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domingo, 8 de abril de 2012

Política é o exercício da capacidade humana de julgamento, afirma cientista política


A matéria está neste link: http://adf.ly/7CQUI

Comentários (destacados do facebook):

"Eu concordo com você que nossa política, nosso discurso político, consiste, em grande parte, de acusações, e há pouquíssimas argumentações sérias sobre os grandes problemas. E o discurso democrático deveria tratar disso.

Eu acho que a nossa política se tornou muito gerencial e tecnocrática e focada demais em questões econômicas limitadas. Isso tem deixado de lado questões genuinamente políticas, inclusive questões éticas e questões espirituais que surgem no debate político.

E, muitas vezes, é a direita religiosa que quer levar questões ligadas aos valores, à moralidade e à religião para a política mas a esquerda ou os liberais dizem: "Não, isso é intolerância."

Eu acho que discurso público democrático deveria acolher debates morais e espirituais e que os cidadãos não deveriam ser forçados a deixar para trás suas convicções morais e espirituais quando entram na arena pública".


Ver também:

1) Definição de Política, segundo meu amigo Paulo Henrique Cremoneze: http://adf.ly/1Qnktd

2) Da amizade como a base para a sociedade política: http://adf.ly/c8q6A

3) O debate político se dá no alto dos céus e não debaixo da terra: http://adf.ly/1P00Ti

4) Comentários sobre a política em Aristóteles: http://adf.ly/bmJVe

Por que a cota constitui uma forma de racismo dissimulada?

Um leitor me escreve o seguinte:
A questão das cotas, no Brasil, se deve ao fato de que os negros são os mais prejudicados, por viverem em situação de miséria – por isso, elas se justificam porque a grande maioria não tem acesso a estudo de qualidade. Isso não tem nada tem a ver com racismo.
Eu respondo ao argumento da seguinte forma:
Se a questão fosse tão somente ensino público de qualidade, o problema já teria sido resolvido faz tempo, bastando tão somente vontade política. Mas o começo da solução teria que começar a partir das futuras gerações – e não na geração que foi prejudicada. Pois se você deseja corrigir as injustiças na sociedade, você precisa pensar a longo prazo e não de forma a obter resultados imediatos, para colher nas próximas eleições. E esse é o segredo do estadismo, já que a política nesse ponto é promover a virtude cívica – e isso não se confunde com fisiologismo político, tal qual os nossos políticos, em sua maior parte, fazem.
A situação de miserabilidade não é privilégio exclusivo dos negros: há brancos pobres, há indígenas pobres e mulatos pobres. Por que tão somente os negros teriam esse “privilégio”? Só por que eles são maioria? Dá pra perceber que a questão é puramente populista e demagógica, pois elas se pautam no argumento de que o número governa o mundo, criando uma espécie de ditadura da maioria, quando se usa as tais minorias como bucha de canhão nessa história.
Além disso, a situação ruim do ensino público é mantida assim artificialmente em razão do clientelismo político, tal como me referi acima, já que o regime democrático, infelizmente, se pauta nos números – e esse números, que vão compor a quantidade dos votos, é que vão reger a vida política do País, já que essa é forma que rege a democracia no país. Isso é uma forma imoral de se fazer política; se Vox Populi é Vox Dei, basta plantar um boato, que esse fato se espalhará e esse “Deus” falhará.
A verdadeira política que serve ao povo não está nos números, mas nos motivos determinantes que fazem com que você vote no candidato X e não no Y. X construiu estradas – essas estradas facilitaram o escoamento da produção da cidade, logo essas estradas trouxeram riqueza para o país, e a renda per capita da população aumentou, possibilitando que a economia da cidade se diversificasse, facilitando a integração entre as pessoas e criando mais oportunidades para toda a população e para toda a região onde a cidade se localiza.  Y baniu a repetência das escolas – o aluno que não aprende a lição vai acumulando déficit de aprendizagem durante a vida escolar; e quando ele chega à universidade, ele não sabe ler nem escrever. Logo, o diploma não vai traduzir as reais qualidades dessa pessoa, já que a universidade acabou virando fábrica de diploma, já que todo mundo tem direito ao ensino universitário, garantido pelo governo, mas nem todo tem condições de estar na vida universitária.
Se acrescentarmos o fato da cota, você está colocando uma pessoa na universidade só por causa da cor da pele e não por causa das qualidades que ele tem como aluno. E quando ele tiver um diploma na universidade, vai com certeza constar que ele entrou pela vida universitária através da cota e não pelo mérito. Isso estimularia uma subavaliação das reais qualidades profissionais desse recém-formado no mercado do trabalho, tomando-se por base a cor da pele e não o que ele faz, e isso cria uma espécie de distorção que favorece os conflitos na sociedade e não a integração entre as pessoas – e isso, sim, é uma forma dissimulada de racismo e de exclusão da pessoa do mercado de trabalho que o governo promove, já que a lógica do petismo é forjar a luta de classes, de modo a desestabilizar a democracia e implantar uma ditadura totalitária no país.
Para você chegar a isso que eu falei, é preciso pensar com lógica, no que vai acontecer a longo prazo, em 15 ou 20 anos. Isso que eu falo é um raciocínio fundado na prognose, nas consequências daquilo que está sendo plantado no país. Se você planta o caos, você vai colher tempestade – nada mais do que isso. Se você serve ordem e justiça no país, a ordem te servirá – e isso que Santo Agostinho dizia, pois a promoção da política, de forma justa e organizada, é a promoção da caridade, uma das formas de capitalização moral que promovem o verdadeiro progresso no país, fundada no sentido de se tomar o país como se fosse o seu lar (a chamada nacionidade).
Eis a resposta!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Palestra sobre a violação dos sigilo dos votos na Urna Eletrônica

