Introdução
O senso comum jurídico, amplamente repetido nas faculdades de Direito, frequentemente afirma que “informalidade é sinônimo de ilegalidade”. Tal premissa, porém, não resiste ao teste empírico quando observamos certos modelos de negócio sustentáveis, lícitos e culturalmente relevantes que, embora informais, operam em conformidade com a Constituição e com os princípios da ordem econômica b.rasileira. Um exemplo eloquente é o chamado dropshipping cultural baseado em social selling, onde a informalidade é uma escolha estratégica e não um subterfúgio ilegal.
Este artigo propõe uma análise econômico-jurídica dessa distinção, explorando as bases legais e a racionalidade econômica de um modelo de negócios fundado na venda informal e transnacional de livros, mediada por redes sociais, sem incorrer em qualquer tipo de evasão fiscal ou infração administrativa.
I. Conceituando os termos: informalidade vs. ilegalidade
1.1 A informalidade como ausência de formalização
Informalidade, em termos econômicos e jurídicos, refere-se à ausência de registro formal da atividade econômica junto ao Estado. Não implica, por si só, em descumprimento de normas legais — especialmente quando se trata de atividades isentas, desobrigadas ou exercidas em pequena escala e de modo ocasional.
1.2 A ilegalidade como transgressão de norma
Ilegalidade, por outro lado, implica violação direta de norma legal — seja por omissão de tributos devidos, fraude, contrabando, exercício irregular de profissão, entre outros.
Nem toda atividade informal é ilegal. E nem toda atividade formal é justa.
II. O dropshipping cultural e a Constituição: a imunidade do livro
No caso da revenda de livros por meios digitais e redes sociais, temos uma atividade material e formalmente legal, amparada pelo art. 150, VI, "d", da Constituição Federal, que veda a cobrança de impostos sobre livros, jornais e periódicos.
Além disso:
A venda direta ao consumidor estrangeiro, ainda que mediada por redirecionadores de encomendas, não configura exportação ilícita.
A ausência de CNPJ não compromete a legalidade quando a atividade não ultrapassa os limites da pessoa física, sem habitualidade empresarial formal.
III. O modelo de social selling: quando o relacionamento gera valor
O modelo que aqui se estuda baseia-se no social selling, isto é, na conversão de relacionamentos espontâneos (no caso, via Facebook) em microoportunidades de negócio. O diferencial não está na escala, mas na relação interpessoal e no valor cultural do produto.
3.1 O ciclo econômico-cultural do modelo
Um contato demonstra interesse por uma obra rara;
O vendedor, com base em sua autoridade cultural, oferece a obra;
O cliente realiza o pagamento (via PIX ou Zelle);
O livro é comprado na Amazon Brasil e enviado por redirecionamento;
A compra gera pontos Livelo, que são convertidos em milhas;
As milhas são vendidas e o valor é aplicado em CDB, LCA ou LCI;
O ciclo se retroalimenta, com capitalização isenta de IR.
Trata-se, pois, de um ecossistema de microempreendedorismo cultural, onde o lucro é consequência da prestação de um serviço intelectual e relacional — e não de um processo puramente comercial.
IV. Segurança jurídica e limites
4.1 Fundamento legal
Art. 150, VI, "d", CF: imunidade de livros.
Art. 170 da CF: valorização do trabalho humano e da livre iniciativa.
Ausência de habitualidade industrial, o que dispensa registro como empresa.
4.2 Limites da informalidade
Se a atividade ganhar escala e habitualidade, pode ser necessário:
Abrir MEI ou ME;
Declarar movimentações à Receita Federal, caso ultrapassem os limites de isenção da pessoa física.
É necessário manter transparência nas transações e guarda de comprovantes
Conclusão
O dropshipping cultural pautado no social selling é um exemplo concreto de como a informalidade pode ser legítima, legal e economicamente eficiente, sobretudo quando amparada pela Constituição e guiada por princípios de honestidade, reciprocidade e capital intelectual.
Trata-se de um modelo que honra a cultura, promove o acesso à informação e fortalece os laços entre pessoas de diferentes nações, sem cair na armadilha da burocracia ou da informalidade oportunista. Ele convida a uma reavaliação do que significa empreender com responsabilidade, mesmo fora das estruturas formais do Estado.
Bibliografia essencial
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
CARRION, Luiz Guilherme Marinoni et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2022.
COSTA, Fernando Augusto de Vasconcellos. Imunidades tributárias: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2016.
OLIVEIRA, Fabrício Germano Alves de. Tributação sobre livros e a imunidade cultural. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
HIRSCHMAN, Albert O. As paixões e os interesses: argumentos políticos em favor do capitalismo antes do seu triunfo. São Paulo: EDUSP, 2010.
KATZ, Helena Sampaio. Trabalho informal e economia popular. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário