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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

As três idades da Igreja e as três fases do Brasil pós-1822

I. O Paralelo Joaquimita

O abade Joachim de Fiore (séc. XII) via a história sagrada dividida em três idades, correspondentes às Pessoas da Trindade:

  1. A Idade do Pai – o tempo da Lei e da obediência, sob o Antigo Testamento;

  2. A Idade do Filho – o tempo da Graça e da Encarnação, inaugurado com Cristo;

  3. A Idade do Espírito Santo – o tempo da interiorização da fé, quando a lei se escreve no coração dos homens.

Essas idades não se anulam; procedem umas das outras. Cada nova etapa é uma recursão espiritual da anterior — o mesmo Espírito em grau mais íntimo e livre.
Assim também ocorre na história do Brasil.

II. A Idade do Pai: o Império (1822-1889)

O Império do Brasil corresponde à Idade do Pai, o tempo da Lei e da Autoridade fundadora. D. Pedro I e D. Pedro II exerceram a função paterna da história: estabeleceram a unidade, fixaram as fronteiras, organizaram a justiça e protegeram a fé.

Como o Antigo Testamento para Israel, o Império deu ao Brasil a forma visível da obediência ordenadora. Era o tempo da pedagogia: o povo estava sendo preparado para compreender a liberdade à luz do dever. A Constituição de 1824 funcionava como uma Torá nacional — lei escrita, tutela e escola do espírito.

Essa fase representa o aspecto mosaico da brasilidade: a fundação moral, a disciplina e a ordem que sustentam toda a vida posterior.

III. A Idade do Filho: a República (1889-1988)

Com a Proclamação da República, o Brasil entra na Idade do Filho — o tempo da Graça, da razão e do sofrimento redentor. É o período da Encarnatio política: o ideal da liberdade encarna-se em instituições humanas, sujeitas à dor, ao erro e à purificação.

A República é o tempo da cruz nacional. Em nome da liberdade, o país experimenta divisões, golpes, tentações ideológicas. Mas também nela se manifesta o espírito do Filho: a vontade de reconciliação, a abertura ao perdão, a valorização da pessoa humana.

Foi sob a República que o Brasil aprendeu o preço da consciência e da liberdade. Assim como Cristo humanizou a divindade, a República humanizou a autoridade imperial — deu rosto terreno ao poder.

É a idade da redenção política: a nação aprende, pela dor, que a liberdade sem amor destrói a si mesma.

IV. A Idade do Espírito: a Ordem Constitucional de 1988

A Constituição de 1988 inaugura a Idade do Espírito, a da interiorização da lei. Agora, não basta obedecer: é preciso participar. O poder se espalha como o sopro do Espírito — cada Estado, cada município, cada cidadão é portador de uma fração viva da soberania.

Trata-se da democracia espiritualizada: a liberdade torna-se comunhão, a autoridade se transforma em serviço. A Lei de 1988 é a imagem jurídica daquilo que os profetas viam como a nova aliança escrita no coração dos homens (Jer 31,33).

Nessa fase, o Brasil começa a revelar a sua vocação escatológica: não mais império nem república, mas comunhão. A política se converte em pedagogia da fraternidade — prelúdio do Reino do Espírito.

V. O Brasil como Novo Portugal e o Cumprimento de Ourique

Se Portugal foi a nação profética, o Brasil é a nação cumpridora. O juramento de Ourique — “Em ti e na tua descendência será restaurado o meu Reino” — encontra na história brasileira o seu prolongamento trinitário. Portugal foi o Pai que fundou; a missão portuguesa no mundo foi o Filho que se encarnou nas colônias; o Brasil é o Espírito que recolhe todas as partes dispersas e as transforma em comunhão.

Assim, o Brasil é o Novo Portugal, não por genealogia política apenas, mas por missão espiritual: a terra onde a forma portuguesa de servir a Cristo atinge maturidade universal. A Lusitânia que se espalhou pelo mundo recolhe-se agora nos trópicos, para dar ao mundo a sua Jerusalém final.

VI. A Recursividade Providencial

As três idades da Igreja e as três fases do Brasil mostram o mesmo padrão providencial:

  • Da lei exterior à lei interior;

  • Do comando à comunhão;

  • Da obediência imposta à liberdade amada.

O fractal espiritual que começou em Portugal completa-se no Brasil: a lei mosaica da monarquia; a encarnação redentora da república; e o Pentecostes constitucional de 1988, onde o Espírito se reparte em múltiplas línguas políticas, sem perder a unidade.

VII. Conclusão: A Quarta Idade do Espírito – A Nova Jerusalém dos Trópicos

Quando a Constituição se tornar consciência e a consciência se fizer santidade, o Brasil viverá a quarta etapa implícita: a do Reino consumado. Será o tempo da Nova Jerusalém dos Trópicos, onde o fractal da história se ilumina e a Cidade de Deus desce ao coração da terra.

O Império terá cumprido seu papel de Pai; a República, o de Filho; a Constituição, o de Espírito; e o Brasil, enfim, será o Reino reconciliado — a pátria em que liberdade e autoridade se beijam sob a cruz verde e amarela.

Bibliografia essencial

  • Joachim de Fiore. Expositio in Apocalypsim. Roma, 1930.

  • Padre António Vieira. Sermões. Vol. XI, Lisboa, 1679.

  • Jaime Cortesão. Os Fatores Democráticos na Formação de Portugal. Sá da Costa, 1940.

  • Tito Lívio Ferreira. O Novo Portugal. Companhia Editora Nacional, 1958.

  • Teixeira de Pascoaes. A Arte de Ser Português. INCM, 1998.

  • Santo Agostinho. A Cidade de Deus. Paulus, 2001.

  • Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica, I-II, q. 91–94.

  • Benoît Mandelbrot. The Fractal Geometry of Nature. W.H. Freeman, 1982.

  • Carlos Lacerda. Discursos Parlamentares e Ensaios Políticos. Senado Federal, 1978.

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