O fato aconteceu em Goiânia, em 30 de março de 2012. Segue o link: http://adf.ly/78rAu


Dúvidas de um jovem acerca da escravidão e sobre o suposto problema da dívida histórica com os cativos

Um jovem me escreve isto:
Vi seu blog – e gostaria de parabenizá-lo. As críticas são verdadeiras e estou aprendendo com a parte jurídica. Digo isso como um estudante que pouco sabe, e não como quem quer se colocar na posição de apto a julgar.
Quanto ao seu post sobre escravidão, tenho um questionamento. Meus avós ou bisavós, dependendo do lado da família, eram italianos, levados para trabalhar no interior do estado de SP – eles chegaram a levar chicotadas. Não haveria dívida histórica para comigo? Como ficariam minhas cotas?

Eis a resposta que dou para esse jovem:

Essa questão de dívida histórica, que é alegada por esses grupos pró-cotas raciais, não passa de puro revanchismo. A gente não pode ficar pautando nossa vida com base nos pecados dos outros – se formos assim, jamais seremos pessoas livres.

Aliás, Princesa Isabel assinou a Lei Áurea porque sabia que a escravidão é uma coisa desumana e moralmente injustificável – aliás, a própria Igreja Católica condena a escravidão, já que ela contraria frontalmente o ensinamento de Cristo. Ela assinou a Lei Áurea porque tinha planos de assentar esses escravos nas terras devolutas que o governo tinha, de modo a que viessem constituir família e assim ter direito ao seu pedaço de chão, pela usucapião (isso ela tinha falado em uma carta, que ficou inédita por muito tempo, cujo conteúdo foi revelado na Revista Nossa História de Maio de 2006). Mas esse nobre gesto da futura imperatriz não pôde ser concretizado, porque logo depois a monarquia foi derrubada pela República, sob a alegação de que o Império era atraso e que a  nova ordem era progressista – e esse processo de inserção do negro na sociedade livre acabou não acontecendo, de fato. E como os republicanos nunca tiveram planos para recuperar a dignidade dessa gente - aliás, os republicanos não tinham planos de fazer a abolição dos escravos -  as favelas começaram a surgir ao longo da Cidade do Rio de Janeiro – e pelo país inteiro.

Se a Princesa fosse viva e visse isso, ela certamente entraria em depressão profunda. Qualquer pessoa bem intencionada teria isso, ao ver que crápulas mal-intencionados se aproveitaram de uma massa desvalida, vítima do golpe do 15 de novembro, para inculcar seu ódio vil e desonesto, na busca pelo poder absoluto sobre tudo e sobre todos. Infelizmente, o que muitos desses negros pró-cota não sabem que os escravos, recém-libertos, foram os maiores defensores da monarquia. Pois o gesto de nossa senhora foi nobre – e nos dias de hoje corre um processo de beatificação de nossa Princesa Redentora.

