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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

A verdadeira Terceira Via: de Roma e Jerusalém a Cristo Rei

 I. A origem do conflito civilizacional

No século I da era cristã, duas das maiores civilizações do mundo antigo se encontraram num ponto de tensão irreversível: Roma e Jerusalém. De um lado, o império romano, sustentado pela lei, pela disciplina e pela ordem universalizante; de outro, o povo judeu, sustentado pela fé, pela revelação e pela promessa particular de Deus.

O historiador Martin Goodman, em Rome and Jerusalem: The Clash of Ancient Civilizations (2008), descreve esse encontro não apenas como um conflito político, mas como um choque ontológico de concepções de mundo. Roma via a verdade como ordem social; Jerusalém via a ordem como consequência da verdade revelada.

Goodman mostra que o confronto não poderia ser resolvido apenas pela espada — porque o que estava em jogo não era apenas a posse da Terra Santa, mas a definição do próprio homem diante de Deus e do poder.

II. O arquétipo do “choque de civilizações”

Séculos depois, Samuel P. Huntington, em The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (1996), retomou o mesmo tema em escala global: as civilizações, mais do que os Estados, são as forças motoras da história. Mas o caso analisado por Goodman — Roma e Jerusalém — é o modelo primitivo desse fenômeno: uma civilização fundada na força e outra fundada na fé.

Elemento Roma × Jerusalém Ocidente × Outras Civilizações
Princípio de coesão Lei e poder Cultura e ideologia
Horizonte espiritual Ordem e glória Progresso e identidade
Oponente principal Fé exclusivista Tradições religiosas não-ocidentais
Resultado histórico Destruição e assimilação Multipolaridade e tensão constante

A diferença é que, enquanto Huntington via o conflito como fatalidade estrutural, Goodman via nele um drama humano e religioso — o mesmo que preparou o advento de Cristo. 

III. O nascimento da verdadeira Terceira Via

Entre Roma e Jerusalém ergue-se o madeiro da Cruz — o eixo do mundo. Cristo assume a herança espiritual de Jerusalém e a universalidade política de Roma, reconciliando a fé e a razão, o altar e o trono.

A frase evangélica — “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” — marca a fundação da verdadeira Terceira Via: distinção sem ruptura, hierarquia sem confusão. O Cristianismo nasce como síntese das duas ordens, não como meio-termo, mas como transfiguração.

Essa síntese deu origem à Cristandade, a civilização que ordenou o poder político ao poder espiritual, e que sustentou o Ocidente durante séculos. Foi o primeiro e mais profundo exemplo histórico de superação do conflito civilizacional: em vez de suprimir o adversário, Cristo o redime.

IV. A falsa “terceira via” moderna

Nos tempos modernos, “terceira via” tornou-se sinônimo de conciliacionismo político, de um centro desprovido de transcendência. A política moderna tenta unir capitalismo e socialismo, fé e ceticismo, tradição e progresso — mas sem um princípio moral que unifique.

Essa tentativa é o eco profano da verdadeira síntese cristã, uma paródia secularizada da Cruz. Enquanto a Terceira Via de Cristo é vertical — entre o Céu e a Terra —, a “terceira via” moderna é horizontal, um jogo de forças entre dois polos igualmente terrenos. E como toda síntese sem princípio, ela leva ao abismo, pois quer salvar o homem sem a graça, e manter a ordem sem a Verdade.

“A via média dos modernos é o equilíbrio dos interesses; a via de Cristo é o equilíbrio dos amores.”

V. Filosofia da lealdade e fundamento da civilização

Aqui se pode aplicar a Filosofia da Lealdade, de Josiah Royce, obra que você justamente relaciona à missão civilizacional. Royce ensina que a lealdade a uma causa comum transcendente é o que dá coesão a um povo e o eleva acima da mera sobrevivência. No caso da Cristandade, essa causa é o próprio Cristo, o Bem Supremo ao qual se ordenam todas as lealdades legítimas.

Sem esse fundamento, a civilização se fragmenta — tal como a Europa contemporânea e o Ocidente secular, que perderam o eixo que antes unia Roma e Jerusalém em torno do Calvário.

VI. Roma e Jerusalém em nós

Cada época repete, de certo modo, o drama de Roma e Jerusalém. Roma vive em nós como a tentação da eficácia, da glória e da lei humana; Jerusalém, como a busca da pureza e da exclusividade divina. Ambas são necessárias, mas só se cumprem em Cristo, que as reconcilia pela Cruz.

É por isso que toda civilização que rejeita o Cristo está condenada a repetir o conflito sem fim: um império sem alma e uma fé sem corpo. A história confirma isso: quando o Ocidente tenta ser apenas Roma, torna-se tirânico; quando tenta ser apenas Jerusalém, torna-se sectário; somente em Cristo encontra o equilíbrio do verdadeiro Reino.

VII. Conclusão

A verdadeira Terceira Via não é política, mas metafísica: é o caminho de Cristo, que une as oposições da história sem as confundir, e as ordena ao Reino dos Céus. As falsas terceiras vias — sejam liberais, globalistas ou tecnocráticas — nada mais são do que tentativas de reconstruir Roma sem Jerusalém, e Jerusalém sem Roma.

O Cristianismo permanece, portanto, como a única reconciliação possível entre o poder e a fé, entre a cidade dos homens e a Cidade de Deus. E é por isso que se pode afirmar:

Hoje, muitos falam em terceira via, mas este caminho leva ao abismo. A verdadeira Terceira Via é Cristo, Rei do Universo, que transforma o choque de civilizações na comunhão dos santos.

Bibliografia recomendada

  • Goodman, Martin. Rome and Jerusalem: The Clash of Ancient Civilizations. Vintage, 2008.

  • Huntington, Samuel P. The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. Simon & Schuster, 1996.

  • Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Macmillan, 1908.

  • Ratzinger, Joseph (Bento XVI). Fé, Verdade e Tolerância: O Cristianismo e as Religiões do Mundo. Paulus, 2003.

  • Dawson, Christopher. Religion and the Rise of Western Culture. Sheed & Ward, 1950.

  • Lewis, C.S. The Abolition of Man. HarperOne, 1943.

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