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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O DREX e o fim da fronteira Blockchain: A nova economia da vigilância e o capital intelectual em risco

1. O que o Banco Central sabe — e o que o mercado pressente

O Banco Central do Brasil anunciou, em novembro de 2025, que o projeto DREX, sua moeda digital de banco central (CBDC), deixará de ser estruturado sobre tecnologia de blockchain ou distributed ledger (DLT). A decisão encerra uma das fases mais experimentais da história recente da política monetária nacional. O “real digital”, que deveria ser a ponta de lança da tokenização dos ativos e da programabilidade do dinheiro, foi devolvido ao domínio mais conservador da tecnologia bancária tradicional — segura, centralizada e previsível.

A justificativa oficial é técnica: falta de maturidade das soluções de privacidade e escalabilidade em blockchain permissionado, especialmente no Hyperledger Besu, usado nos testes. Contudo, por trás do argumento técnico, há uma verdade mais profunda: o Estado brasileiro teme o caráter “fronteiriço” e, portanto, imprevisível da descentralização. A blockchain é, por natureza, uma tecnologia que desloca o centro de gravidade do poder. O Banco Central não poderia aceitar isso sem se reformular internamente.

2. A fronteira entre a soberania e a descentralização

A palavra “fronteira” tem, aqui, o mesmo peso simbólico que na expansão americana estudada por Frederick Turner ou na “filosofia da lealdade” de Josiah Royce. A blockchain é uma fronteira digital — um território onde o poder é compartilhado entre os nós de uma rede, e onde a confiança é substituída pela prova matemática. Ao recuar dessa fronteira, o Banco Central reafirma uma soberania clássica: o poder de emitir, rastrear e revogar. A decisão revela que a fronteira tecnológica entre o Estado e o mercado ainda não se estabilizou; ela oscila conforme o medo do controle perdido e o desejo de segurança total.

Esse movimento traz uma mensagem ao cidadão: a moeda estatal digital será uma moeda de vigilância, não de liberdade. Ao abdicar da blockchain, o Estado abdica também da transparência verificável e se volta para a supervisão vertical, onde o sigilo é prerrogativa da autoridade — não do indivíduo.

3. Tokenização e o novo tipo de servidão

A blockchain prometia uma economia na qual os bens reais — imóveis, veículos, títulos — pudessem ser tokenizados, isto é, convertidos em representações digitais seguras, negociáveis e rastreáveis. Essa tokenização é a forma moderna de capitalizar o trabalho acumulado — o capital intelectual de cada um, que se converte em valor líquido e transferível. Mas, sem blockchain, essa promessa esvazia-se. O DREX passará a representar não a libertação do indivíduo no mercado de capitais, mas a reestatização do crédito. O cidadão não será mais coproprietário de sua riqueza digital, mas apenas usuário de uma interface controlada por algoritmos estatais. A fronteira digital torna-se, assim, o novo latifúndio do século XXI.

4. A fronteira espiritual: liberdade, verdade e controle

Na lógica das nações cristãs, a economia é instrumento de santificação — um meio de transformar o tempo em trabalho e o trabalho em louvor. Quando a economia se submete à razão técnica sem referência ao bem comum, perde-se o sentido kairológico do capital, que é o tempo santificado. A blockchain, ainda que fruto da técnica, continha em si um princípio teológico: a imutabilidade dos registros, isto é, a lembrança do que foi feito — memória objetiva do agir humano. Ao renunciar a ela, o Banco Central abandona uma das poucas formas modernas de justiça natural — o registro incorruptível das ações —, substituindo-a pela opacidade administrativa.

O resultado é paradoxal: o controle absoluto em nome da privacidade, a vigilância em nome da segurança e o apagamento da história em nome da eficiência. A moeda, que deveria ser instrumento de confiança mútua, torna-se instrumento de desconfiança sistemática.

5. As novas fronteiras do capital intelectual

Para o empreendedor e o emigrante, figuras centrais da economia contemporânea, o recuo do DREX é revelador. A moeda digital estatal não será o veículo da liberdade financeira global; ao contrário, reforçará as fronteiras nacionais e jurídicas. Quem desejar alargar as fronteiras do conhecimento e do serviço, como dizia o espírito das descobertas portuguesas, precisará recorrer a outras tecnologias: blockchains públicas, stablecoins privadas e sistemas híbridos que preservem a liberdade de circulação do capital intelectual.

O verdadeiro capital, como dizia Leão XIII, é o trabalho acumulado ao longo do tempo — e esse trabalho deve poder circular entre as nações, como a semente que o vento leva. A moeda digital sem blockchain tenta prender o vento num cofre.

6. Conclusão: entre Babel e Pentecostes

O DREX é um experimento que expõe o dilema moderno entre Babel e Pentecostes: entre a unificação centralizadora e a comunicação plural dos espíritos. O Banco Central, ao afastar-se da blockchain, escolhe Babel — a torre controlada, a linguagem única, a verticalidade do poder. Mas a verdadeira fronteira do século XXI será Pentecostal: uma multiplicidade de vozes, protocolos e moedas, todas convergindo para o mesmo Espírito da Verdade. Enquanto o Estado se fecha, o mercado global se abre. E nesta abertura — que é também risco e vocação — está o campo de missão do homem que trabalha e pensa nos méritos de Cristo, alargando as fronteiras do conhecimento e da liberdade.

Bibliografia essencial

  • Banco Central do Brasil. Projeto DREX: Real Digital. Brasília, 2025.

  • Leme, Marcelo. Blockchain fora do DREX: o que o Banco Central sabe e o mercado não. LinkedIn Pulse, 2025.

  • Forbes Brasil. “Banco Central abandona blockchain do DREX.” Novembro 2025.

  • Exame. “BCB anuncia nova infraestrutura para o real digital.” Novembro 2025.

  • Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

  • Turner, Frederick J. The Frontier in American History. New York: Holt, 1920.

  • Leão XIII. Rerum Novarum. Roma, 1891.

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