Vivemos em uma era marcada pela hegemonia de discursos que transformaram a ideia de progresso em um fim em si mesmo. Esse culto ao progresso, dissociado da verdade, serve de base para o que se convencionou chamar de "comunidade imaginada". Tal conceito, originalmente elaborado por Benedict Anderson para descrever a constituição das nações modernas, adquire em nossos dias uma dimensão mais ampla e perigosa: torna-se uma ferramenta de engenharia social que, amparada em um determinismo geográfico e cultural, converte as ciências humanas em ciências de laboratório, cujo objetivo é exportar modelos revolucionários.
O que isso significa? Significa que os princípios da experimentação, outrora próprios às ciências naturais, agora moldam também os modelos de comportamento humano, político e social. As ciências humanas, submetidas a paradigmas positivistas e reducionistas, tornam-se instrumentos de previsão e controle. Tal como em um experimento de laboratório, populações inteiras passam a ser objetos de teste para aplicação de ideias progressistas, cujo sucesso não se mede pela verdade dos resultados, mas pela sua funcionalidade dentro de uma narrativa histórica artificial.
Eric Voegelin foi um dos grandes críticos dessa tendência. Em sua obra, denunciou o surgimento das religiões políticas e das ideologias modernas como formas de gnosticismo, isto é, tentativas humanas de construir a ordem perfeita na Terra sem referência ao transcendente. A "comunidade imaginada" progressista é, nesse sentido, uma forma de gnosticismo político: ignora a realidade do pecado original, da limitação humana, e aposta na reengenharia da sociedade como meio de redenção intramundana.
Augusto Del Noce também percebeu que o progressismo moderno representa uma mutação da revolução marxista, agora em moldes culturais. A luta de classes cede lugar à luta por identidades, e o proletário revolucionário é substituído pelo sujeito identitário. Tudo isso é feito sob a aparência de neutralidade científica, como se tais transformações fossem inevitáveis conseqüências do "progresso".
Olavo de Carvalho, por sua vez, retomou com vigor a ideia de que não há conhecimento sem uma adesão voluntária à verdade. Para ele, a ciência não pode ser reduzida a um aparato técnico de dominação. O conhecimento é inseparável da verdade, e esta, por sua vez, exige um ato de amor e responsabilidade pessoal. Ao dissociar conveniência de verdade, o progressismo constrói castelos de areia ideológicos que são, no fundo, expressões de poder travestidas de racionalidade.
Santo Tomás de Aquino, em sua concepção da lei natural, oferece a âncora para escapar dessa deriva moderna: a ordem política não pode ser edificada sem referência à ordem da alma, e esta não se sustenta sem a verdade divina. Todo projeto de sociedade que se constrói abstraindo a verdade objetiva está fadado à injustiça, à tirania e à autodestruição.
Portanto, a "comunidade imaginada" que hoje se ergue sob os auspícios do progressismo não é apenas uma ideia inofensiva de pertencimento cultural: é uma técnica de controle social. Ao conservar apenas o que é conveniente — mesmo que falso —, ela perpetua um ciclo de alienação e escravidão intelectual. Contra isso, urge restaurar o primado da verdade e da liberdade espiritual como condições essenciais para qualquer sociedade verdadeiramente humana e cristã.
Bibliografia
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
VOEGELIN, Eric. A Nova Ciência da Política. Brasília: Editora da UnB, 1982.
DEL NOCE, Augusto. O Suicídio da Revolução. Lisboa: Edições 70, 2022.
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.
TOMÁS DE AQUINO, S. Suma Teológica. Vários volumes. Trad. Alexander Baumgarten. São Paulo: Loyola, 2001.
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