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domingo, 13 de abril de 2025

O Chocolate de Inverno

Durante os meses abafados do verão carioca, enquanto os ovos de Páscoa derretiam nos mercados antes mesmo de chegarem às prateleiras, ele observava em silêncio. Tinha olhos de comerciante antigo, mas a mente treinada de quem estudou os fluxos da economia mundial como se lesse mapas de batalha. Viu no chocolate não apenas um doce, mas um vetor de inteligência logística, cultural e econômica.

Chamava-se Rafael — embora muitos só o conhecessem pelo pseudônimo com que assinava seus textos de análise e seus diários, cuidadosamente redigidos à mão e depois transcritos para seu blog. Seu olhar ia além do evidente. Para ele, a Páscoa era mais do que uma celebração religiosa. Era uma janela de oportunidade que se abria com o outono — e ele sabia que, no hemisfério sul, o calor persistia como uma maldição sobre o chocolate artesanal.

Foi então que a ideia veio como uma epifania simples: “E se eu vendesse chocolate no inverno?” Mas não qualquer inverno — o inverno do outro, do expatriado, aquele que sentia saudade do Brasil e que agora, no frio de Boston, Toronto ou Santiago, buscava uma forma de se reconectar às origens.

Rafael traçou o plano como quem joga xadrez em silêncio:
Compraria chocolates Harald pela Amazon brasileira, aproveitando cupons e cashbacks que acumulava com habilidade quase esportiva. Os chocolates seriam armazenados em Santa Catarina, onde o frio e a isenção de ICMS sobre alimentos criavam a combinação perfeita de conservação e economia. Ali, um parceiro de confiança cuidaria do estoque e do preparo para envio.

Do Sul do Brasil, o chocolate seguiria para o mundo: ovos de Páscoa artesanais, trufas e bombons com recheios tropicais, feitos por mãos brasileiras que hoje moravam nos Estados Unidos, no Canadá, na Argentina ou no Chile. Rafael chamava esses parceiros de “expatriados do bem”. Não eram apenas vendedores — eram embaixadores de uma saudade transformada em sabor.

Ele cuidaria da parte difícil: encontrar o fornecedor certo, coordenar o frete internacional com rastreio, calcular os melhores períodos do ano segundo as curvas de temperatura e umidade, cruzar isso com o calendário litúrgico e comercial. O parceiro no exterior só precisava fabricar e vender. Vendia em dólar. Pagava em real.

“PIX, Wise ou Zelle?”, perguntava Rafael com naturalidade, como quem oferece café. A resposta vinha sempre com entusiasmo: “O que for melhor pra você. Aqui tá vendendo tudo.”

A marca nasceu quase por acaso — “Inverno de Chocolate” —, e com ela veio uma história para contar em cada ovo, em cada embalagem: "Feito no frio, com sabor de casa." O produto se vendia não só pelo gosto, mas pela narrativa — era como enviar um pedaço do Brasil no pacote. E isso, ele sabia, valia mais do que o próprio dólar.

O que começou com uma caixa de chocolate fracionado tornou-se, aos poucos, um fluxo constante. Os expatriados fabricavam. Rafael abastecia. O lucro era dividido com justiça. E no centro de tudo, ele via um sentido que ia além do dinheiro: multiplicar talentos, servir com inteligência, honrar as pequenas coisas — como um bom chocolate que não derrete antes de chegar ao destino.

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