 O gesto da princesa repete aquilo Igreja fez, historicamente, quando começou a ensinar a doutrina cristã para os escravos – a Igreja os acolheu como filhos, como seres humanos que são, à Imagem e semelhança de Deus, permitindo que estes se casassem e constituíssem família, adquirissem bens por conta do trabalho honesto e que tivessem filhos – assim, pouco a pouco, a escravidão foi paulatinamente sumindo da Europa, na transição da Antiguidade para a Idade Média – assim, a escravidão lentamente se decantou em servidão, para daí se decantar em trabalho livre; e esse processo levou muitos séculos até se completar. Esse processo se deu gradualmente – e não através de violência abrupta ou de corrupção dos nossos valores morais, como querem esses seres odiosos.

Uma pessoa de bem jamais deve pensar em dívida histórica ou dívida social, com o intuito de se imiscuir de sua responsabilidade como indivíduo – essa pessoa, tal como eu ou você, na condição de indivíduo, deve assumir, com responsabilidade, aquilo que foi legado, seja de bom ou de ruim, fundado naquilo que os nossos antecessores deixaram – e devemos cuidar desse legado, de modo que o mal não se repita de novo, de modo a que a geração futura, os nossos filhos, não passe pelas tragédias que você passou para descobrir a verdade, enquanto se vive a vida – e que aprenda, desde cedo, que isso que foi feito é errado - e que disso não se esqueça. É neste ponto que o ensino de história se aproxima da moral.

Por isso que existe o passado para se conhecer – ao você conhecer o erro e a injustiça cometida, você se compromete, para si mesmo, que não vai fazer, com o seu semelhante, aquilo que os outros cometeram de ruim, seja com aqueles que vieram antes de você ou com você mesmo. Até porque o que vem depois do opressor pode não saber dos males que aquele praticou - pois os seres humanos não possuem o dom da onipresença e nem da onipotência. E a pessoa vingativa é uma pessoa fraca por essência, que não tem nada a te acrescentar.Por isso, é sempre conveniente se afastar dessas pessoas.

Se tivéssemos onipresença estaríamos sempre presentes em todos os lugares e em todos os tempos. Não existiria passado, presente e futuro. E sem isso nós não seríamos seres humanos, mas deuses.Por isso que a onisciência foi negada ao homem, na criação. Imagina o quão terrível seria se fosse isso!
Precisamos conhecer a nós mesmos primeiro, antes de fazer alguma coisa em prol dos que nos estão mais próximos. Só assim descobriremos o quanto de bom podemos fazer por nossos semelhantes. De nada adianta mudar o mundo se você não arruma o seu próprio quarto, não é mesmo?
Da forma como elas estão fazendo, essas pessoas só enxergam uma coisa: que a moral só vale para os outros, e que isso não vale para eles próprios. Essa via de mão única é hipócrita, convenientemente hipócrita – as melhores coisas da vida são conquistadas a base de trabalho, suor e sacrifício, pois as coisas se conseguem através de acordos, de entendimento. Nada se conquista usando força, pura e simplesmente.
Por isso que a uma das primeiras coisas que se acabou, numa sociedade evoluída, foi a vendeta – a vingança sem limite, no seio familiar, por conta dessas dívidas históricas. Se isso continuasse, seria o caos da própria sociedade. Uma das primeiras finalidades da lei escrita foi isso.
Sabe aquilo que o Seu Madruga diz? De que a vingança nunca é plena, pois mata a alma e a envenena? O que se aplica aos indíviduos, se aplica asociedade, pelo efeito da mão invisível. É a mais pura verdade.
Esta é a resposta que eu te dou!

Brasil - de potência petrolífera, promovida pelo presidente Lula, a importador de gasolina

Com o título Lembranças da OPEP, o jornalista Carlos Brickmann, sempre brilhante, publicou em sua coluna a seguinte nota:
Lembra quando o Brasil se tornou autossuficiente em petróleo, ia mudar a matriz energética do mundo com o álcool, teria todos os problemas resolvidos com o pré-sal? Bom, o álcool está aí, mas o Brasil o importa dos EUA (aquele álcool que era antieconômico, lembra?)
Quanto à autossuficiência em petróleo, o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, informa que vamos importar 80 mil barris diários de gasolina. Traduzindo os números: de 1969 a 2009 não precisamos importar gasolina. Em 2009 voltamos a importar, nove mil barris por dia. Em três anos, a importação se multiplicou quase por dez.
Volto para a constatação: conjugados, o excesso de idiotia e a falta de memória garantem a mansidão bovina de milhões de brasileiros. A manada se contenta com pouco, acredita em tudo e não cobra nada.
Fonte da matéria: http://adf.ly/77tJw

