I. O princípio da legitimidade recursiva
Se a legitimidade política é simultaneamente local e nacional, é porque o mesmo princípio que dá forma ao todo se repete nas partes. A ordem política fractal não se constrói de cima para baixo, nem de baixo para cima, mas de dentro para fora — como a vida que pulsa em cada célula de um mesmo corpo.
O que vale para a geometria constitucional vale também para a formação da nacionalidade: o Brasil é legítimo não porque existe uma abstração chamada “povo brasileiro”, mas porque há um conjunto de comunidades concretas, cada uma revelando, em sua história e virtude, a presença viva de Cristo.
II. O povo brasileiro em concreto
Quando Leonel Brizola se referia ao “povo brasileiro”, falava de uma entidade abstrata — uma massa uniforme, criada pela imaginação política da modernidade. Mas o verdadeiro povo brasileiro não é uma ideia: é uma árvore genealógica viva, feita de homens e mulheres que, geração após geração, encarnaram a unidade na diversidade, a ponto de tomarem este país como um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo dentro de suas circunstâncias
O Brasil, nesse sentido, só se realiza plenamente em Cristo, por Cristo e para Cristo. É no entrelaçamento espiritual e familiar de suas 27 unidades federativas que a nação se torna um organismo recursivo: cada região é um espelho do todo, e o todo se manifesta em cada família. Em alguma geração futura, um brasileiro poderá dizer — e já há quem possa — que tem ancestrais de todas as partes do país. Essa plenitude genealógica é o sinal de que o processo de brasilização foi consumado: o Brasil tornou-se, finalmente, um lar comum em Cristo. Neste ponto, o senso de tomar o Brasil como um lar em toda sua plenitude está completo, no sentido nacionista do termo.
III. A comunidade revelada
A comunidade revelada é, teologicamente, o oposto da “comunidade imaginada” de Benedict Anderson.
Enquanto a comunidade imaginada nasce de um pacto psicológico e político — uma ficção necessária para justificar a soberania moderna —, a comunidade revelada nasce da providência divina na história, que une os povos e as famílias pela santificação e pela virtude.
Em cada parte do território, houve um justo, um santo, um homem ou mulher virtuoso que serviu a Cristo em sua terra. Essas pessoas, ao longo do tempo, tornaram-se sementes espirituais que germinaram na genealogia da nação. Assim, a brasilidade é uma herança viva do Espírito — não uma invenção ideológica, mas uma revelação histórica.
IV. O processo de brasilização e a nacionidade interna
O processo de brasilização é, portanto, um processo de nacionidade interna, não excludente, mas inclusivo e missionário. A cada geração, quando famílias se unem entre diferentes regiões, renova-se a unidade do corpo nacional. O Brasil torna-se, aos poucos, um só corpo místico, onde o sangue do Norte e o suor do Sul correm nas mesmas veias espirituais.
Essa recursividade genealógica reflete o fractal constitucional:
-
No plano jurídico, o poder se distribui entre as partes, sem hierarquia;
-
No plano humano, a virtude se distribui entre as famílias, sem distinção de origem;
-
No plano espiritual, a graça se distribui entre as gerações, sem acepção de pessoas.
A nacionidade interna é o reconhecimento de que o Brasil não é apenas um território, mas uma vocação comum. E essa vocação — servir a Cristo em terras distantes — vem de Ourique, onde Portugal recebeu o mandato de propagar o Reino até os confins da terra. Nós, brasileiros, somos a extensão viva dessa Lusitânia dispersa, que se perpetua agora em terras tropicais.
V. O Brasil disperso como continuidade da Lusitânia
Quando se fala em “Lusitânia Dispersa”, alude-se à missão portuguesa de irradiar o Evangelho pelo mundo. O Brasil disperso, por sua vez, é a continuação dessa missão — não mais como império marítimo, mas como império espiritual da comunhão. Cada brasileiro que toma uma nova terra como lar, seja no exterior ou no interior do próprio país, realiza novamente o ato de Ourique: servir a Cristo naquilo que é distante, tornando o distante parte do Todo.
