1. Introdução — a pátria como vocação do ser
Toda nação nasce de um chamado. Antes de ser fato político, a pátria é um modo de existir, uma forma de responder a Deus dentro da história.
Portugal e o Brasil, vistos à luz da economia divina, não são dois países separados, mas duas hipóstases históricas de uma mesma alma: Portugal, o Verbo que anuncia; Brasil, o corpo que encarna; e o Espírito Santo, o laço invisível que une ambos na mesma missão.
Por isso, a Arte de Ser Português é a primeira página da Arte de Ser Brasileiro. A primeira contempla; a segunda age. A primeira anuncia a Verdade; a segunda trabalha para encarná-la no mundo. Ambas participam da mesma ontologia: o ser como reconciliação e o homem como ponte viva entre o tempo e a eternidade.
2. Portugal — a contemplação do ser
Em Portugal, o ser tornou-se contemplação: da oração de Ourique nasceu uma civilização missionária. O Ad hoc signum vincis — “com este sinal vencerás” — é o arquétipo da vitória espiritual sobre o mundo: a fé como força fundadora. A saudade, em Teixeira de Pascoaes, exprime essa vocação: é o amor que se recorda da eternidade e deseja trazê-la de volta à terra.
Portugal, portanto, é o Pai espiritual da cristandade moderna. Foi ele quem abriu as fronteiras do mundo e levou a fé até onde o mapa terminava. Mas, ao esgotar-se no ato de dar, deixou como herança o espírito: uma centelha de eternidade depositada nas terras do além-mar.
3. Brasil — a encarnação do Espírito
O Brasil nasceu da vocação laboral e sacramental: trabalhar a terra, domar o caos, transformar o suor em oração. Enquanto o português navegava, o brasileiro cultivava. O ato de trabalhar tornou-se, aqui, um ato teológico — o modo concreto de continuar a obra da criação.
Da Arte de Ser Português brota, assim, a Arte de Ser Brasileiro: a transfiguração da contemplação em ação, da fé em ofício, da saudade em esperança. O brasileiro nasce em estado de trabalho e, por isso, nasce já em estado de santificação. Seu chão é o altar; seu esforço, a oferenda.
E se o ser português se realiza na saudade, o ser brasileiro se realiza na crise — a luta de cada dia para recompor, no caos, a unidade perdida. Mário Ferreira do Santos viu nisso o sinal de uma filosofia da crise: o Brasil é o laboratório ontológico do ser em reconstrução.
4. A crise do ser e a vocação à reconciliação
A independência, ao romper a continuidade entre Portugal e Brasil, criou uma ferida ontológica: deixamos de ser extensão e passamos a ser fragmento. Mas, como em toda economia divina, a ferida torna-se ocasião de graça: a separação é o prelúdio da reconciliação em nível mais alto.
O Brasil vive, desde então, sob o signo do Espírito Santo — aquele que transforma o caos em cosmos e a dispersão em comunhão. A crise do ser é o terreno onde o Espírito sopra; é nela que o improviso se torna criatividade, e o trabalho, santificação. A profissão: perigo torna-se profissão: Pentecostes.
5. A economia do Espírito Santo
A filosofia portuguesa ensinou-nos que o ser é comunhão. A doutrina social da Igreja, com a Rerum Novarum, ensinou-nos que a economia deve refletir essa comunhão. E São Josemaria Escrivá mostrou que o trabalho é o altar dessa reconciliação.
No Brasil, esses três ensinamentos se fundem: o ser se encarna na ação, a economia se torna espiritual,
e o trabalho se faz oração.
A economia do Espírito é o estágio superior da Rerum Novarum: o capital é dom, o trabalho é serviço, o lucro é partilha. O Estado é ordem sem tirania; o povo, liberdade sem anarquia. A política, como continuação da Trindade, torna-se pericorese social —mútua habitação de classes, vocações e dons, unidas na caridade.
6. O Brasil como hipóstase histórica da Trindade
A história da cristandade é o desdobramento da Trindade no tempo. Após o Pai (civilizações da lei) e o Filho (civilizações da graça), vem a Idade do Espírito: a civilização da concórdia.
Portugal inaugurou essa idade pela fé. O Brasil deve realizá-la pelo trabalho. Assim, o Brasil é a quarta hipóstase histórica da Trindade —a manifestação temporal do Espírito Santo no coração da terra.
É o lugar onde a comunhão trinitária se torna carne cultural: a mistura de povos, o perdão criador, a alegria como virtude.
Na geometria divina, o triângulo de Sierpiński se repete: cada triângulo menor (família, comunidade, nação) reflete a forma do triângulo maior (a Trindade). O Brasil é o triângulo seguinte da história — o fractal espiritual da comunhão.
7. O destino da Cristandade — a recursividade da graça
A Cristandade não termina na Europa; ela se transfigura no Novo Mundo. A história é recursiva: o mesmo padrão divino reaparece em novas escalas. De Portugal para o Brasil, o Espírito refaz a criação sob nova forma — a graça repetindo-se em níveis cada vez mais amplos, até que toda a humanidade se torne templo.
Assim, a vocação do Brasil não é dominar, mas renovar. É mostrar que o Espírito não se exaure nas velhas formas, mas cria continuamente novas expressões do mesmo amor. O Brasil é o fractal da graça: o ponto onde o infinito toca o temporal, onde a alegria se torna forma de teologia e o trabalho, expressão da eternidade.
8. Conclusão — A transfiguração do ser
Da Arte de Ser Português à Arte de Ser Brasileiro, percorremos um arco espiritual: da contemplação à ação, da saudade à esperança, da cruz à ressurreição.
Portugal foi o Verbo que anuncia; o Brasil é o Corpo que trabalha; e o Espírito Santo é o Sopro que reconcilia.
A ontologia portuguesa tornou-se economia brasileira, e a economia brasileira, quando santificada, torna-se teologia do Espírito. A história lusobrasileira, assim, é uma via da salvação: uma escada de Jacó entre o céu e a terra, onde cada geração sobe mais um degrau rumo à unidade.
“Por Cristo e para Cristo, nas terras do Espírito Santo.”
Eis a síntese de nossa arte e de nossa missão.
A arte de ser português foi o começo da reconciliação; a arte de ser brasileiro será o seu cumprimento:
fazer da crise comunhão, do trabalho santificação e da história, um hino trinitário.
Bibliografia conclusiva
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Teixeira de Pascoaes. A Arte de Ser Português. Lisboa: Renascença Portuguesa, 1915.
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José Marinho. Teoria do Ser e da Verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1961.
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Tito Lívio Ferreira. O Brasil não foi colônia. São Paulo: Nacional, 1968.
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Mário Ferreira do Santos. Filosofia da Crise. São Paulo: Matese, 1963.
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São Josemaria Escrivá. Caminho; Sulco. Madrid: Rialp.
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Leão XIII. Rerum Novarum. Vaticano, 1891.
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Padre António Vieira. Sermões do Espírito Santo. Lisboa, 1649.
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Hans Urs von Balthasar. O Espírito da Verdade. Paulus, 1990.
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Joseph Ratzinger. Introdução ao Cristianismo. Lisboa: Paulinas, 1971.
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