A ruptura do vínculo empregatício por decisão unilateral do empregador, quando não acompanhada de justa causa, tem sido tradicionalmente analisada pela dogmática jurídica sob a ótica do contrato de trabalho. Nessa perspectiva, a demissão arbitrária é interpretada como um ato lícito, ainda que oneroso, mediante o pagamento das verbas rescisórias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, tal abordagem se mostra insuficiente quando não se considera a complexidade humana, social e política que envolve a relação de trabalho.
O Direito do Trabalho não surgiu como simples desdobramento das relações privadas, mas como resposta histórica à necessidade de proteção do trabalhador em face da assimetria estrutural entre capital e trabalho. Foi nesse contexto que a doutrina social da Igreja Católica, por meio de encíclicas como Rerum Novarum (1891) e Quadragesimo Anno (1931), influenciou diretamente a construção de um arcabouço jurídico voltado à justiça social. No Brasil, essa influência foi notória na formulação da CLT, promulgada em 1943 sob a égide de uma política trabalhista que buscava harmonizar as relações entre empregadores e empregados à luz de princípios éticos, morais e comunitários.
Sob esse prisma, a demissão arbitrária não se limita ao rompimento do contrato entre patrão e empregado. Ela implica também uma lesão profunda ao espírito de corpo formado entre os trabalhadores — uma espécie de solidariedade prática, construída no cotidiano laboral, que transcende o plano contratual. A exclusão abrupta de um colega do ambiente de trabalho representa, para os demais empregados, um abalo não apenas emocional, mas simbólico: rompe-se a confiança no valor do esforço coletivo e instala-se o medo como novo paradigma da relação de trabalho.
Essa perspectiva social do vínculo laboral evidencia a insuficiência da visão puramente economicista, predominante em certos setores da direita liberal, que veem na flexibilização dos direitos trabalhistas uma condição necessária ao crescimento econômico. Ao ignorar o valor comunitário do trabalho e sua função integradora na vida do cidadão, tal abordagem enfraquece os laços sociais e despreza a dimensão moral do contrato de trabalho.
O contrato, no Direito do Trabalho, é mais do que um instrumento de troca: é também um pacto de cooperação. Ao romper esse pacto de forma unilateral, sem causa legítima, o empregador não só compromete a dignidade do trabalhador demitido, mas enfraquece a base ética da empresa e abala a coesão do grupo laboral. É por isso que o Estado social de Direito, inspirado em valores cristãos, consagrou mecanismos de proteção ao trabalhador demitido injustamente — como a multa rescisória sobre o FGTS e a exigência de motivação para demissões no serviço público.
Aqueles que criticam tais garantias como entraves à livre iniciativa, esquecem-se de que a verdadeira liberdade econômica não se edifica sobre a precarização do trabalho, mas sobre a justiça distributiva e o respeito à dignidade da pessoa humana. Em tempos de insegurança jurídica e desumanização das relações profissionais, torna-se urgente resgatar a centralidade do trabalho como fundamento da ordem social e instrumento de realização do bem comum.
O Direito do Trabalho, como disciplina jurídica, e a política, como prática de governo, devem convergir na promoção de uma economia enraizada na solidariedade. É preciso compreender que a estabilidade no emprego, longe de ser um privilégio corporativista, é expressão concreta de uma ética do cuidado e da lealdade entre as partes que formam o corpo social da empresa.
Em suma, a demissão arbitrária não atinge apenas o indivíduo desligado, mas todo o coletivo a que ele pertencia. E essa verdade, obscurecida por visões utilitaristas, clama por reconhecimento e defesa, sobretudo por parte daqueles que desejam construir uma sociedade livre, justa e solidária — como exige o mandamento cristão e a Constituição da República.
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