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sábado, 12 de abril de 2025

O Empreendedor Invisível e a Queda da Classe Ociosa

Enunciado:

O empreendedor que serve sob CNPJ alheio, ao reunir cultura prática e conhecimento teórico, transforma inside information em capital criativo, rompe com o carreirismo da aparência e inaugura uma nova profissão fundada no serviço real e produtivo, devolvendo à educação superior o seu verdadeiro lugar: o cultivo dos talentos.

Vivemos um tempo em que a aparência de poder foi elevada à condição de bem simbólico supremo. Não basta ser produtivo — é preciso parecer importante. Esse fenômeno, já denunciado por Thorstein Veblen em sua teoria da classe ociosa, mostra como determinados estratos da sociedade buscam se distinguir por meio do consumo ostentatório e de carreiras respeitáveis que servem mais à aparência do que à função.

Contudo, há um personagem novo emergindo nas margens desse sistema: o empreendedor que serve sob CNPJ alheio. Ele trabalha em firmas de limpeza, em estoques, em cozinhas industriais, em transportadoras — e o faz não como quem se resigna, mas como quem estuda o mundo por dentro. Cada função é para ele uma lição. Cada tarefa, uma possibilidade de inovação.

Inside Information do Mundo Real

Esse empreendedor invisível não tem crachá de executivo nem diploma de prestígio. O que ele tem é algo mais raro: inside information da realidade. Ao servir em empresas alheias, ele aprende os segredos do funcionamento de setores inteiros — como se limpar um piso de mármore, como organizar um estoque para reduzir perdas, como tratar um cliente mal-humorado e fidelizá-lo.

A maioria das pessoas passa por essas funções como quem apenas cumpre expediente. Mas o empreendedor dotado de olhar crítico transforma esse percurso em capital prático acumulado — algo que nenhuma faculdade ensina. É o saber do chão de fábrica, da rotina doméstica, das engrenagens ocultas da vida.

Educação Prática e Invenção de Novas Profissões

E se, além disso, esse empreendedor tiver cultura e formação teórica, ainda que autodidata, ele é capaz de inventar uma nova profissão. Pode transformar seu conhecimento em curso, produto, serviço, patente, franquia. Pode reorganizar um setor a partir de um detalhe que só quem serve enxerga.

A consequência disso é um reposicionamento silencioso do que entendemos por vocação e por ensino superior. Aqueles que não têm talento para o saber teórico abandonam o curso superior não por fracasso, mas por honestidade consigo mesmos. Com isso, liberam espaço para que os verdadeiramente vocacionados à ciência e à filosofia floresçam. E a universidade volta a ser o que deveria: um templo do espírito, e não um cabide de status social.

A Queda da Classe Ociosa

Esse movimento, ainda que discreto, representa uma ameaça real à classe ociosa. Pois ele rompe com o jogo simbólico que sustentava seu poder: o da aparência. O empreendedor do serviço invisível não precisa parecer poderoso — ele é produtivo de fato. Ele serve, resolve, inova. E, aos poucos, eleva o prestígio do trabalho bem-feito acima da pose vazia.

Enquanto os membros da classe ociosa se apegam a cargos e títulos para manter suas posições, esse novo sujeito se torna irreversivelmente livre. Ele não precisa de permissão para criar. Ele cria a partir do que viu, do que tocou, do que resolveu com as próprias mãos.

Conclusão

O caminho de santificação pelo trabalho passa por esse reconhecimento: é possível construir uma vida intelectual e produtiva servindo em funções humildes. O empreendedor que trilha essa via não se ilude com aparências. Ele compreende que o poder verdadeiro vem do serviço, e que a vocação se revela não no desejo de brilhar, mas na disposição de aprender, servir e criar.

Essa é a revolução silenciosa dos que ainda acreditam que o trabalho, quando bem feito, é um ato de amor.

Bibliografia comentada

  1. Thorstein Veblen — A Teoria da Classe Ociosa
    Obra fundamental para compreender o conceito de "consumo conspícuo", ou seja, o uso do consumo e da aparência como sinais de status. Veblen descreve uma classe social que vive da exibição de poder simbólico, sem produzir valor real. Serve de contraponto ao empreendedor prático descrito neste artigo.

  2. Matthew B. Crawford — O Valor do Trabalho: O que perdemos ao delegar o pensar e o fazer
    O autor defende a dignidade e a inteligência prática do trabalho manual. Ele mesmo largou a carreira acadêmica para abrir uma oficina de motocicletas. É leitura essencial para compreender a importância da experiência concreta como forma de conhecimento.

  3. Josiah Royce — A Filosofia da Lealdade
    Obra recomendada por Olavo de Carvalho, trata da ideia de lealdade a causas superiores ao próprio ego. Serve como base filosófica para entender o serviço bem feito como vocação e como forma de santificação.

  4. Olavo de Carvalho — O Jardim das Aflições
    Reflete sobre o conflito entre forma e substância na civilização moderna. O livro ajuda a entender como a cultura da aparência destrói a autoridade real, deslocando o poder do serviço para o simulacro.

  5. Pierre Bourdieu — A Distinção: Crítica Social do Julgamento
    Bourdieu explora como o gosto, o consumo e o capital cultural são utilizados para distinguir classes sociais. Reforça a crítica à educação superior como instrumento de reprodução simbólica da elite ociosa.

  6. Rerum Novarum — Papa Leão XIII
    Encíclica que apresenta a visão católica sobre o trabalho, o capital e a justiça social. Afirma que o capital é o acúmulo de bens justos obtidos por meio do estudo e do trabalho ao longo do tempo — visão profundamente alinhada à ideia de santificação pelo serviço produtivo.

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