“E
esta afirmação é verdadeira. Por isso, repreende-os asperamente, para
que sejam sãos na fé, não deem ouvidos a fábulas judaicas nem a
mandamentos de homens que se afastam da verdade.” (Carta a Tito I,
13.14)
O modo de alcançar a sanidade é
evitar os erros dos judeus, donde diz: “não deem ouvidos às fábulas
judaicas”, porque na lei havia duas classes de ensinamentos de fé, isto
é, certas verdades acerca do que havia de se crer, também, alguns
mandamentos da religião, que haviam de se observar, sobre o culto de
Deus. Aos primeiros chama fábulas; aos segundos, mandamentos de homens, e
não de Deus, donde, aparentemente, como dizem os maniqueus, condena o
Antigo Testamento; mas o que diz das fábulas pode referir-se às suas
narrações, que, por estarem à margem da doutrina da lei, como o talmude,
são fabulosas (1 Tm I); ou a mesma doutrina, que a um tempo foi
verdade, agora, como a entendem eles, é a fábula e trufa; assim aquele
de Isaías VII: “eis que uma virgem conceberá” foi verdade, mas agora, já
porque o dizem eles que está ainda por se cumprir, é fabuloso, o mesmo
por mandamentos de homens podem entender-se não os que estão na lei de
Moisés, senão as tradições dos anciãos. Mas por ser mandamentos de
homens, não se deve obedecê-los? Certamente, conquanto não apartem da
verdade de Deus. Por isso acrescenta: “nem a mandamentos de homens que
se apartam da verdade” (2 Tm IV). De modo semelhante em Mc VII e Mt XV:
“em vão me honram ensinando doutrinas e mandamentos de homens”. Ou
digamos que os mandamentos, que estão na lei de Deus, foram
transformados em mandamentos de homens; pois quando se observam em sinal
da verdade futura são mandamentos de Deus; mas quando querem ser
observados depois que nosso corpo já está morto para a lei são
mandamentos de homens. (...)
“Para os limpos todas as
coisas são limpas”, dá em especial razão do dito, colocando um exemplo
na diferença de alimentos segundo a lei, que certos fulanos queriam
impor como obrigatória, por isso mostra essa diferença de alimentos a
respeito de bons e a respeito de maus, diz pois: “não deem ouvidos às
fábulas judaicas” no tocante a manjares, porque para os limpos todos os
alimentos são limpos, mas poderia alguém inferir: logo o adultério para
os limpos é limpo, respondo que não: porque o fato mesmo de ser
adultério é imundo; e para os limpos é limpo o que de si não é imundo, a
propósito São Mateus: “não é aquilo que entra pela boca, que mancha o
homem” (XV, 11). Logo tudo o que não entra pela boca é limpo. Mas a
objeção é dupla: uma a que toca o Levítico dizendo que “todo animal que
tem unha mas sem ser fendida, e que não rumina, será impuro” (XI, 26)
respondo, segundo Santo Agostinho contra Fausto: Alguma coisa é imunda,
ou segundo a natureza da coisa, ou segundo a significação: ponhamos por
caso se este nome, néscio, se toma segundo o que soa, como uma voz
qualquer, neste sentido não é imundo, senão bom: mas se se toma segundo a
significação de falta de sabedoria, então se tem imundícia, as ações
daquele povo eram feitos proféticos; donde o porco não é imundo no
sentido de certa coisa, mas porquanto significa ao homem que se revolve
na lama dos deleites carnais, mas cessaram com o advento da verdade, e
usam os homens dos alimentos segundo sua própria natureza.
(...)
“Principalmente
dos circuncisos”, que obrigam aos homens a judaizar, “guardai-vos
desses cães, guardai-vos desses maus operários, guardai-vos desses
mutilados”, (Fp III, 2) e o remédio é que não se deve ter nenhuma
relação com eles; porque se se lhes tolerasse, corromper-se-ia o povo e
imputar-se-ia ao pastor, “vós não subistes contra (o inimigo), nem vos
opusestes como um muro em defesa da casa de Israel” (Ez XIII, 5). Por
isso diz: “a quem deveis repreender”. Em seguida descreve suas
inclinações e aflições, pelo dano que causam, pelas falsidades que
ensinam, pela ganância que cobiçam, o dano está em que “transtornam
famílias inteiras”; pois a doutrina católica publicamente se propõe na
Igreja, mas os hereges às escondidas; por isso buscam esconderijos (Pv
IX), e por isso andam de casa em casa para seduzir principalmente as
mulheres (2 Tm III); “ensinando o que não convém”, isto é, vãs e
inúteis; nem buscam a conquista espiritual, senão o temporal: por isso
acrescenta: “pelo amor de uma torpe ganância”, ou seja, temporal, ou da
própria glória, “até julgaram que a nossa vida era um divertimento e a
nossa existência um mercado lucrativo, e que importava ganhar por
quaisquer meios mesmo ilícitos” (Sb XV, 12).
Santo Tomás de Aquino (Comentário à Carta de Tito)
Comentários finais:
Agradeço ao colega Tiago Tomista pelo envio desse material.