Resumo:
Inspirando-se na metáfora de São João Paulo II — de que a Igreja precisa respirar com os dois pulmões do Oriente e do Ocidente — este artigo propõe que a iberosesfera também deve respirar com os dois pulmões da língua espanhola e da língua portuguesa. Ao analisar os fundamentos históricos e os desdobramentos geopolíticos dessa proposta, argumenta-se que a articulação estratégica e cultural entre os países ibero-americanos pode representar uma força alternativa no sistema internacional contemporâneo, marcada por blocos hegemônicos e tensões multipolares.
1. Introdução
Ao longo da história moderna, a Península Ibérica deu origem a dois dos maiores empreendimentos de expansão cultural, linguística e religiosa da história humana: o Império Espanhol e o Império Português. Seus legados, presentes na América Latina, na África e em partes da Ásia, constituem hoje uma vasta comunidade de nações com idiomas, religiões e estruturas culturais em comum.
No entanto, do ponto de vista geopolítico, a integração efetiva entre essas nações tem sido frágil e descontínua. A proposta aqui apresentada é de que, assim como a Igreja Católica necessita respirar com os dois pulmões do Oriente e do Ocidente para ser plenamente viva e universal, também a iberosesfera — conceito que se refere ao conjunto dos países de cultura hispano-lusófona — precisa respirar com os dois pulmões: o hispânico e o luso, em seus múltiplos desdobramentos ultramarinos.
2. A Construção da Iberosfera
A Iberosfera é uma realidade cultural, histórica e linguística formada pelas expansões coloniais ibéricas dos séculos XV e XVI. Espanha e Portugal, impulsionados pelas caravelas e pela missão cristã, dividiram o mundo extraeuropeu pelo Tratado de Tordesilhas (1494), criando zonas de influência que dariam origem a dois mundos intercontinentais distintos, mas entrelaçados.
As conquistas, embora muitas vezes violentas, fundaram civilizações híbridas, cristãs, sincréticas, e inauguraram o que Fernand Braudel chamou de “economia-mundo”. Tanto o mundo hispânico quanto o mundo luso produziram não apenas colônias, mas cosmópolis culturais com gramáticas, universidades, igrejas e estruturas administrativas baseadas em modelos ibéricos.
Bibliografia recomendada:
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BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.
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BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1991.
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ELLIOTT, John H. Império: Como a Espanha se tornou um mundo. Lisboa: Bertrand, 2009.
3. A Fragmentação Pós-Colonial e o Sonho da Unidade
No século XIX, com a onda das independências latino-americanas, a unidade ideal da Hispanoamérica e da Lusofonia se fragmentou. Projetos como a Patria Grande, de Simón Bolívar, ou os esforços de José Bonifácio no Brasil, visavam a uma unidade supranacional, mas encontraram resistências internas e externas. A lógica das nações-Estado prevaleceu, e os países ibero-americanos passaram a se relacionar mais com as potências hegemônicas (EUA, Reino Unido, França) do que entre si.
Contudo, ao longo do século XX e XXI, novas tentativas de articulação cultural e política emergiram, como:
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CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)
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CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)
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Instituto Cervantes e Instituto Camões
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Cúpula Ibero-Americana
Apesar desses avanços, ainda falta uma verdadeira integração estratégica entre os países de língua espanhola e portuguesa, tanto no plano cultural quanto no plano econômico e militar. A fragmentação do mundo ibérico é um enfraquecimento coletivo frente às grandes potências.
4. O Desafio Geopolítico da Iberosfera no Século XXI
A geopolítica global do século XXI está cada vez mais marcada por um retorno a lógicas civilizacionais. Samuel Huntington, em O Choque de Civilizações (1996), sugeriu que os conflitos do futuro seriam culturais, não apenas ideológicos ou territoriais. Nesse contexto, a Iberosfera aparece como uma civilização com raízes cristãs, clássicas, ibéricas e universais.
A articulação estratégica da Iberosfera — unindo os países de língua espanhola e portuguesa — permitiria:
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Formar um bloco de mais de 800 milhões de falantes em quatro continentes;
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Fortalecer a diplomacia cultural baseada no humanismo cristão ibérico;
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Criar plataformas econômicas e financeiras próprias, reduzindo a dependência de centros anglo-saxões;
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Posicionar-se como mediadora em conflitos globais, pela via do diálogo intercontinental.
Bibliografia complementar:
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HUNTINGTON, Samuel. O Choque de Civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
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DUSSEL, Enrique. 1492: O encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993.
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MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2019.
5. Respirar com Dois Pulmões: Uma Nova Missão Cultural
A metáfora dos dois pulmões não é apenas retórica; ela aponta para uma necessidade vital. Um corpo que respira com um só pulmão se enfraquece, adoece, perde fôlego. A Iberosfera — se quiser ter um papel relevante no século XXI — precisa ativar simultaneamente sua potência hispânica e sua potência luso-brasileira.
Essa respiração passa por:
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Intercâmbios acadêmicos e literários entre o mundo luso e o mundo hispânico;
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Reconhecimento mútuo dos grandes autores, santos, artistas e estadistas;
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Traduções sistemáticas entre as duas línguas (ainda rarefeitas);
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Integração das juventudes através da internet, das artes e da fé;
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Cooperação política e econômica em frentes comuns (tecnologia, defesa, diplomacia).
6. Conclusão
A Iberosfera precisa sair da condição de mera herança histórica para se tornar uma comunidade estratégica de destino. Isso implica superar rivalidades nacionais, desconfianças ideológicas e traumas coloniais. A unidade proposta não é imperialista nem homogênea; é uma comunhão de povos, línguas e culturas que reconhecem na história ibérica — e sobretudo no legado cristão que a unifica — a base para um novo protagonismo no mundo.
Referências Bibliográficas
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BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.
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BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1991.
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ELLIOTT, John H. Império: Como a Espanha se tornou um mundo. Lisboa: Bertrand, 2009.
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HUNTINGTON, Samuel. O Choque de Civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
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DUSSEL, Enrique. 1492: O encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993.
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MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2019.
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ROIG, Arturo Andrés. O pensamento latino-americano e a desconstrução da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.
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SÃO JOÃO PAULO II. Ut Unum Sint: Carta Encíclica sobre o compromisso ecumênico. Vaticano, 1995.
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