Livros que merecem ser lidos - tema: escravidão na África e na Árabia


‎1 - Islam's Black Slaves: The Other Black Diaspora - Ronald Segal
2 - L'Esclavage en Terre d'Islam - Malek Chebel
3 - Afrique, l'histoire a l'endroit - Bernard Lugan
4 - Quand les noirs avaient: des esclaves blancs - Serge Bile
5 - Slavery in the Arab World - Murray Gordon
6 - Les Négriers en terres d'islam : La Première traite des Noirs, VIIe-XVIe siècle - Jacques Heers7 - Le génocide voilé: Enquête historique - Tidiane N'Diaye8 - White Gold: The Extraordinary Story of Thomas Pellow and Islam's One Million White Slaves - Giles Milton9 - White Slaves, African Masters: An Anthology of American Barbary Captivity Narratives - Paul Baepler10 - Histoire de l'Afrique des origines à nos jours - Bernard Lugan11 - Pour En Finir Avec LA Repentance Coloniale - Daniel Lefeuvre12 - L'esprit du sérail : Mythes et pratiques sexuels au Maghreb - Malek Chebel
Nenhum desses 12 foi traduzido para o Português. Havendo disponibilidade, e recursos, digitalizarei eles todos, e vou tentar traduzi-los - seja com ou sem ajuda, assim o farei. 

