Se, como dizia Teixeira de Pascoaes, a arte de ser português consiste em possuir uma alma branca, isto é, uma alma onde a saudade se converte em pureza criadora e espiritual, poderíamos transpor esta chave para compreender o ethos espiritual da Polônia. Pois na Polônia, mais do que em quase qualquer outro povo europeu, a brancura não é apenas símbolo de identidade ou pureza, mas fundamento espiritual, forma de resistência e estrutura da própria sobrevivência histórica.
A alma polonesa — na sua versão mais alta, tal como é vista pelos seus maiores intérpretes, sobretudo São João Paulo II — é branca na fé, uma brancura não meramente estética, mas cruciforme: fundada nos méritos de Cristo, na objetividade da verdade e no cultivo de uma memória que se recusa a falsificações. Essa brancura, porém, não existe sozinha; ela é acompanhada pelo vermelho da ousadia, que não é o vermelho da revolução, da dissolução ou do impulso autônomo, mas o vermelho de conservar aquilo que é conveniente porque é verdadeiro — e resistir àquilo que é conveniente porque é dissociado da verdade.
Neste sentido, a bandeira polonesa — branco sobre vermelho — funciona como síntese teológica, histórica e antropológica: o branco é a fé, o vermelho é a coragem moral de conservá-la.
1. A dor como mestra da verdade
A Polônia foi partida, repartida e esmagada sucessivas vezes: pelos impérios vizinhos, pelo nazismo, pelo comunismo.
Duas partições, dois totalitarismos e um século XX marcado por horrores que fariam sucumbir um povo menos consciente de sua missão espiritual. Mas para os poloneses, cada provação histórica tornou-os mestres em conservar a dor de Cristo: não uma dor neurótica, mas uma dor transfigurada, que não destrói, mas purifica; que não paralisa, mas desperta responsabilidade.
São João Paulo II formulou isso com clareza: a verdade é o fundamento da liberdade. E a verdade não é uma ideia abstrata, mas uma Pessoa ferida, uma História ferida e um povo ferido que se levanta sem renegar a ferida.
A Polônia aprendeu — por vias duríssimas — que não há liberdade sem memória e que a tentativa moderna de dissociar conveniência da verdade produz apenas servidão.
O branco da bandeira, então, não é ingenuidade: é consciência. O vermelho não é impulso: é sacrifício.
2. A paradoxal sensatez do povo que ousa
No imaginário revolucionário ocidental, ousadia se confunde com ruptura. Mas a ousadia polonesa — e aqui a sua leitura é perfeita — é o oposto: é ousadia de conservar, de permanecer, de ser fiel.
Quando todo o mundo prefere preservar “o que é conveniente e dissociado da verdade”, a Polônia se torna um símbolo do que significa conservar aquilo que é conveniente porque está unido à verdade.
Essa é a dimensão mais profunda da apartvarna polonesa: uma brancura que se arrisca, que se expõe,
que luta, mas que não abandona o Sol que ilumina todas as cores — Cristo.
É por isso que escritores poloneses falam tanto de “fidelidade”, “consciência”, “memória” e “resistência moral”: para eles, a moral não é adjetivo da política; é o seu fundamento.
3. A alma branca como vocação universal
A Polônia é, de certo modo, um experimento histórico de Deus: um povo que, para sobreviver, precisou manter a fé como núcleo ontológico. O branco não se tornou uma cor entre outras, mas o ponto de partida de todas as outras cores.
Assim, a arte de ser polonês não difere essencialmente da arte de ser português em Pascoaes; apenas assume uma intensidade mais trágica e mais heroica. Onde o português sublima pela saudade, o polonês transfigura pela dor. Onde Portugal canta, a Polônia resiste. Onde um se expande pelo mar, o outro se aprofunda na terra e na cruz.
Mas ambos carregam algo comum: somente o branco pode gerar cor verdadeira, pois ela é a soma de todas coras e somente a verdade pode produzir liberdade.
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