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sexta-feira, 28 de novembro de 2025

A geopolítica moderna como simulacro, de Maquiavel a Beaudrillard: um exame à luz da realeza de Cristo

1. Introdução

A geopolítica moderna se apresenta como um saber “realista”, capaz de descrever friamente as forças em jogo no sistema internacional. Seus analistas se autoproclamam pragmáticos, objetivos, “desencantados”, e supostamente libertos das amarras da moral. Contudo, essa pretensa neutralidade científica encobre um problema muito mais profundo: a geopolítica moderna não é realista, mas sim simulacional, um sistema de representações desligadas da realidade ontológica e moral.

O que se chama hoje de “realismo” geopolítico descende de Maquiavel, e justamente por isso repousa sobre um fundamento falso. Maquiavel não descreve o real; ele descreve o acidente elevado à condição de essência, o fenômeno isolado de sua causa primeira, o poder sem verdade. Isso configura o nascimento de uma política que não mais participa do Ser, mas produz a aparência do real a partir de estratégias, técnicas e manipulações.

É precisamente aqui que a crítica de Jean Baudrillard ilumina a paisagem: a política moderna — e mais ainda a geopolítica — tornou-se um simulacro, um teatro de modelos e cálculos que substituem o real e passam a operar como sua própria verdade.

Contudo, a razão última dessa simulação não é sociológica, mas teológica: uma política que não participa da realeza de Cristo não participa da realidade. E o que não participa da realidade só pode ser simulacro.

2. Maquiavel e o nascimento da política como aparência

Com Maquiavel, dá-se uma ruptura decisiva na história do pensamento político:

  1. O poder é separado da verdade.

  2. A eficácia substitui a justiça como critério de legitimidade.

  3. A moral é tratada como obstáculo, não como fundamento.

A partir daí, o governante não é mais o homem que participa da ordem racional inscrita na criação; é um estrategista que manipula percepções, controla narrativas e utiliza o mal como instrumento ordinário de governo.

Trata-se de um poder que não nasce do ser, mas da produção de efeitos.

Assim, Maquiavel inaugura não o realismo político, mas o pseudorrealismo: aquilo que toma o aparente como real, o útil como verdadeiro, o eficaz como bom. Esse é, de fato, o primeiro grande simulacro político da modernidade.

A Igreja captou isso imediatamente. Por isso O Príncipe foi incluído no Index Librorum Prohibitorum:
não porque o livro “corromperia ingênuos”, mas porque o livro corrompe a ideia mesma de realidade.

3. A geopolítica moderna como técnica da aparência

A geopolítica contemporânea, herdeira fiel de Maquiavel, opera sobre três pressupostos fundamentais:

  1. A política é uma luta por poder, não por verdade.

  2. A moral é irrelevante para a análise estratégica.

  3. O mundo real é aquilo que pode ser modelado, quantificado e manipulado.

Aqui se vê o triunfo da técnica sobre a contemplação.
Os sistemas geopolíticos tornam-se:

  • diagramas,

  • projeções,

  • “cenários”,

  • gráficos,

  • índices de poder,

  • modelos matemáticos.

Esses modelos não descrevem o real; ao contrário, produzem uma imagem do real que passa a orientar ações, que por sua vez reforçam a imagem, num circuito fechado de auto-referência — exatamente como descreve Baudrillard em sua teoria dos simulacros.

A geopolítica moderna não consulta a realidade: ela fabrica uma realidade funcional e opera dentro dela.

4. Baudrillard: a política como simulação

Jean Baudrillard descreveu a condição pós-moderna como um mundo onde:

  • o mapa precede o território,

  • a imagem substitui o acontecimento,

  • a representação cria o real,

  • e o modelo vale mais que a realidade que deveria representar.

Ora, isso é precisamente o que ocorre na geopolítica moderna:

  • As doutrinas estratégicas moldam a política internacional antes que os eventos ocorram.

  • As narrativas de poder definem o que é considerado real, ainda que não o seja.

  • A “análise geopolítica” não interpreta o mundo, mas sim o performa.

  • A técnica geopolítica não revela a verdade: ela cria efeitos que se passam por verdade.

Assim, o real é dissolvido numa hiper-realidade estratégica, um simulacro global onde a política não é mais decisão moral, mas jogo técnico.

5. A chave teológica: somente cristo garante o real

Se a realidade é a participação no Ser, e se o Ser encontra sua plenitude no Logos encarnado, então toda ordem política verdadeira deve estar fundada, de algum modo, na verdade que procede de Cristo.

Isso não significa teocracia; significa que:

  • autoridade decorre da verdade,

  • justiça decorre do bem,

  • realidade decorre do ser,

  • e o ser só é pleno em Deus.

Ao se afastar desse fundamento, a política perde sua âncora ontológica e passa a operar no vazio — um vazio habitado por imagens, cálculos, estratégias e aparências.

Uma política sem Cristo é:

  • desrealizada,

  • superficial,

  • teatral,

  • tecnocrática,

  • inessencial.

E, por definição, simulacional.

A geopolítica moderna é, portanto: um simulacro de realidade sustentado por técnicas de poder que, não participando do Ser, só podem produzir sombras.

6. Conclusão: a destruição da ilusão maquiaveliana

Ao analisar o problema desde o fundamento metafísico e teológico, percebe-se que a chamada “geopolítica realista” é tudo menos realista. É uma construção conceitual sustentada por um erro de princípio: a negação da verdade como fundamento do poder.

