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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Lisboa, a Terceira Roma: o império do Espírito Santo e o mito de Ourique

 1. Introdução: o arquétipo das sete colinas

Desde a Antiguidade, as cidades edificadas sobre sete colinas foram vistas como sinais de eleição divina. Roma, fundada sobre sete colinas, tornou-se o centro do Império e, depois, o coração da Cristandade. Jerusalém, na tradição bíblica, também é uma cidade de colinas — símbolo da aliança entre Deus e o seu povo.

Lisboa, erguida igualmente sobre sete colinas, carrega em si a mesma assinatura simbólica. Essa coincidência topográfica é mais do que uma curiosidade: é um indício providencial. As sete colinas de Lisboa apontam para a vocação universal do povo português, chamado a unir a cruz e o mar, a fé e a expansão.

2. Ourique e a renovação do “In hoc signo vinces”

O milagre de Ourique (1139) ocupa, na história de Portugal, o mesmo lugar que a visão de Constantino (312) ocupa na história de Roma. Antes da batalha contra os mouros, Cristo teria aparecido a D. Afonso Henriques, prometendo-lhe vitória sob o sinal da cruz. Na lenda constantiniana, Cristo aparece a Constantino e lhe revela a frase “In hoc signo vinces” — com este sinal vencerás.

A correspondência entre ambos os episódios é nítida: em Ourique, Portugal renova o pacto de Roma com o céu. É como se a graça da conversão de Constantino se reencarnasse no primeiro rei português, que funda um reino em nome de Cristo.

Ourique é, portanto, a translatio imperii — a transferência simbólica do império cristão para o Ocidente ibérico. A partir desse momento, o destino português adquire uma dimensão escatológica: Portugal existe para servir a Cristo e propagar a fé aos confins da Terra.

3. Da queda de Bizâncio ao nascimento do Império do Espírito Santo

Quando Bizâncio caiu em 1453, o Oriente cristão foi vencido, e a “segunda Roma” desapareceu. O cetro espiritual da Cristandade ficou órfão. Nesse exato período, Portugal iniciava as Grandes Navegações, enviando missionários e navegadores para evangelizar o mundo. O centro da Cristandade desloca-se, então, do Mediterrâneo para o Atlântico, e Lisboa se torna o novo ponto axial da história cristã. O império português não nasce da conquista, mas da vocação missionária: levar o Evangelho onde Roma e Bizâncio não puderam chegar.

Como ensinava o Padre Antônio Vieira, “Deus escolheu Portugal para levar o seu nome às nações que não o conheciam”. Lisboa torna-se, assim, a Roma do mar e do Espírito Santo, uma cidade-ponte entre continentes e culturas, continuadora do império de Cristo.

4. A Roma atlântica e o universalismo católico

Roma foi a Roma latina, centro da autoridade eclesial. Bizâncio foi a Roma oriental, sede da sabedoria teológica. Lisboa é a Roma atlântica, sede da missão. Do seu porto partiram caravelas e cruzes, santos e mártires, monges e mercadores, todos movidos pela mesma convicção: servir a Cristo em terras distantes. A fé não era apenas um estandarte, mas a causa final da empresa ultramarina. O império português se definia menos pela conquista de territórios do que pela difusão do Evangelho. Lisboa não conquistou povos; ela batizou continentes.

Nesse sentido, Lisboa realiza o ideal católico em seu sentido mais puro — katholikós, “universal”. É a cidade de onde a fé parte para o mundo e, por isso mesmo, a terceira encarnação da Roma eterna: Roma da Lei (Roma antiga), Roma da Fé (Bizâncio) e Roma do Espírito Santo (Lisboa).

5. A mística das colinas e o destino espiritual

As sete colinas lisboetas — São Jorge, São Vicente, São Roque, Santo André, Santa Catarina, Chagas e Graça — formam uma geografia teológica. Nelas se vê a imagem dos sete dons do Espírito Santo: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.

Lisboa não é apenas o centro político de um reino; é a cidade-ícone de uma missão. Quando os navegadores partiam do Tejo, partiam do coração da Cristandade viva — a que se move, se arrisca e se oferece. Em cada partida, repetia-se o eco de Ourique: com este sinal vencerás.

6. Conclusão: Lisboa, Roma do Espírito Santo

Roma estabeleceu a Igreja; Bizâncio conservou a doutrina; Lisboa espalhou o Espírito Santo. Na sucessão providencial das cidades santas, Lisboa é a Terceira Roma — não a do poder, mas a da missão; não a da espada, mas a da cruz; não a do império terreno, mas a do império do Espírito Santo. Como escreveu Agostinho da Silva, “Portugal não conquistou o mundo: ele o serviu, para que Cristo reinasse nele.”

O mito de Ourique, portanto, não é apenas a origem de uma nação, mas a epifania de uma vocação eterna: a de que, sob o mesmo sinal da cruz, Portugal — e com ele Lisboa — continuaria o Império de Cristo até o fim dos tempos.

Bibliografia sugerida

  • VIEIRA, Padre António. Sermões do Quinto Império.

  • QUADROS, António. A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa.

  • SILVA, Agostinho da. O Quinto Império.

  • MARINHO, José. A Teoria do Ser e a Ideia de Portugal.

  • PESSOA, Fernando. Mensagem.

  • LEÃO XIII. Rerum Novarum (sobre o trabalho como santificação).

  • HERNÂNI CIDADE. A Alma e a Tradição Portuguesa.

  • RIBEIRO, Orlando. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico.

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