Reportagem do Fantástico não serve de prova contra as fraudes praticadas

O vídeo mostrado no Fantástico, em que empresas oferecem propina para ganhar licitação, não serve de prova para fundamentar ação penal contra os envolvidos. E o pior: poderá implicar a impunidade dos envolvidos em fraudes futuras.
O fundamento para inadmissibilidade da prova colhida no programa de televisão não é a ilegitimidade da prova, colhida por gravação ambiental. Isso porque a cláusula de reserva imposta no artigo 5º, XII, da CF, que determina a necessidade de autorização judicial para interceptação telefônica, não se aplica à gravação ambiental. Desse modo, quando há gravação, a proteção constitucional ocorre pela cláusula geral de proteção à privacidade, prevista no artigo 5º, X, da CF. E pode ser restringida pelo evidente interesse público de coibir práticas criminosas.
Por outro lado, a gravação efetuada pelo Fantástico, embora evidencie a prática de fatos que se amoldam a tipos penais previstos na Lei de Licitações, demonstra a prática de crime impossível. A licitação tinha o objetivo único de comprovar as suspeitas de irregularidades no Hospital do Rio de Janeiro. Tanto que o gestor de contratos era o próprio repórter. Daí por que, a par da vontade criminosa dos agentes, o meio escolhido para a prática dos crimes era absolutamente ineficaz. Nesse caso, trata-se de fato atípico, não podendo sequer haver prisão em flagrante (súmula 145 do STF).
Consequências da diferenciação entre interpretação e gravação para a restrição de direitos fundamentais
Interceptação e gravação não se confundem. Interceptação há quando a captação ocorre por um terceiro, sem a concordância dos interlocutores. Já a gravação ocorre quando o diálogo é gravado ou consentido por um dos interlocutores. Como afirmou Luiz Torquato, o que distingue a interceptação da gravação das comunicações é a presença de um terceiro[i]. Como a gravação feita pelo programa contava com a anuência do repórter, que fingia ser gestor de contratos, houve caso típico de gravação.
A relevância da distinção está em que, se houvesse interceptação, a restrição ao direito de privacidade da comunicação só poderia ocorrer na hipótese aventada pelo Constituinte. Apenas para fins penais e com prévia autorização de juiz. Nas interceptações telefônicas, deve-se admitir que o balanceamento de valores, o eventual conflito entre a privacidade e outro valor constitucional, já ocorreu por obra do Constituinte. Daí por que censurável, sob o ponto de vista acadêmico, a decisão do STJ[ii], que, numa ação cível, admitiu excepcionalmente a interceptação telefônica. O caso envolvia o rapto de um menor pelo seu genitor, e a medida se justificava para encontrar a criança. Deve-se lembrar que o postulado argumentativo da proporcionalidade, proposto por Robert Alexy, apenas justifica a ponderação entre princípios. O autor alemão, em nenhuma linha do seu livro[iii], admite utilizar a técnica da proporcionalidade para ponderar conflito entre regras e princípios.
Por outro lado, a restrição ao direito de privacidade das conversas gravadas é permitida, embora essa possibilidade não esteja expressa na Constituição Federal. Isso porque, como alerta Jorge Novais[iv], comentando sobre comando da Constituição Portuguesa que impede restrição de direito constitucional não autorizado expressamente pelo Constituinte:
“[...]por maior que seja o esforço analítico de delimitação da previsão normativa de direitos fundamentais ou por mais restritiva que seja a concepção da respectiva ‘facti species’, restam sempre situações de facto compreendidas pelo âmbito normativo de dois ou mais direitos fundamentais [...] os limites que afectam um direito fundamental projectam-se, inevitavelmente, ainda que de forma mais ou menos directa ou imediata, sobre as possibilidades de desenvolvimento de personalidade e de liberdade individual protegidas especificamente por outros direitos fundamentais”
No caso da gravação efetuada pelo Fantástico, ou não havia direito à privacidade a ser protegido ou esse direito deveria ceder diante do conflito com os valores da probidade administrativa e da eficiência (economicidade) na aplicação dos recursos públicos. Isso depende de considerar se certas condutas estão ou não incluídas em abstrato no âmbito de proteção das normas de direito fundamental. Para os que defendem a tese do suporte fático restrito, práticas criminosas não estão incluídas sequer no direito à privacidade, pois seria o mesmo que admitir, como corolário do direito à liberdade de expressão, o direito de matar um ator no palco[v]. Por outro lado, para os que defendem a teoria do suporte fático amplo, até mesmo o direito de sigilo sobre conversas que configurem crime está incluído em abstrato no âmbito de proteção do direito à privacidade. A tese do suporte fático amplo, a par do paradoxo aparente, implica admitir que restrições a direitos fundamentais dependem de fundamentação constitucional. O que não ocorre com a tese do suporte fático restrito, que, por considerar excluídas a priori, determinadas condutas do suporte fático da norma de direito fundamental, implica admitir decisões com déficit de argumentação, aparentemente racionais, mas que mascaram arbítrio na aplicação[vi].
De todo modo, o Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito da legitimidade das provas colhidas, em gravação de conversa, por emissora de televisão. No caso, a gravação clandestina foi realizada por alistando, a pedido da emissora, que gravou a exigência de dinheiro por Secretário da Junta de Serviço Militar para que declarasse falsamente a dispensa por excesso de contingente. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal[vii] adotou a teoria do suporte fático amplo dos direitos fundamentais, ao considerar que o direito à privacidade deveria ceder diante do interesse público:
“A questão que se coloca não é da inviolabilidade das comunicações (CF, artigo 5, XII) e, sim, de proteção da privacidade e da própria imagem (artigo 5, X). que não é um direito absoluto, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse social
Flagrante preparado e crime de ensaio
A abertura do certame licitatório não tinha o objetivo de contratar serviços ou comprar bens. De acordo com a reportagem, a licitação teve o objetivo único de comprovar as suspeitas de irregularidades no Hospital. Tanto que o gestor de contrato era o próprio Repórter, o que evidencia a impossibilidade de a suposta licitação ensejar contratação com a Administração Pública. Portanto, o caso se enquadra em caso típico de crime de ensaio, de impossível consumação.
Não há que se levar em conta, para que se considere crime impossível, a vontade criminosa dos agentes que representavam as empresas. A ineficácia absoluta do meio ou a impropriedade do objeto estão relacionadas tão somente ao tipo objetivo. Não basta que a vontade considere idôneos os meio utilizados[viii]. O Código Penal Brasileiro adota indiscutivelmente a teoria objetiva. A controvérsia existe se a inidoneidade deve ser absoluta (teoria objetiva pura) ou relativa (teoria objetiva temperada). Desse modo, no clássico exemplo, se um ladrão enfia a mão no bolso da vítima, que guardava a carteira no outro bolso, tem-se caso de inidoneidade apenas relativa, devendo o agente ser punido por crime tentado, segundo a maioria da doutrina[ix].
No caso em questão, o objeto é absolutamente impróprio. A licitação, ainda que não houvesse fraude, não possibilitaria a adjudicação do objeto ao vencedor. Servia apenas para comprovar um fato, e não para selecionar a melhor proposta para a Administração, permitindo a adjudicação do objeto ao vencedor do certame. Todo o procedimento era um crime de ensaio, pois o agente provocador, ao mesmo tempo em que conduziu as empresas para a prática do delito, promovera todas as cautelas para que não houvesse consumação.
Impunidade dos envolvidos e a liberdade na produção da prova de gravação ambiental
As fraudes mostradas no programa podem servir de notícia-crime, mas não fazem prova legítima para servir de fundamento único para denúncia. Não há dúvida de que a autoridade policial, em vista das irregularidades noticiadas, pode iniciar investigação para comprovar a prática dos crimes. Desse modo, caso encontre outras provas da participação dos envolvidos, pode o Ministério Público denunciar os envolvidos. O fundamento para impedir a denúncia unicamente com a prova colhida no Fantástico é o mesmo que impede a instauração de processo administrativo com base exclusiva em denúncia anônima[x].
O problema está na dificuldade de colher outras provas que demonstrem a prática dos ilícitos. Durante a gravação, fica evidente a preocupação dos criminosos em cumprir não só a legalidade, mas também a economicidade. Todo o procedimento licitatório burlado estava mascarado sob uma legalidade irrepreensível. Quando a fraude ocorria na modalidade convite, três empresas eram convidadas, conforme determina a Lei de Licitações (artigo 22, § 3o, da Lei 8.666/1993). A prévia combinação dos preços a ser ofertados pelas empresas também garantia a compatibilidade da oferta selecionada com os preços do mercado, o que caracteriza a economicidade dos gastos públicos.
Nesse caso, a garantia constitucional da liberdade de produção de prova nas gravações ambientais tem enorme possibilidade de gerar a impunidade dos criminosos. É praticamente impossível encontrar outras provas que não seja a prova audiovisual numa fraude que respeita até a economicidade. Também é provável que as empresas, daqui para frente, revistem todo o ambiente antes de oferecerem propina. A prova produzida pela Rede Globo, nesse caso, além de inservível para instaurar ação penal, ajudará os criminosos a se acautelarem, cometendo impunemente fraudes futuras.
Isso demonstra ainda que o debate sobre a liberdade de produção de prova nas hipóteses em que o Constituinte não restringiu o direito à privacidade não é uma mera discussão sobre sopesamento de valores. Ao considerar que o interesse público sobressai no caso de gravação ambiental de ações clandestinas, é possível que o próprio povo seja prejudicado. Isso porque se permite que a prova sem a intervenção do Estado seja produzida com má qualidade. Além de não comprovar os fatos demonstrados, permite-se que o infrator acautele-se em fraudes futuras. Não se trata de defender decisões pragmáticas, que levem em conta unicamente as consequências da decisão em detrimento do valores, como criticou Dworkin[xi]. E sim de como defender o próprio valor do interesse público, analisando previamente as consequências da decisão que aparentemente o consagre.


