas maiores vítimas.
Conclusão: restaurar a luz
Para que a política retorne à verdade, é preciso abandonar a fantasia de que problemas espirituais podem ser resolvidos por marcadores biológicos. A luz — símbolo da verdade, da justiça, da plenitude — não se impõe pela cor da pele, mas pelo grau de integridade das instituições e dos líderes que as conduzem.
A verdadeira divisão política não é racial, é moral:
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entre os que caminham na luz da verdade,
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e os que se abrigam na escuridão da conveniência.
Enquanto a república insistir em transferir para o corpo aquilo que é falha da alma, continuará produzindo sombras — e governando através delas. A restauração da luz começa quando cada cidadão recusa essa inversão simbólica e exige que a política se baseie em verdade, e não em artifícios.
A luz não tem raça. A verdade não tem cor. E a justiça não pode ser pigmentada.
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