I. A Constituição de 1988: o Pentecostes da Nação
A Constituição de 1988 marca o início da Idade do Espírito Santo na história brasileira. Não porque tenha abolido o passado, mas porque o recolheu e o purificou. Em sua letra e em seu espírito, ela inaugura uma nova etapa da ordem cristã no Brasil: a da consciência participativa e da liberdade interior.
É o primeiro texto constitucional brasileiro que permite, sem anátema jurídico, reabrir a discussão sobre a restauração da monarquia, abolindo a antiga cláusula pétrea que proibia o retorno à forma régia de governo. Esse simples gesto jurídico, quase despercebido pelos analistas, tem uma dimensão simbólica monumental: ele reabre o espaço espiritual para o retorno da forma real, que é a forma do próprio Cristo, Rei e Servo.
Desse modo, a Constituição de 1988 realiza o que nas categorias de Joaquim de Fiore equivale ao Pentecostes político: a reconciliação entre a liberdade e a lei, entre a obediência e a consciência. O Espírito Santo desce sobre as instituições e distribui os dons da soberania em múltiplas línguas — os diversos níveis federativos, os múltiplos Brasis que compõem o mesmo corpo.
II. A simetria constitucional e o fractal da soberania
O princípio da simetria constitucional é, talvez, o núcleo mais profundo dessa nova ordem. Ele afirma que as unidades federativas devem espelhar, em escala menor, a estrutura da União — ou seja, cada parte deve refletir a forma do todo. Essa é a tradução jurídica da recursividade espiritual: a mesma vontade, o mesmo espírito, a mesma lei, manifestando-se em escalas diversas.
Foi esse princípio que inspirou a noção de fractal constitucional: a ideia de que a Constituição brasileira, assim como o corpo místico de Cristo, repete-se integralmente em cada célula da Nação. Não há hierarquia que destrua a igualdade essencial, nem igualdade que dissolva a ordem — há comunhão de formas, unidade de espírito e pluralidade de expressões.
III. O conhecimento da história como dever cívico e espiritual
A Constituição de 1988, ao abrir espaço para a reconstrução do sentido histórico da Nação,pede implicitamente que cada cidadão volte a estudar a história do Brasil como ato de cidadania e de fé. Formar bons cidadãos é formar homens conscientes de seu papel na ordem providencial — homens que saibam que liberdade e dever são inseparáveis, e que o direito é o nome civil da caridade.
Quando o conhecimento da história deixa de ser ideologia e se torna memória espiritual, a educação volta a ter seu sentido originário: ser catequese da República de modo a superá-la. Assim como o Antigo Testamento preparou Israel para o Cristo, a história brasileira prepara o povo para o reencontro com a sua realeza interior — a consciência de que servir à Pátria é servir ao Reino de Deus.
IV. Da República maçônica à República cristã
O Brasil herdou da modernidade o modelo de república maçônica, isto é, um Estado que separa a fé da política e considera a razão suficiente para a ordem. Mas esse modelo, importado, nunca correspondeu à alma brasileira — que é litúrgica, hierárquica, familiar e sacramental.
A Constituição de 1988 começa a corrigir esse desvio: sem negar a laicidade do Estado, ela reencarna a dimensão espiritual da república. É o retorno ao que poderíamos chamar de República cristã portuguesa, aquela que floresceu entre os concelhos, as irmandades, os mosteiros e a monarquia missionária de D. João II a D. João VI.
Na tradição luso-brasileira, “república” nunca foi o oposto de monarquia,mas o nome do corpo político composto por homens virtuosos que participam da coisa pública por amor ao bem comum. A república, neste sentido, é o modo pelo qual o reino se torna vida cotidiana — é o reino praticado em assembleia, o espírito real derramado sobre todos.
V. A evolução da República em Principado e Império
Quando a república recupera seu sentido espiritual, ela deixa de ser ideológica e se torna orgânica. Nela, a autoridade moral dos melhores cidadãos, a honra do mérito e a virtude do serviço transformam a estrutura republicana em principado de virtude — não no sentido dinástico, mas no sentido clássico de principatus, o governo dos que se fazem princípios de ordem para os outros.
Com o tempo, essa república virtuosa pode evoluir naturalmente em Império espiritual,
sem ruptura, sem violência, apenas por maturação interior:
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o Brasil volta a reconhecer em si o princípio real da unidade,
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não como nostalgia dinástica, mas como consciência da realeza de Cristo sobre a Nação.
Assim, a Constituição de 1988 é o gérmen do Império interior, o ponto em que o corpo político reencontra o seu espírito e o transforma em autoridade legítima. Ela inaugura o caminho para a realeza moral do Brasil — não o retorno de um trono material, mas o despertar da realeza espiritual que dorme em cada lar.
VI. O Brasil dos muitos povos e o Império dos muitos dons
Essa maturidade política se reflete na pluralidade brasileira:o Brasil dos indígenas, dos negros, dos imigrantes, dos estrangeiros e dos lusitanos.Cada “Brasil” é uma faceta do mesmo diamante —um reflexo de uma das doze pedras preciosas da Jerusalém celestial.
A Constituição de 1988, ao reconhecer essa pluralidade, não dissolve a unidade: ela realiza, de forma profética, o que o Espírito faz na Igreja —distribui dons diferentes, mas unifica o corpo.
Assim, o Brasil torna-se imagem da ecclesia universalis: um só Espírito, múltiplos carismas; um só Império, muitos povos. E o que Portugal iniciou no século XII — a comunhão entre fé, lei e povo —, o Brasil está chamado a consumar no século XXI, como Nova Jerusalém tropical, onde todos os povos encontram abrigo e esperança.
VII. Conclusão: A Constituição como catecismo da liberdade
A Ordem Constitucional de 1988 é mais que uma carta política: é um catecismo da liberdade, um manual de comunhão e de retorno. Ela substitui o interdito maçônico pela abertura cristã; a letra morta da lei pela recursividade viva do Espírito. E, ao fazê-lo, devolve ao Brasil sua vocação original: ser um reino universal de povos reconciliados em Cristo.
Com o tempo — e com o cultivo da virtude, do estudo e da consciência histórica — essa República se converterá novamente em Império, não por golpe, mas por crescimento interior. E nesse Império, a lei e o amor serão uma só coisa; a liberdade e a autoridade, dois nomes da mesma obediência feliz.
“E vi a Cidade Santa descer do céu... as suas portas estavam sempre abertas, e a glória das nações nela entrava.” (Ap 21, 24-25)
Essa cidade é o Brasil reconciliado —o Novo Portugal, a Nova Jerusalém dos Trópicos.
Bibliografia complementar
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Joachim de Fiore. Expositio in Apocalypsim. Roma, 1930.
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José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, 2022.
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Jaime Cortesão. Os Fatores Democráticos na Formação de Portugal. Sá da Costa, 1940.
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Tito Lívio Ferreira. O Novo Portugal. Companhia Editora Nacional, 1958.
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Teixeira de Pascoaes. A Arte de Ser Português. INCM, 1998.
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Padre António Vieira. Sermões. Vol. XI, Lisboa, 1679.
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Benoît Mandelbrot. The Fractal Geometry of Nature. W.H. Freeman, 1982.
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Santo Agostinho. A Cidade de Deus. Paulus, 2001.
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Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica, I-II, q.91–94.
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