NOTAS
[i] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p . 183.
[ii] HC 203.405/MS. Rel Min. Sidnei Beneti, DJ de 10-11-2011.
[iii] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
[iv] NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Portugal: Coimbra, 2010, p. 379.
[v] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Portugal: Coimbra, 1976, p. 294.
[vi] A tese do suporte fático amplo é dominante, e é defendida por Robert Alexy. Para mais, cf. SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Disponível em : <http://teoriaedireitopublico.com.br/pdf/2006-RDE4-Conteudo_essencial.pdf>, acesso em 27/03/2012.
[vii] HC 87.341/PR. Rel Min. Eros Grau. DJ 03.03.2006.
[viii] Interpretando a teoria subjetiva, Hans Welzel afirmou: "a concretização exterior da vontade e, como tal, não precisa ser perigosa, mas que para a ordem jurídica é já seriamente perigosa aquela vontade que, com sua manifestação, acredita iniciar imediatamente a realização do delito. Por isso é punida a tentativa com meios inidôneos, ou no objeto inidôneo, sem considerar a não-periculosidade objetiva se o autor tomou por idôneos." Para mais, cf.: WELZEL, Hans, Direito Penal Alemão. São Paulo: Romana, 2004. p. 210-211.
[ix] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 332.
[x] MS 14848/DF. Rel. Min. Og Fernandes. Dje 29/09/2011.
[xi] Para crítica às decisões pragmáticas propostas por Posner cf. DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge, London: The Belknap Press ofHarvard University Press, 2006, p. 209-210.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Portugal: Coimbra, 1976.
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006.
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge, London: The Belknap Press ofHarvard University Press, 2006.
WELZEL, Hans, Direito Penal Alemão. São Paulo: Romana, 2004.
João Paulo Rodrigues de Castro Analista judiciário no STJ.
Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2012.

Fonte da reportagem original: http://adf.ly/77fnR