O fractal político e o fractal espiritual coincidem, portanto, no mesmo gesto: a unidade que se multiplica sem perder a forma. E é esse o verdadeiro sentido de ser brasileiro — não pertencer a uma abstração estatal, mas participar de uma história providencial, que vai se revelando geração após geração.
VI. Conclusão: a nação como reflexo de Cristo
Numa ordem fractal, a legitimidade política e a legitimidade espiritual convergem. O Brasil, ao tomar cada parte de si como lar em Cristo, realiza o que o Império Português prefigurou: uma civilização do serviço, fundada na conformidade com o Todo que vem de Deus.
Assim como o corpo político reflete a estrutura da Constituição, o corpo da nação reflete a estrutura da graça: cada família é uma miniatura da pátria, e a pátria é uma miniatura do Reino de Deus.
O Brasil concreto é, portanto, uma comunidade revelada — um fractal da própria ordem divina,
em que o local e o nacional são apenas diferentes escalas do mesmo desígnio eterno: servir a Cristo em terras distantes, até que todas as terras se tornem um só lar.
Bibliografia
1. Fundamentos filosófico-políticos
-
Benedict Anderson. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. Verso, 1983.
→ Obra que introduz o conceito de “comunidade imaginada”, usado aqui como contraponto à noção de comunidade revelada. -
Carl Schmitt. Teoria da Constituição. Del Rey, 1996.
→ Fundamenta a ideia de unidade política e soberania como decisão encarnada, permitindo pensar o Estado como corpo simbólico. -
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, 2022.
→ A base dogmática para compreender o federalismo simétrico e a legitimidade das unidades federativas como reflexos da União. -
Paulo Bonavides. Teoria do Estado. Malheiros, 2014.
→ Examina o federalismo brasileiro e a formação da nação sob o prisma histórico e filosófico.
2. Fundamentos metafísicos e teológicos
-
Santo Agostinho. A Cidade de Deus. Paulus, 2001.
→ Explica a distinção entre a civitas terrena e a civitas Dei, permitindo compreender a nação cristã como corpo espiritual. -
São Tomás de Aquino. Suma Teológica, I-II, q.91–94.
→ Trata da lei natural (lex naturalis) como reflexo da razão divina no homem — fundamento para a ideia de natural right. -
Arthur Schopenhauer. O Mundo como Vontade e Representação. UNESP, 2005.
→ Base ontológica para compreender o fractal da vontade e a recursividade entre o ser e a representação política. -
Joseph Ratzinger (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo. Loyola, 2007.
→ Fundamenta a ideia de comunhão como essência da verdade revelada, aplicável à concepção de comunidade política cristã.
3. Fundamentos históricos e culturais luso-brasileiros
-
Teixeira de Pascoaes. A Arte de Ser Português. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998.
→ Reinterpreta o mito de Ourique e o destino espiritual da Lusitânia como vocação para servir a Cristo em terras distantes. -
António Sardinha. A Aliança Peninsular. Livraria Clássica Editora, 1919.
→ Desenvolve a visão tradicionalista do império espiritual português, cujas linhas se estendem até o Brasil. -
Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. É Realizações, 2015.
→ Propõe a leitura do destino civilizacional do Brasil como prolongamento da missão espiritual de Portugal. -
Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala. Global Editora, 2003.
→ Oferece o fundamento sociológico da miscigenação e da integração de diferentes “partes do Brasil” num mesmo lar nacional. -
José Pedro Paiva. Ourique e o Nascimento de Portugal: Mito, História e Identidade. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014.
→ Contextualiza o milagre de Ourique e sua influência na formação do imaginário político e religioso português.
4. Referências complementares
-
Benoît Mandelbrot. The Fractal Geometry of Nature. W.H. Freeman, 1982.
→ Fundamenta a metáfora geométrica do fractal como princípio de autossimilaridade aplicável à estrutura federativa e genealógica. -
Hannah Arendt. A Condição Humana. Forense Universitária, 2007.
→ Explora a ação e a pluralidade como fundamentos da política autêntica — bases do conceito de legitimidade recursiva. -
Raimundo Faoro. Os Donos do Poder. Globo, 2001.
→ Análise da formação histórica do Estado brasileiro e da transposição do patrimonialismo lusitano, contraponto histórico à noção de comunhão espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário