I. A maternidade como mistério ontológico
A maternidade é a forma sensível do mistério da geração — o modo pelo qual o ser se comunica, a vida se perpetua e o amor se manifesta na carne. Na tradição cristã, ela encontra seu arquétipo na Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos viventes, que acolhe no ventre o próprio Verbo Eterno.
Em Maria, o tempo toca a eternidade. Seu ventre é o templo do cosmos, o lugar onde o Criador se deixa conter pela criatura. O feminino, aqui, não é o princípio de uma oposição, mas o símbolo do acolhimento amoroso do ser — da fecundidade espiritual que dá forma à Criação. Toda mãe, ao gerar um filho, participa desse ato primordial de Maria. Por isso, a maternidade não é apenas biológica, mas ontológica e sacramental: é o espelho pelo qual Deus mostra ao homem o que é o amor criador.
II. A mátria como terra do acolhimento
A palavra mátria resgata o sentido materno da terra. Assim como a mãe nutre e protege, a mátria é o solo que acolhe, o seio que alimenta a vida da comunidade. Se a pátria é o símbolo do princípio da autoridade — o Pai que orienta, governa e corrige — a mátria é o princípio da memória e da ternura, a mãe que conserva, aquece e dá forma à tradição.
Quando D. Duarte disse que o Brasil era sua mátria, reconhecia nele o ventre espiritual que une as nações, reconciliando o pai e o filho, D. Pedro e D. Miguel, no campo das gerações. Honrar a mátria é honrar a mãe — não no sentido da idolatria da terra, mas do reconhecimento da origem viva que nos precede e que devemos elevar a Deus. Assim, o mandamento “honra teu pai e tua mãe” se estende à ordem da pátria e da mátria — o Pai celeste e a Mãe terra —, ambos convergindo no serviço a Cristo.
III. A matryoska: alegoria da criação aninhada
A matryoska, a tradicional boneca russa que contém outras em seu interior, é um símbolo notável desse mistério. Seu nome, derivado de Matryona, remete à palavra “mãe”. Cada boneca contém outra, e essa outra contém outra menor, numa sequência infinita de gerações contidas e refletidas.
Essa estrutura hierárquica é a imagem visual da grande cadeia do ser (scala naturae): o cosmos como uma série de graus de perfeição, em que o mais alto contém em potência o mais baixo, e o mais baixo reflete o mais alto.
A matryoska é, assim, a metáfora do cosmos como ventre: tudo está contido em tudo, e o todo é um reflexo da unidade divina. O que a mãe faz com o filho, o universo faz com suas criaturas — abriga-as, sustenta-as e as conduz, pouco a pouco, de volta ao centro que as gerou.
IV. A grande cadeia do ser: hierarquia e amor
Na tradição cristã, a grande cadeia do ser é a hierarquia das participações no Ser divino. Desde os anjos até os minerais, tudo o que existe participa do mesmo Ser, mas em diferentes graus de luminosidade e amor. Essa estrutura não é tirânica nem mecânica — é orgânica e amorosa, fundada no ordo amoris de Santo Agostinho.
A maternidade, nesse contexto, é o elo dinâmico da criação: ela traduz o movimento pelo qual o Ser se comunica em amor. Deus cria por amor, e o amor gera. Assim, a hierarquia da Criação é também a hierarquia da maternidade: cada grau contém o dom de transmitir a vida ao grau seguinte.
V. Maria e o Cristo: Centro e Síntese da Criação
Em Maria e em Cristo, a cadeia do ser encontra o seu centro e a sua reconciliação. Maria é a matryoska cósmica — o ventre em que o Infinito se deixa conter pelo finito, em que o Espírito Santo fecunda o tempo e a história. Cristo é o ponto de intersecção entre o céu e a terra: o Filho que é também o Pai, o verbo que é também a carne.
No mistério da Encarnação, toda a Criação é recapitulada — como ensina São Paulo — e a grande cadeia do ser é ordenada novamente ao seu princípio. A mátria torna-se, assim, sacramento da Criação redimida, e a maternidade humana, reflexo do amor que tudo cria e tudo sustenta.
VI. Conclusão: A matryoska da eternidade
A maternidade, a mátria e a matryoska são símbolos de uma mesma verdade: que o ser é um dom recebido e transmitido, e que a vida é uma série de nascimentos em direção à plenitude.
A criação inteira é uma matryoska divina, em que cada criatura está aninhada na outra, e todas repousam em Deus. Honrar a mãe, a mátria e a ordem do ser é reconhecer o milagre de existir dentro do ventre da eternidade — esse ventre que Maria nos revelou ao dar à luz o próprio Autor da Vida.
Bibliografia Recomendada
-
Santo Agostinho. De Civitate Dei.
-
Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica, I, q.47–50.
-
Arthur Lovejoy. The Great Chain of Being.
-
Teixeira de Pascoaes. A Arte de Ser Português.
-
José Marinho. Teoria do Ser e da Verdade.
-
Vladimir Soloviev. O Sentido do Amor.
-
Dante Alighieri. Paradiso.
-
Viktor Frankl. O Homem em Busca de Sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário