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sábado, 12 de abril de 2025

A Justiça do Trabalho e a Função Social da Empresa: Entre a Legalidade e os Méritos de Cristo

Se é verdade que a empresa existe para gerar riqueza, é igualmente verdade — e talvez mais fundamental — que ela deve fazê-lo por meios justos e com finalidades que respeitem a dignidade da pessoa humana. Esse princípio, consagrado na Constituição Federal ao afirmar a função social da propriedade (art. 5º, XXIII) e da empresa (art. 170, III), revela que o capital não pode ser dissociado da responsabilidade ética de seu uso. Em outras palavras, o proprietário não é um soberano absoluto sobre o destino de sua empresa; é, antes, um administrador de bens que devem servir à sociedade.

Nesse contexto, a demissão arbitrária de trabalhadores revela-se como uma forma de abuso do direito de propriedade e de gestão empresarial. Tal abuso clama por uma resposta que não se limite à compensação financeira ou à indenização pela ruptura contratual, mas que considere a necessidade de restaurar a ordem moral violada. Uma ordem que só será plenamente restaurada quando se reconduzir o trabalhador ao “espírito de corpo” do qual fazia parte — restabelecendo o vínculo humano, comunitário e espiritual entre ele e a empresa.

É nesse ponto que se mostra insuficiente a atuação da Justiça do Trabalho. Ainda que a legislação preveja mecanismos de reparação, como a reintegração em casos de estabilidade, ou o pagamento de indenizações, essas medidas operam sobre a consequência do ato, e não sobre sua causa mais profunda: a má gestão do empregador que rompe, por vício moral, a justiça nas relações de trabalho. Não seria razoável, à luz da doutrina cristã da justiça social, permitir que aquele que injustamente desagregou o corpo da empresa continue a dirigi-la como se nada tivesse acontecido.

Por isso, propõe-se aqui uma reinterpretação ousada, porém profundamente ética, da função social da empresa: se esta deixa de cumprir sua função por atos injustos de seu gestor, o Estado — por meio da Justiça do Trabalho ou de mecanismos institucionais mais elevados — deveria contemplar a substituição da direção da empresa por alguém capaz de restituir a justiça e a comunhão interna, sem prejuízo da continuidade dos negócios. Um "bom patrão", nos méritos de Cristo, é aquele que, ao assumir a direção da empresa, não apenas garante sua lucratividade, mas também reconcilia os trabalhadores, reintegra os injustamente excluídos e reestrutura o ambiente laboral como comunidade de vocações e deveres partilhados.

Essa concepção — embora não prevista atualmente nos marcos legais — é perfeitamente compatível com a filosofia subjacente à ordem jurídica brasileira e à tradição católica que a influenciou. De fato, se o trabalho é o fundamento da ordem social e econômica (art. 1º, IV da CF), então toda empresa que lesa injustamente seus trabalhadores está ferindo não só um direito individual, mas um princípio fundante do próprio Estado.

A função social da propriedade, portanto, não se esgota na mera geração de empregos ou pagamento de tributos. Ela termina onde começa a justiça — e a justiça, no âmbito laboral, exige que se veja a empresa não apenas como coisa do proprietário, mas também como realidade viva composta por todos que nela colaboram com seu suor, sua inteligência e sua lealdade. A empresa também é dos empregados, no sentido mais profundo da palavra: pertence-lhes espiritualmente, pois nela realizam parte essencial de sua dignidade pessoal.

Assim, recuperar a justiça no mundo do trabalho não será possível enquanto maus empregadores continuarem impunes, e enquanto o vínculo social e moral entre trabalhadores continuar a ser tratado como secundário. A verdadeira justiça do trabalho requer coragem para olhar além do contrato — e enxergar, com olhos de Cristo, o que é devido a cada homem.

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