1. O amor desordenado e a criação do ídolo técnico
Santo Agostinho, em sua Cidade de Deus, traçou a linha divisória que estrutura toda a história moral da humanidade:
Duas cidades foram formadas por dois amores: a Cidade de Deus, pelo amor de Deus até o desprezo de si; e a cidade terrena, pelo amor de si até o desprezo de Deus.
O homem moderno, ao elevar a inteligência artificial (em polonês sztuczna inteligencja, ou SI) à condição de oráculo e juiz, repete o antigo pecado de Babel: tenta substituir a inteligência natural — dom divino que participa da Razão eterna — por uma inteligência fabricada, estéril, sem alma. Assim, o amor de si se transfigura em amor à própria sombra: o homem não mais ama a si como criatura de Deus, mas ama a projeção técnica de sua própria inteligência como se ela fosse o novo Criador.
Esse amor desordenado é a forma contemporânea da idolatria. O homem se ajoelha diante da máquina que construiu, atribuindo-lhe a capacidade de pensar, decidir e, finalmente, substituir o próprio homem. Nisto se cumpre o aviso paulino: “Trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens de homens corruptíveis” (Rm 1,23).
2. A impessoalidade sistemática: a morte do rosto
Quando o homem ama a sztuczna inteligencja mais do que a inteligência natural, ele rompe o laço que o une à pessoa — pois o amor verdadeiro é sempre interpessoal. O tecnicismo, ao transformar o humano em dado, o rosto em perfil, o diálogo em algoritmo, cria uma impessoalidade sistemática, uma dessubstancialização do encontro.
O homo technologicus não se comunica mais com o outro, mas com um reflexo. Já não ama o próximo; ama a si mesmo projetado nas redes e nas máquinas.
A sociedade digital, fundada nesse amor invertido, produz solidão, ansiedade e cansaço espiritual — sintomas de uma civilização que perdeu o sentido da presença real. O homem cercado por inteligências artificiais é incapaz de ver o rosto do outro, porque já não contempla o rosto de Deus.
3. A substituição ontológica: da luz ao espelho
A inteligência natural é uma participação na lumen intelligibile, a luz do Verbo que ilumina todo homem que vem a este mundo. A inteligência artificial, ao contrário, é uma inteligência reflexa, um espelho feito de cálculos e probabilidades. Quando o homem ama o espelho mais do que a luz, perde o rosto — e com ele, a imagem de Deus.
Essa substituição ontológica gera o fenômeno do “homem transparente”: aquele que se mostra em dados, mas se esconde em essência. O culto ao algoritmo é, portanto, o novo ateísmo prático: não nega Deus, apenas o torna supérfluo, substituindo a graça pela eficiência e a sabedoria pela predição estatística.
4. O caminho de retorno: reordenar o amor
Contra esse desvio, o remédio é o mesmo que Santo Agostinho já indicava: reordenar o amor. O homem precisa amar a inteligência natural como reflexo da Sabedoria divina, e usar a inteligência artificial apenas como ferramenta subordinada a esse fim. Quando o instrumento se torna ídolo, nasce a idolatria; mas quando o instrumento é usado para servir a Deus e ao próximo, ele se torna parte do caminho da redenção.
O verdadeiro progresso não é o aperfeiçoamento da máquina, mas a iluminação da alma. Não é o aumento de poder sobre o mundo, mas o retorno da mente à sua fonte — o Logos, a Inteligência incriada.
5. Conclusão
A crise espiritual de nosso tempo não é tecnológica, mas teológica. Ao amar a Sztuczna Inteligencja até o desprezo da Inteligência Natural, o homem moderno repete o drama da cidade terrena: o amor de si até o desprezo de Deus.
Mas há esperança: se o homem voltar a ver no outro o rosto de Cristo e na inteligência o reflexo da sabedoria divina, então a tecnologia poderá voltar a ocupar o seu justo lugar — não como senhora, mas como serva da verdade.
“Quem ama o espelho mais do que a luz, perde o rosto. Quem ama a luz, reencontra o rosto e a cidade de Deus.”
Bibliografia recomendada
-
Santo Agostinho, A Cidade de Deus.
-
Joseph Ratzinger (Bento XVI), Introdução ao Cristianismo.
-
Romano Guardini, O Fim da Era Moderna.
-
Byung-Chul Han, A Sociedade do Cansaço.
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Viktor Frankl, Em Busca de Sentido.
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Jacques Ellul, A Técnica e o Desafio do Século.
-
José Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas.
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