Resumo:
Este artigo sustenta que toda teoria política ou geopolítica fundada em determinismo geográfico é falsa por natureza, pois absolutiza um fator material em detrimento da liberdade e da ação inteligente do homem. Ao mesmo tempo, reconhece que o fator geográfico pode e deve ser considerado nas análises políticas, desde que compreendido como um elemento entre outros, e jamais como uma causa necessária ou fatal. Tal distinção é essencial para manter a dignidade da pessoa humana, a historicidade das sociedades e a complexidade do agir político.
1. Introdução
Desde os tempos antigos, pensadores têm buscado compreender as razões pelas quais as sociedades humanas se organizam de determinados modos, guerreiam, se expandem ou decaem. Um dos fatores mais evidentes nessas análises é a geografia — o lugar onde um povo habita, suas fronteiras, seus recursos naturais, seu clima. Contudo, há uma diferença substancial entre reconhecer a geografia como um fator histórico relevante e cair na armadilha do determinismo geográfico, que a transforma em explicação totalizante e inescapável da vida política e social de um povo.
2. O Determinismo Geográfico e seus Problemas
O determinismo geográfico sustenta que as condições naturais — relevo, clima, localização, recursos — determinam de forma quase mecânica o comportamento dos povos, a estrutura de seus governos e os destinos de suas civilizações. Friedrich Ratzel, por exemplo, ao desenvolver a “geografia política”, argumentava que os Estados são organismos vivos que se expandem ou contraem conforme sua vitalidade, dependente do espaço em que habitam.
Esse tipo de teoria, embora sedutora em sua simplicidade, desumaniza a história. Ela ignora:
-
a liberdade da ação humana;
-
o papel das ideias, da cultura, da religião e da moral;
-
a imprevisibilidade da contingência histórica;
-
a intervenção da providência ou do acaso.
Por isso, toda teoria política ou geopolítica fundada exclusivamente no determinismo geográfico está condenada a cometer graves injustiças epistemológicas e antropológicas.
3. A Geografia como Fator Histórico, não como Fatalidade
Reconhecer o papel do espaço não implica aceitá-lo como destino. A localização de Roma certamente contribuiu para sua expansão imperial, assim como os Andes influenciaram as estruturas políticas do Império Inca. Contudo, o papel decisivo sempre pertenceu ao espírito humano que interpreta, adapta, inventa, domina ou sucumbe aos desafios do espaço.
Como ensina Aristóteles, a explicação de qualquer ente ou processo exige a consideração de quatro causas: material, formal, eficiente e final. A geografia pode ser a causa material (o "de onde" algo vem), mas a causa formal (o "que é") e a final (o "para que") são dadas pela inteligência, vontade e cultura humana, elementos imensuráveis por mapas.
4. O Exemplo Bíblico: O Êxodo
Nenhum exemplo é mais simbólico do que o do povo hebreu no Egito. Preso numa terra estrangeira, sujeito a condições políticas e geográficas opressivas, aquele povo foi libertado por uma intervenção divina que se valeu da fé, da liderança de Moisés, da obediência e da esperança de um destino superior. A geografia, nesse caso, estava subordinada a um desígnio providencial e a uma resposta humana livre.
5. Implicações para a Teoria Política e a Geopolítica
Uma geopolítica realista deve incluir o fator geográfico como um dado, mas jamais como uma sentença. O verdadeiro estadista é aquele que lê sua geografia à luz da história, da moral e da inteligência estratégica, e não aquele que se submete passivamente ao relevo ou ao clima. Do mesmo modo, um povo é verdadeiramente livre quando reconhece que não está preso ao solo que habita, mas é chamado a transcendê-lo pela cultura, pela fé e pela missão histórica que o constitui.
6. Conclusão
A geografia é um elemento valioso para compreender as ações políticas e as estruturas sociais. No entanto, transformar esse elemento em determinante absoluto é trair a liberdade humana e reduzir a política a uma pseudociência mecânica. Devemos, pois, rejeitar o determinismo geográfico e adotar uma visão integral, na qual o espaço é um campo de ação — não um cárcere.
Bibliografia Recomendada
Clássicos da teoria geopolítica e seus críticos:
-
Friedrich Ratzel – Geografia Política
Obra fundadora do determinismo geográfico moderno. Leitura crítica para entender o erro desde a sua formulação original. -
Halford Mackinder – The Geographical Pivot of History
Um dos marcos da geopolítica britânica. Embora reconheça o papel da geografia, já busca superá-lo com elementos estratégicos. -
Nicholas Spykman – America’s Strategy in World Politics
Atualização da geopolítica para o contexto norte-americano, onde o fator geográfico entra como cálculo estratégico e não como destino.
Obras críticas e complementares:
-
Aristóteles – Metafísica (Livro V e XII)
Essencial para compreender o conceito de causa formal e final, que ajudam a relativizar o papel da geografia. -
Eric Voegelin – Ordem e História
Voegelin combate todas as formas de gnosticismo político, inclusive os determinismos (geográficos, históricos, raciais etc.). -
Olavo de Carvalho – O Jardim das Aflições
Análise profunda da modernidade, incluindo as reduções ideológicas e deterministas da ação humana. -
Gilbert Simondon – A Individuação à Luz das Noções de Forma e Informação
Para quem deseja aprofundar a questão do meio como campo de atualização e não como determinante da forma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário