1. Introdução: entre o conflito e a comunhão
No plano do direito internacional, o polipátrida é aquele que possui duas ou mais nacionalidades, beneficiando-se de um conflito positivo de leis.
No plano do espírito, porém, o polipátrida é aquele que transcende as fronteiras do sangue e do solo para viver o que poderíamos chamar de comunhão positiva de vocações. Ele não é apenas cidadão de múltiplas pátrias — é cidadão da História, chamado a reconciliar em si os povos, suas tradições e seus destinos, sob o signo do Cristo.
Essa é a base da nacionidade cristocêntrica: compreender a nacionalidade não como posse, mas como missão; não como privilégio, mas como vocação ao serviço e à unidade. O verdadeiro polipátrida é, portanto, um construtor de pontes espirituais — alguém que transforma o conflito das leis em harmonia dos amores.
2. O duplo princípio: pátria e mátria
D. Duarte de Bragança, herdeiro espiritual da tradição luso-brasileira, chamou o Brasil de sua mátria, pois sua mãe era brasileira. Nesse gesto simbólico, ele reconciliou o princípio paterno de Portugal (pátria) com o princípio materno do Brasil (mátria), abrindo o caminho para o que poderíamos chamar de reconciliação das gerações — a paz dinástica entre D. Pedro e D. Miguel, os dois irmãos que representaram, em tempos distintos, o drama da unidade portuguesa.
A pátria e a mátria, quando vistas à luz da fé, são dois modos de participar do mandamento divino: “Honra teu pai e tua mãe”. Honrar a pátria é honrar o princípio da lei, da autoridade e da ordem; Honrar a mátria é honrar o princípio da vida, da ternura e da origem. Somente o amor simultâneo a ambos gera nacionidade plena, pois é no equilíbrio entre a justiça e a misericórdia, entre o dever e o dom, que a alma encontra sua forma madura de servir.
3. A nacionidade como vocação: ser ponte entre terras e Céus
A nacionidade cristocêntrica não é um simples pertencimento jurídico, mas uma relação sacramental com o tempo e o espaço. Ser nacional é participar de uma linhagem espiritual — não apenas de sangue, mas de sentido. Cada nação, em sua forma histórica, é um reflexo fragmentário do Reino de Deus, e o homem é chamado a reunir esses fragmentos, tornando-se ponte viva entre eles.
Nesse contexto, o polipátrida — aquele que tem duas ou mais nacionalidades — torna-se símbolo da catolicidade, no sentido pleno da palavra katholikos: universal, total. Ele encarna, em sua própria biografia, a universalidade da Igreja, que vê em cada povo uma expressão particular do mesmo Amor.
Assim, quando um brasileiro une-se a uma polonesa, e seus filhos reconhecem o Brasil como pátria e a Polônia como mátria, o que nasce dessa união não é uma dupla nacionalidade apenas civil, mas uma dupla linhagem espiritual — duas formas de servir o mesmo Deus com línguas, costumes e virtudes diversas.
4. Cristo como centro da nacionidade
Em Cristo, todo vínculo humano se eleva à sua forma perfeita. Ele é o ponto arquimediano da História, o lugar onde todas as pátrias se encontram e se reconhecem. Por isso, tomar vários países como um mesmo lar “em Cristo, por Cristo e para Cristo” não é dissolver as diferenças, mas integrá-las na ordem da caridade.
A verdadeira unidade das nações não é feita por tratados, mas por santos; não por fronteiras, mas por almas que assumem a tarefa de unir o que o pecado dividiu. É por isso que o polipátrida cristocêntrico não é um cosmopolita indiferente, mas um servo da comunhão. Ele ama as suas pátrias não como posses, mas como dons que o aproximam do Reino — pois “a nossa pátria está nos Céus” (Filipenses 3:20).
5. Conclusão: o Reino como pátria final
A nacionidade é, portanto, a arte de viver as leis da terra à luz do Céu. Ela nasce da obediência e se consuma na caridade. O polipátrida é o símbolo vivo dessa arte: o homem que, tendo várias pátrias no tempo, prepara uma só Pátria na eternidade.
Assim como Cristo uniu o humano e o divino, o polipátrida é chamado a unir a pátria e a mátria, o dever e a ternura, a história e o destino — para que todos os caminhos terminem no mesmo ponto: o Reino de Deus, onde toda nacionidade se reconciliará no amor.
Bibliografia recomendada
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D. Duarte de Bragança, Raízes e Futuro de Portugal.
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Santo Agostinho, De Civitate Dei.
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São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q.101 (De Honore).
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Teixeira de Pascoaes, A Arte de Ser Português.
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José Marinho, Teoria do Ser e da Verdade.
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Viktor Frankl, Em Busca de Sentido.
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Josiah Royce, The Philosophy of Loyalty.
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Frederick Jackson Turner, The Frontier in American History (para a analogia da fronteira espiritual).
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