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domingo, 6 de abril de 2025

O Inter-esse como Fundamento Ontológico do Processo e da Intervenção de Terceiros: por uma Filosofia do Direito fundada na Verdade e na Justiça

Introdução

O Direito, enquanto ciência normativa da convivência humana, tem na justiça seu fim próprio e na verdade seu fundamento. Em contexto processual, a busca pela verdade não é apenas um ideal abstrato, mas uma exigência concreta que se realiza na tensão entre duas ou mais vontades em conflito. Nesse sentido, a categoria do interesse — cuja origem etimológica remonta ao latim inter-esse, que é “aquilo que está entre duas realidades” — revela uma dimensão ontológica do processo judicial que muitas vezes é negligenciada pela dogmática jurídica contemporânea.

O presente ensaio propõe uma reflexão filosófica sobre a estrutura do processo civil a partir da noção de inter-esse como realidade posta entre o autor e o réu. Sustenta-se que o juiz, como figura central da jurisdição, deve considerar não apenas as pretensões em litígio, mas também a conveniência e a legitimidade da intervenção de terceiros cujos interesses jurídicos estejam objetivamente relacionados ao bem da vida disputado. Tal reflexão recoloca a questão da justiça como pacificação social mediante o reconhecimento da verdade contida nas ações dos homens — verdade essa que, quando efetivamente conhecida, gera uma externalidade positiva que excede os limites do caso concreto.

1. O Interesse como Realidade Intermediária e Relacional

No plano etimológico e filosófico, inter-esse indica mais do que uma expectativa subjetiva: trata-se de uma realidade situada entre dois sujeitos, uma presença que participa da relação sem se reduzir a um dos polos. No processo, o interesse é o elemento que vincula o autor ao réu; é aquilo que se encontra em estado de disputa, cuja determinação exige um juízo externo de reconhecimento.

Essa dimensão do interesse como realidade objetiva entre sujeitos se aproxima do conceito aristotélico de “própria ação” (praxis) — aquilo que é realizado por uma pessoa em conformidade com a sua finalidade. Quando um conflito de interesses chega ao Judiciário, o que se pede ao juiz é que compreenda e julgue a verdade das ações humanas à luz do Direito. Assim, o processo não é apenas um mecanismo formal, mas um espaço de revelação do ser na esfera do dever-ser, ou seja, da verdade da conduta perante a justiça.

2. O Processo como Caminho de Revelação e Justiça

O processo civil, como instrumento estatal de composição de litígios, visa mais do que a solução de um conflito: ele busca a reconstrução racional e dialética dos fatos e do direito aplicável, mediante o contraditório e a ampla defesa. Sua função é, portanto, epistemológica (revelar a verdade), axiológica (realizar a justiça) e teleológica (conferir paz social).

Neste contexto, o juiz não deve agir como mero espectador ou aplicador mecânico da norma, mas como verdadeiro guardião do justo concreto, isto é, aquele que discerne, a partir do caso, o que é devido a cada um (suum cuique tribuere). Para isso, precisa considerar não só os argumentos das partes principais, mas também a existência de interessados juridicamente qualificados, cuja participação possa contribuir para o esclarecimento da controvérsia.

3. A Intervenção de Terceiros e o Bem Comum Processual

A possibilidade de intervenção de terceiros no processo deve ser vista não apenas como uma técnica processual, mas como uma exigência da própria estrutura relacional do conflito. Se o interesse é uma realidade intersubjetiva, então ele pode envolver mais do que duas partes. O terceiro que intervém o faz por possuir interesse jurídico próprio que será afetado pela decisão a ser proferida, mesmo que não tenha sido parte no início da demanda.

Do ponto de vista filosófico, essa intervenção encontra fundamento na ideia de que a justiça, para ser completa, deve abranger todos aqueles cujos direitos estão implicados no litígio. Negar a participação de tais sujeitos seria amputar a verdade do caso e reduzir a função jurisdicional a um formalismo inócuo. Quando o juiz admite a intervenção de terceiros com base na conveniência para o deslinde da causa e para a realização da justiça, ele reconhece que o processo pertence, em última instância, à comunidade dos homens que nele têm inter-esse.

4. A Verdade, a Sentença e a Paz Social como Externalidade Positiva

A sentença judicial, quando fundada na verdade processualmente revelada, realiza a justiça e, por consequência, produz a paz social. Essa pacificação é, por assim dizer, uma externalidade positiva do bom funcionamento do processo. O conceito de externalidade, oriundo da economia, indica efeitos indiretos de uma ação que beneficiam terceiros não diretamente envolvidos na relação principal. No Direito, pode-se falar em externalidade positiva quando a resolução justa de um litígio reforça a confiança da sociedade na ordem jurídica e contribui para a coesão social.

Tal perspectiva confere ao processo uma dimensão moral e política elevada: o juiz não decide apenas entre partes — ele decide diante da comunidade, com vistas à verdade, à justiça e ao bem comum.

Conclusão

Retomar a etimologia de inter-esse como ponto de partida para repensar o processo judicial nos permite recolocar a justiça no centro da atividade jurisdicional. A partir dessa noção, vê-se que a intervenção de terceiros não é apenas um expediente técnico, mas uma exigência da própria realidade ontológica do conflito. O processo, enquanto instrumento de pacificação e revelação da verdade, só cumpre sua função quando respeita essa complexidade relacional.

A sentença justa, fundada na verdade das ações humanas, contribui para a paz e para a ordem social, tornando-se expressão de um Direito que não se reduz à norma, mas se eleva à condição de ciência moral. Nesse sentido, a jurisdição não é apenas poder do Estado, mas missão de justiça no tempo e na história dos homens.

Bibliografia Sugerida

Filosofia do Direito:

  • GIORGI, Mauro. Interesse e Justiça. São Paulo: Martins Fontes.

  • OLIVEIRA, Manoel Jorge e Silva Neto. Justiça e Verdade no Processo. Salvador: JusPodivm.

  • ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Macmillan, 1908.

  • LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

  • OLAVO DE CARVALHO. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Direito Processual:

  • DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros.

  • MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT.

  • DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. Salvador: JusPodivm.

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