A sua crítica acerta o ponto central:

  • Não existe realismo político sem Cristo, sem sua realeza.

  • Não existe ordem justa sem participação no Ser.

  • Não existe ciência política verdadeira que separe eficácia e verdade.

  • Não existe geopolítica que descreva o real se o real não é reconhecido como participação na Realeza de Cristo.

Assim, a geopolítica moderna — nascida da mentira maquiaveliana e aperfeiçoada pela técnica pós-moderna — é realmente um simulacro, no sentido pleno que Baudrillard atribui ao termo.

Ela simula a realidade enquanto oculta o essencial: que o real não é aquilo que funciona, mas aquilo que é — e o que é, é em Cristo.

Bibliografia Comentada 

1. Nicolau Maquiavel – O Príncipe

Edição recomendada: quaisquer edições críticas sérias (Martins Fontes, Penguin-Companhia).

Comentário:
Este é o marco fundador da política moderna desligada da moral. Sua importância não reside na profundidade filosófica — que é modesta — mas no impacto histórico de sua separação entre poder e verdade. Maquiavel assume como real aquilo que é apenas fenômeno: a contingência da força, a eficácia da mentira, a manipulação como norma. É o ponto exato onde a política deixa de participar da ordem do Ser e se converte em técnica. Aqui já está o germe do simulacro político.

2. Jean Baudrillard – Simulacres et Simulation (Simulacros e Simulação)

Edição recomendada: Relógio D’Água (português) ou Galilée (francês).

Comentário:
Um dos textos mais penetrantes da pós-modernidade. Baudrillard demonstra que a sociedade contemporânea vive em um regime em que o modelo antecede o real e o substitui. A política é analisada como espetáculo, hiper-realidade, produção de imagens que funcionam como realidades operacionais. A conexão com a geopolítica moderna é direta: think tanks, análises estratégicas, “cenários de guerra” e previsões funcionam como simulacros que orientam ações, formando um ciclo fechado entre representação e acontecimento.

3. Hans Jonas – O Princípio da Responsabilidade

Comentário:
Embora não seja um crítico cristão da modernidade, Jonas apresenta uma visão ética que recoloca o problema da responsabilidade como dimensão essencial da ação política. Serve como contraponto às ideias de eficácia e manipulação que Maquiavel normaliza. Jonas mostra que sem responsabilidade moral não pode haver política real — apenas técnica aplicada.

4. Santo Tomás de Aquino – Suma Teológica, principalmente Ia-IIae e IIa-IIae

Comentário:
A base metafísica para entender o erro ontológico de Maquiavel está em Santo Tomás:

  • o bem enquanto causa final,

  • o ser enquanto participação,

  • a verdade como propriedade transcendente,

  • a justiça como ordenação da alma e da cidade.

Tomás mostra que todos os atos políticos autênticos participam do ser e da verdade, portanto de Deus. Isso fundamenta a tese de que o verdadeiro realismo político só é possível quando fundado na ordem moral objetiva — o que Maquiavel rejeita.

5. Santo Agostinho – A Cidade de Deus

Comentário:
O fundamento teológico da ordem política. Santo Agostinho distingue a Cidade de Deus da cidade dos homens não como duas esferas separadas, mas como dois amores:

  • o amor de Deus até o desprezo de si, e

  • o amor de si até o desprezo de Deus.

A política moderna maquiaveliana nasce da segunda categoria. Santo Agostinho fornece o diagnóstico de que toda política fundada no amor desordenado de si culmina em dominação — e portanto, em simulacros.

6. Eric Voegelin – A Nova Ciência da Política

Comentário:
Voegelin demonstra que as ideologias modernas são “gnosticismos politizados”: tentativas de substituir a ordem transcendental por construções humanas. Essa leitura é preciosa aqui: ao negar a participação no Ser, a política moderna fabrica mundos artificiais — ou seja, simulacros. Voegelin dá sustentação filosófica à crítica de que a modernidade política perdeu contato com a realidade.

7. Christopher Dawson – The Making of Europe

Comentário:
Dawson mostra como a civilização europeia se estruturou a partir da síntese entre fé cristã e ordem social. A política que participa da realeza de Cristo é a política que participa do real. É um antídoto à visão moderna que separa natureza, sociedade e transcendência. Serve como contraste histórico ao simulacro tecnocrático atual.

8. Papa Leão XIII – Rerum Novarum

Comentário:
Não é um texto de geopolítica, mas é um manifesto sobre a realidade social enquanto participação no Ser. Leão XIII afirma que capital, trabalho e ordem política devem estar alinhados ao bem comum e à moral objetiva. Esse documento é fundamental para responder ao erro moderno: para a tradição cristã, o real é o que se conforma à verdade moral, não o que “funciona”.

9. Olavo de Carvalho – O Jardim das Aflições

Comentário:
Trata do problema da desrealização da política moderna, ainda que por outros caminhos — nominalismo, império da técnica, destruição da cosmologia antiga. É uma das obras brasileiras que mais dialoga, mesmo que implicitamente, com a crítica ao simulacro político. A análise de que a filosofia moderna destrói a noção de realidade converge perfeitamente com a crítica a Maquiavel.

10. Josiah Royce – The Philosophy of Loyalty

Comentário:
Royce, recomendado por Olavo, recoloca a questão da lealdade como fundamento da ação moral e social. A lealdade é uma hipótese ontológica superior à técnica maquiaveliana — é participação no bem comum, logo participação no real. A ausência de lealdade (e sua substituição pela eficácia) cria um mundo puramente operacional — novamente, simulacral.

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